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Iraquianas enfrentam sozinhas roubo de fotos íntimas na Internet

Imagem: Yura Fresh/Unsplash

Em Bagdá

25/11/2019 14h02

"Tenho seus vídeos e suas fotos. As envio para seu pai?". Quando leu essa mensagem de uma conta anônima no Instagram, Hala sentiu gelarem os ossos. Assim como ela, muitas iraquianas são vítimas de hackers ou namorados despeitados.

Esta jovem de vinte anos recebeu em seguida uma série de ameaças similares em todas as suas redes sociais (Facebook, Snapchat...), acompanhadas de fotos íntimas que ela mesma tinha mandado para um namorado e foram parar nas mãos de um hacker.

"Algumas mensagens pediam dinheiro. Outras, relações sexuais, às vezes, inclusive só por telefone. Em certos casos, tentavam me assediar sem motivo", conta à AFP esta jovem, que se identifica com um nome que não é o seu de registro.

No Iraque, o "revenge porn" - difusão não consentida de imagens privadas - prospera, segundo vítimas, militantes e advogados em um terreno fértil, o de uma sociedade conservadora que nas redes sociais se transformaram em plataforma de encontros, com vítimas pouco acostumadas às ferramentas de proteção na Internet e uma legislação frágil.

As consequências podem ser devastadoras. Na melhor das hipóteses, a reputação de toda uma família é arruinada. No pior, uma sentença de morte em nome de "crimes de honra".

Hala, por sua vez, preferiu fugir do Iraque. Mas até no exterior, onde mora agora, diz "continuar recebendo ameaças", porque "essa gente não esquece".

Para a militante no combate à violência contra a mulher Rusul Kamel, Facebook e Instagram se transformaram em plataformas de encontros em um país onde há poucos espaços mistos.

Sem educação sexual, é também às redes sociais que recorrem as jovens para fazer perguntas sobre seus corpos em grupos exclusivamente femininos, mas que não estão a salvo de ataques de hackers.

Um calvário que pode durar anos

Em uma sociedade conservadora como a iraquiana, uma foto tirada sem o véu, com os cabelos descobertos, já pode ser considerada íntima e sua publicação, incômoda.

Seu uso com fins desonestos não para de aumentar, assegura Kamel.

Vários casos foram reportados à AFP. Uma vítima pagou 200 dólares por mês por quatro anos a um ex-namorado que ameaçava divulgar fotos íntimas que ela tinha lhe enviado.

Outra foi forçada a vender e telefone e todas as suas joias para pagar um hacker que a chantageava. Uma terceira teve exigido de um amante virtual relações sexuais sob pena de que suas fotos fossem mandadas para seu marido.

"A chantagem on-line reúne o conjunto das violências a que podem ser submetidas as mulheres: sexual, psicológica e econômica", afirma Kamel. "As vítimas raramente encontram um recurso legal ou social", acrescenta.

Segundo uma pesquisa da IPSOS MORI de 2017 para a Anistia Internacional, em oito países (Dinamarca, Itália, Nova Zelândia, Polônia, Espanha, Suécia, Reino Unido e Estados Unidos), 23% das mulheres sofreram algum tipo de violência na Internet, com fortes consequências psicológicas: queda ou perda da autoestima em 61% dos casos de mulheres afetadas, estresse, angústia e ataque de pânico em 55%.

Para a advogada Marwa Abdulridha, que em três anos já recebeu em seu escritório dezenas de vítimas, esta chantagem ocorre na "ausência de um método dissuasivo" em um país onde entrar em uma delegacia neste tipo de caso é um tabu. Os agressores, ao contrário, podem desfrutar às vezes da proteção de suas tribos, todo-poderosas no Iraque.

"A ideia de falar sobre isto em um tribunal mete medo e é a partir disso que a maioria das vítimas não apresentam denúncia", explica esta advogada à AFP.

Se o caso chega a um júri, a vítima frequentemente se depara com um muro de ignorância, afirma Abdulridha, que lembra ter visto magistrados perguntando "O que é Facebook?".

Proteger o anonimato

O ministério do Interior diz ter aberto três expedientes no mês passado por acusações que vão de "ameaça criminal" a "fraude".

Na Polícia, um departamento optou por uma abordagem diferente para incentivar as vítimas a falar. Nas delegacias, com policiais de ambos os sexos, as mulheres em problemas podem escolher entre abrir um processo ou se abster.

"Nossos agentes têm como prioridade o anonimato das vítimas", explica seu chefe, o general Ghalib Atiya. "Levamos o caso adiante como elas preferirem e vamos ou não a um tribunal", segundo a decisão das vítimas.

Suas unidades se vangloriam de ser, inclusive, mais eficazes que a justiça. Em Mossul, no norte do país, dizem ter posto um ponto final em três casos em uma semana, através de mediações locais para conseguir uma reconciliação.

Apesar de tudo, para o general Atiya, o fenômeno "alcança um nível perigoso". As mulheres representam entre 60% e 70% das vítimas de chantagem on-line, principalmente em Bagdá e no sul do país, dominado por tribos.

Abdulridha acha que o melhor seria agir para mudar a mentalidade. A advogada quer que a mídia deixe de incluir estes casos na seção de escândalos e se dê a todos melhor informação sobre como se proteger da ciberpirataria.

Em isso, advertem, "podem matar uma garota em menos de um segundo".

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