A mulher na proa da pesquisa

Zehbour Panossian

Camila Brandalise e Dinalva Fernandes (Colaboração) da Universa
Carine Wallauer/Universa

A libanesa de origem armênia Zehbour Panossian (pronuncia-se Zepír), de 67 anos, é a primeira mulher a presidir o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, que tem quase 120 anos e é uma das maiores instituições de pesquisa e desenvolvimento tecnológico do país.

Com formação em física, essa professora da USP e funcionária há 42 anos do IPT - que é vinculado ao Governo do Estado de São Paulo - se notabilizou por ter agigantado o Laboratório de Corrosão do IPT, quando era sua diretora, de 40 metros quadrados para 6 mil metros quadrados. A reforma só foi possível porque Zehbour conseguiu um investimento maciço da Petrobras - "depois que escrevi cartas a um pesquisador da empresa, todos os meses, durante três anos, pedindo que eles fossem nossos parceiros".

No cargo desde maio, Zehbour - casada, mãe de dois filhos e vinda do Líbano aos seis anos - conta que seu nome não estava na lista de possíveis diretores do IPT, todos homens, apresentadas ao governador do Estado - "o que provou que não preciso fazer nada para subir na carreira, a não ser trabalhar muito" - e que seu hobby favorito são os saraus, em que ela, por vezes, dá até uma palhinha.

O IPT existe há 119 anos e só neste ano uma mulher foi eleita como diretora-presidente. Como seu nome foi escolhido?
O Conselho de Administração do IPT apresenta uma lista tríplice de diretores para o governador do Estado e ele escolhe entre os três nomes quem vai dirigir o instituto. As sugestões neste ano eram todas de homens. Meu nome não estava na lista. Mesmo assim, o Palácio dos Bandeirantes me propôs assumir o cargo. Foi um grande reconhecimento. Me provou que não preciso fazer nada para subir na carreira, a não ser trabalhar muito. Acho que um dos grandes motivos pelos quais fui escolhida é que, em 2006, quando era a diretora do Laboratório de Corrosão do IPT, consegui ampliá-lo muito e fazer dele uma referência mundial.

De 40 metros quadrados, aumentamos o laboratório para 6 mil metros quadrados. 

Qual a importância do Laboratório de Corrosão do IPT?
O laboratório é uma referência internacional. Trabalhei por mais de quarenta anos ali. Nesses últimos, ajudamos a produzir normas técnicas da área que são seguidas no mundo todo. Estudamos e oferecemos consultoria a empresas sobre como evitar a corrosão de metais. Até a ampliação, nossos clientes eram siderúrgicas, fábricas de caldeiras, de implantes ortopédicos e de telhas de alumínios. Depois que reformamos, nossos clientes são grandes, tipo a Petrobras, com quem eu falo diariamente.
Trabalhei muito para trazer a Petrobras. Quando chefiava o laboratório, escrevi cartas a um pesquisador da empresa, todos os meses, durante três anos, pedindo que eles fossem nossos parceiros. Em 2006, recebemos deles um investimento de R$17 milhões. Mesmo com as crises todas, até hoje, nenhum investimento foi cortado.

Na sua área, quais as vantagens que uma chefe mulher leva?
As mulheres costumam perceber mais rápido coisas pequenas - que, às vezes, passam despercebidas pelos homens. Com isso, se sobressaem em uma área majoritariamente masculina.

Quais erros cometeu como chefe? E o que aprendeu com eles?
Eu errei bastante em mudar regras baseada em erros dos funcionários. Devia, ao contrário, ter chamado a atenção deles. Com isso, quem agia corretamente terminava trabalhando de forma mais restrita; enquanto os incorretos, burlavam as regras. Quando percebi que não são normas que fazem as pessoas mudar, mas a coragem de enfrentar o funcionário, as coisas se transformaram.

Com quem uma chefe mulher normalmente pode contar dentro da empresa?
Eu diria que com pessoas com mente mais aberta e sensíveis, independentemente do gênero ou cargo. Uma vez, estava chorando na cozinha do trabalho -- quando era bem nova -- porque tinha brigado com uma colega. Um senhor se aproximou e me aconselhou. Guardo isso até hoje.

Na sua experiência, mostrar fraquezas ajuda ou atrapalha?
Ajuda, se vier acompanhada de coragem. Falar que não sabe determinada coisa, mas mostrar que está disposta a aprender, ajuda.

Demonstrar fraqueza sem nenhuma solução, só atrapalha.

Você participa da vida acadêmica há mais de 40 anos. Quais foram as principais mudanças que presenciou em relação à diversidade de gêneros neste meio?
Quando entrei no curso de física, que tinha 150 alunos, só duas mulheres tinham passado por lá, eu e uma amiga minha. Fui também a primeira mulher professora na Poli (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), em 1987. Tudo isso não aconteceu porque faltavam mulheres brilhantes, mas por preconceito. Atualmente, é claro que temos mais oportunidades.

No laboratório em que trabalho, por exemplo, há mais mulheres que homens. Mas ainda precisamos de mais espaço.

Sempre quis trabalhar nesse mercado? 
Eu queria ser médica, mas decidi fazer um curso técnico para ajudar meus pais financeiramente. Tive nota para entrar em medicina no vestibular, mas o curso era de dia e eu não podia trabalhar. À noite, os únicos cursos eram matemática e física. Hoje, nem lembro mais da medicina.

Já enfrentou preconceito por ser mulher?
Sim. No início da carreira, o responsável pelo laboratório de uma escola me disse que física mulher não entrava ali. Anos depois, ele visitou o meu laboratório e me encheu de elogios, sem me reconhecer. Também demorei mais para subir na carreira porque nós temos que provar que somos melhores sempre.

Como faz para que grandes clientes confiem no seu trabalho?
Entregando trabalho dentro do prazo e fazendo o que o cliente pedir a mais, mesmo que você esteja no meio do projeto. Também é preciso ter honestidade e aguentar muita bronca.

Você se tornou doutora aos 29 anos e vem tendo sucesso na carreira. Em algum momento ele atrapalhou seus relacionamentos?
Com meu primeiro marido, tenho impressão que meu sucesso pesou para ele - também porque tínhamos personalidades muito diferentes - a ponto de nos separarmos. Mas no meu casamento atual, que tem 26 anos, não é assim.

Meu marido ocupa meu antigo cargo, o de chefe do Laboratório de Corrosão.

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