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Cientistas revelam segredos de Michelangelo na Capela Sistina

Afresco de Michelangelo na Capela Sistina  - Getty Images
Afresco de Michelangelo na Capela Sistina Imagem: Getty Images

New York Times News Service

01/07/2010 12h55

Estava oculto a olho nu há 500 anos, e agora dois professores da Universidade Johns Hopkins acreditam tê-lo descoberto: um dos raros desenhos anatômicos de Michelangelo num painel no teto da Capela Sistina.

Michelangelo era um aluno consciencioso de anatomia humana e dissecou cadáveres com muito entusiasmo durante sua vida. Porém, poucas das suas obras anatômicas sobreviveram. Uma representação do cérebro humano e do tronco encefálico parece ter sido desenhada no pescoço de Deus, mas nem todos os historiadores de arte conseguem enxergá-la.

  • NYT

    É na imagem que Deus que os cientistas acreditam que Michelangelo desenhou a parte inferior do cérebro

Esta não é a primeira imagem de um órgão humano encontrada, ou pelo menos imaginada, nos afrescos da Sistina de Michelangelo. Em 1990, num artigo publicado no “Journal of the American Medical Association”, um médico descreveu o que viu como uma interpretação do cérebro humano na “Criação de Adão”, um painel que mostrava Deus tocando o dedo de Adão. Outro médico, professor de medicina da Universidade de Baylor, publicou um artigo numa revista médica em 2000 sugerindo que Michelangelo havia incluído uma pintura de um rim em outro painel de teto. O autor era, talvez não coincidentemente, nefrologista.

O último achado, descrito em um estudo na edição de maio da revista de “Neurosurgery”, aparece diretamente acima do altar “Separação da Luz da Escuridão”, outro painel da série de nove cenas do livro do Gênesis.

Deus, com uma veste vermelha, é visto de baixo e escorçado, e parece estar subindo aos céus. Seus braços estão acima da cabeça, e Ele está olhando acima à Sua esquerda, expondo o pescoço e a parte inferior de uma barba curta. É aqui que os autores do estudo, o ilustrador médico Ian Suk e Dr. Rafael J. Tamargo, um neurocirurgião, acreditam que Michelangelo escondeu um desenho da parte inferior do cérebro e do tronco encefálico, com partes do lóbulo temporal, da medula e da ponte e outras estruturas claramente desenhadas.

Aos olhos de Tamargo, o pescoço de Deus no afresco está claramente diferente daqueles vistos em outras pinturas que apresentam postura mais ou menos igual. Geralmente, o pescoço parece ser homogêneo, mas em “Separação da Luz da Escuridão” há linhas e formas bastante diferentes daquelas da anatomia externa normal do pescoço, irregularidades que ele acredita não serem acidentais.

“A anatomia do pescoço está bastante incomum”, afirmou, e se não foi intencionalmente desenhado dessa maneira, “teríamos que supor que Michelangelo estava num dia muito ruim, o que era improvável, visto que ele era muito meticuloso”.

Está realmente lá, ou os autores estão vendo padrões onde não existem? A interpretação, afirmou Tamargo, “é, sem dúvida, subjetiva - artistas não acompanham seus trabalhos com uma descrição do que eles estão colocando em sua obra. Mas acredito que, como em qualquer achado, é aceito ou rejeitado pelo o que os outros pensam”

O que as pessoas pensam varia muito.

“Suk e Tamargo parecem ter cumprido a tarefa”, disse Gail L. Geiger, professor de história da arte na Universidade de Wisconsin, Madison. “Eu acho a essência da obra bastante convincente”.

Mas Joanna Woods-Marsden, professora de história da arte na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ficou indignada, tanto pela hipótese dos autores quanto pela audacidade em apresentá-la.

“Minha primeira reação, ao olhar para as ilustrações, é dizer que isso é bobagem, delicadamente falando”, escreveu em mensagem de e-mail. “Desenhar linhas arbitrárias em todas as pinturas da Renascença e esperar ser levado a sério pela comunidade acadêmica!”.

Alguns detalhes parecem apoiar a posição da autora. A barba de Deus, geralmente longa e abundante, aparece aqui curta e enrolada para expor o pescoço. A luz fornece outro indício. O afresco é iluminado a partir da parte inferior esquerda, mas no pescoço de Deus, a luz brilha de frente e inicia levemente do lado direito. Os autores insistem que Michelangelo, um mestre em retratar a luz, poderia ter feito isso apenas para chamar a atenção daquela parte da pintura.

Mesmo assim, alguns estudiosos ainda duvidam.

“Pode ser que os autores estejam visualizando demais algo que queiram descobrir”, disse Brian A. Curran, professor associado de história da arte na Universidade Estadual da Pensilvânia. “Não quero desmotivar as pessoas. Mas, geralmente, um pescoço é apenas um pescoço”.