Primeira-dama é posto chato

Ana Estela Haddad pretere carreira em favor do marido, diz que ele é "muito assediado" e que quer ser política

Camila Brandalise e Luiza Souto Da Universa
Keiny Andrade/UOL

A odontopediatra Ana Estela Haddad divide com o marido o sobrenome; e não por causa do casamento, mas porque esse é também o seu próprio nome de família. Com Fernando, ou Fê, como ela o chama, divide também o gosto por tocar violão. Tê, como ele a chama, se dedica especialmente às partituras de Chico Buarque. Eles têm dois filhos, o advogado Frederico, de 26 anos, e a estudante de Engenharia Civil Ana Carolina, de 19, dois cachorros e o sonho de virar presidente e primeira-dama do país.

Para alcançá-lo, Fernando Haddad, que é o segundo colocado na corrida, ainda precisa bater, pelo menos, um fortíssimo concorrente, Jair Bolsonaro. Já Ana Estela teve que, momentaneamente, abandonar a carreira. E mais, a vontade de entrar, ela também, para a política. 

Professora de Odontopediatria da USP, orientadora do programa de pós-graduação e coordenadora de cursos à distância na área da Odontologia, ela se afastou dos 26 anos de carreira acadêmica para acompanhar o marido nas andanças pelo país. "Neste momento, preciso estar colada nele". A verdade é que, em dois outros momentos, ela já havia feito essa escolha. Ana Estela trabalhava no Ministério da Educação, quando Haddad virou ministro da pasta. "Pedi exoneração. Fiquei feliz pelo Fernando, mas triste por mim, porque eu estava muito envolvida e gostando do que fazia", diz ela. Recentemente, foi convidada pelo PT a entrar na política. E recusou: "Nossa família vive um turbilhão com um só candidato em casa, imagina com dois".

Ana Estela recebeu Universa na casa de ares modernistas em que mora com a família, num bairro de classe média de São Paulo. Estava de scarpin, vestido envelope, perfume Chanel floral, maquiada e penteada por uma profissional. Nesta entrevista, diz que a posição de primeira-dama "é chata", foge do assunto aborto, mostra alguns dos importantes projetos que tocou enquanto funcionária dos Ministérios da Saúde e Educação e fala que Haddad é "assediado" o tempo todo; que dizem: "você é muito gato".

Ao fim da conversa, o próprio, de terno, gravata vermelha e quase sem voz, surge na sala. "Depois conto a verdade para vocês", galhofa Haddad. É o que todos queremos, candidato.

Keiney Andrade/UOL Keiney Andrade/UOL

"Preciso estar colada nele"

Você foi convidada para ser deputada estadual, federal e vice-governadora de São Paulo na chapa do Luiz Marinho (PT) e declinou de todos os convites. Justificou, dizendo que escolhia estar ao lado de Haddad na corrida presidencial. A carreira dele foi priorizada?
Neste momento, foi. Achei que era o caso. É um desafio muito grande para ele, na situação em que está o presidente Lula, e isso nos sensibiliza demais. Tem sido importante estar com o Fernando por todas as delicadezas envolvidas. Preciso estar colada com ele. Quando o Fernando foi confirmado como Ministro da Educação (no primeiro mandato de Lula), eu era assessora do Tarso Genro (então titular da pasta) e escrevi uma carta para ele pedindo que me exonerasse. Fiquei feliz pelo Fernando, mas triste por mim, porque eu estava muito envolvida e gostando do que fazia.

Deixou seus planos de lado por causa do seu marido?
Eu decidi, por causa das particularidades dessa situação, que fosse assim. Ele está concorrendo à presidência, não trabalhando em um banco. Estou sendo chamada a participar da biografia do candidato, o programa político pede. Além disso, nossa família vive um turbilhão com um só candidato em casa, imagina com dois.

Como acha que pode ajudar Haddad a ser eleito?
Talvez trazendo sugestões e alguma estabilidade. Mas, temos uma situação onde a recíproca não é tão verdadeira. Preferiria que a gente pudesse ser companheiro do outro, e assim como eu faço, ele pudesse me acompanhar também. A realidade é que, de alguns anos para cá, ele não tem podido.

Preferiria que a gente pudesse ser companheiro do outro e, assim como eu faço, ele pudesse me acompanhar. Mas, de alguns anos para cá, ele não tem podido

Ana Estela Haddad

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Ela quer ser política

Mais para frente, pensa em entrar para a política?
Sim, no futuro. Não aceitei agora, também, por causa da minha carreira acadêmica. Estou quase na minha última etapa profissional, que é ser professora titular da USP. Se eu fizesse uma sinalização para a vida política, adiaria essa trajetória.

Se virar primeira-dama, que projetos pretende desenvolver?
Minha resposta é: não sei ainda. Em 2012, com o Fernando na prefeitura de São Paulo, participei da elaboração do plano de governo na área da saúde. E nós temos em comum a paixão pela infância. Passei uma semana em Harvard (EUA), no Centro de Desenvolvimento Infantil, participando de um programa para liderança executiva. Depois estive em Yale (EUA), estudando modelos de visitas domiciliares feitas por agentes de saúde. E fui para a França conhecer o programa de estímulo financeiro do governo para mulheres que têm filhos não precisarem deixar de trabalhar. Acho que tenho condição, por toda essa experiência, de ajudar estados e municípios a implementar programas parecidos. 

No marketing político, mulheres de candidatos são chamadas para aparecer na campanha numa tentativa de amealhar votos para ele. É o que você está fazendo, quando fala no programa eleitoral, certo?
Não tenho só aparecido ao lado dele. Na véspera do anúncio da candidatura, ele estava em Curitiba com o presidente Lula e eu falei por ele num grande ato no Tuca (teatro da PUC, em São Paulo). Às vezes não tenho fala, mas participo de reuniões. Em 2012, fiz muita agenda sozinha. Tanto, que chegou uma hora que eu tinha carro e equipe para mim.

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"Ele é assediado sempre"

O Haddad é o candidato com a maior porcentagem de seguidoras no Facebook; elas são 54% do grupo. Ele é um homem jovem e bonito e recebe muitas investidas. Você passa por situações delicadas? 
Ele é muito assediado, o tempo todo. A pessoa é mais ostensiva na forma de olhar, de vir tirar uma foto, de se encostar nele. Agarra, se insinua. Chegam e dizem: "Você é muito gato". Estou do lado e penso: "Será que a pessoa não está vendo que estou aqui?". Tinha uma página na internet que era "Casamento Coletivo com o Haddad", em que marcavam um casamento com ele ou algo assim. Me perguntam se não tenho ciúme. Mas de qual das 20 mil eu teria ciúme? Quando a gente era jovem, ele era bastante ciumento comigo. Mas o tempo vai deixando a relação mais estável.

A posição de primeira-dama não a deixa, de alguma maneira, desconfortável?
Deixa, e muito. É uma posição ingrata e chata de ocupar. Sempre teve essa sombra de coadjuvante. Na prefeitura, recriamos agendas para que eu não tivesse uma representação vazia.

Qual primeira-dama admira?
A Michelle Obama, que desempenhou o papel de representação da maior potência do mundo de forma altiva e contemporânea. Também admiro a dona Marisa (morta em 2017) e sinto até hoje a perda dela. Sempre procurou agir de forma digna, discreta e sem se deslumbrar com o espaço que estava ocupando. Ela gostava muito do Fernando e verbalizava isso. A gente frequentava o Alvorada, os aniversários e nos encontramos em algumas viagens.

Como é sua relação com a Manuela D'Ávila (vice-presidente na chapa de Haddad)?
A gente não tem relação muito próxima. Fui mais próxima da Nádia Campeão, que era vice-prefeita. Eu e a Manuela, com o tempo, vamos ter essa oportunidade.

Chegam e dizem: "você é muito gato". Estou do lado e penso: "será que a pessoa não está vendo que estou aqui?"

Ana Estela Haddad

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Aborto: "Tema é espinhoso"

Na sua opinião, a mulher, se quiser, deve poder fazer aborto?
Discutir aborto antes de proporcionar uma situação de igualdade entre homens e mulheres é prematuro. O que consigo perceber é que essa é uma questão de saúde pública. Esse tema é espinhoso e gera muitas paixões. Vou me abster, neste momento, de falar mais. É um tema de alta relevância, só acredito que a gente não vai contribuir se o trouxer à tona agora. 

Mulheres estão fazendo aborto e morrendo. E essa é uma bandeira muito importante das mulheres da esquerda. É importante se posicionar, não?
O debate está acontecendo. Estava no STF recentemente, mas não é um amadurecimento que caiba ao Executivo ter. Acho que a gente pode trazer o assunto à tona num momento mais para frente.

Não vamos contribuir trazendo o tema do aborto à tona agora

Ana Estela Haddad

Violão, cachorros e nada de jantar fora

Como era o ambiente na casa dos seus pais?
O orçamento em casa era contado, mas meus pais davam muita importância para educação. Estudei em colégios particulares no ensino fundamental e no médio, e isso me ajudou a chegar à universidade. Tive esse privilégio. Meu pai era funcionário do Banco do Brasil, e minha mãe, professora da rede municipal.

Que características tem a sua filha, de 19 anos, que você não tinha na idade dela?
Ela é mais bem resolvida e tem autoestima maior. Na minha adolescência, a gente era muito insegura, suscetível à opinião dos meninos. Não veja minha filha e o grupo de amigas delas assim. Fico feliz em perceber essa mudança de uma geração para a outra, com mulheres mais seguras de si.

O que vocês, em família, fazem juntos? 
A gente costuma tocar. Minha filha, piano, e eu e o Fernando, violão. Temos dois cachorros, que não desgrudam de mim. Não é fácil ter como companheiro uma pessoa exposta. São muitas abdicações. A gente não pode, por exemplo, viajar quando quer, já não vai mais ao cinema tranquilamente, e gosta de jantar fora, mas quase não faz mais isso. 

O orçamento em casa era contado, mas meus pais davam muita importância para educação. Estudei em colégios particulares e isso me ajudou a chegar à universidade

Ana Estela Haddad

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Projetos reconhecidos

Você passou pelos Ministérios da Saúde e Educação no primeiro governo de Lula. Qual foi sua atuação nessas pastas?
No Ministério da Educação fui assessora dos ministros Cristovam Buarque e Tarso Genro e trabalhei com políticas de educação superior; avaliava cursos e desempenho dos estudantes. Também trabalhei por sete anos no Ministério da Saúde, como diretora de gestão da educação em saúde. Cuidava da formação de profissionais da saúde, reorientando currículos, residências e revalidação de diplomas médicos. Tive um papel de formulação em muitos programas, como o Telessaúde Brasil.

Haddad diz que você é a idealizadora do ProUni, programa federal que dá bolsas em universidades. Qual foi, exatamente, seu trabalho nessa área?
Eu criei e ajudei a redigir o programa. Tive a ideia lendo e-mails que chegavam ao presidente Lula, quando eu estava no Ministério da Educação. A maioria era de estudantes que não conseguiam pagar o Fies (Programa de Financiamento Estudantil). Durante a gestão da Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo (de 2001 a 2005), o Fernando, que era subsecretário de Finanças, tentou fazer com que faculdades que admitissem professores da educação básica da rede pública não pagassem o ISS (Imposto Sobre Serviço; o programa não foi aprovado). Tive então a ideia de levar esse modelo para o governo federal. No começo, o Fernando não acreditou muito nela, mas eu insisti.

De quais outros projetos você se orgulha?
Do Telessaúde Brasil, um programa que criei quando estava no Ministério da Saúde. É um sistema de tecnologia em que profissionais da saúde trocam informações para ter uma segunda opinião, em casos que enfrentam, com profissionais de ponta. Em 2011, o programa foi reconhecido pela OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde) como um sistema de saúde de acesso universal. Já na USP, trabalhamos com a Universidade Federal do Maranhão para desenvolver cursos à distância, aplicativos e e-books. Já capacitamos no SUS mais de um milhão de profissionais.

Trabalhei nos Ministérios da Saúde e Educação e criei o ProUni, programa que dá bolsas para estudantes nas universidades

Ana Estela Haddad

"Quero a felicidade do Fernando, porque tem o amor"

Qual foi o episódio mais difícil para você na vida política do seu marido?
A morte da Dona Marisa Letícia nos tocou muito. Ela ficou muito desgostosa e sofreu uma imposição injusta quando o "Jornal Nacional" divulgou conversas telefônicas dela com o filho (outros veículos também veicularam as informações). O que foi aquilo? Um grau de desrespeito que não tem justificativa. É muito difícil ser exposto publicamente. A parte que acho mais difícil nisso tudo é a exposição.

Algo pelo qual você também pode passar.
Não acho que vá acontecer comigo como foi com ela. Mas a simples exposição já é desgastante. Minha vida não foi nada do que eu planejei. Mas como companheira, quero a felicidade do Fernando, porque tem o amor, que é aquela coisa que você não escolhe.

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