Vai faltar energia? O que impede Brasil de virar paraíso do carro elétrico

A cidade chinesa de Shenzhen é considerada um símbolo de uma revolução tecnológica: conseguiu tirar de circulação os tradicionais veículos com motores 100% a combustão, inclusive os ônibus, e encheu as ruas de carros híbridos ou totalmente elétricos.

Lá, o trânsito tornou-se silencioso - com exceção das buzinas que os chineses não têm dó de acionar nos congestionamentos.

Enquanto isso, no Brasil a realidade (ainda) é bem diferente: os carregadores para reabastecer as baterias de veículos eletrificados são escassos e a respectiva frota circulante, pequena: cerca 175 mil veículos, de acordo com a ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico).

Ao mesmo tempo, o cenário aqui já está mudando, com vendas em alta e preços em queda. No embalo da chegada ao país de marcas chinesas de veículos como BYD e GWM, que apostam alto na eletrificação, já é possível comprar um carro 100% a baterias por menos de R$ 150 mil, preço de SUV compacto bem equipado. As opções híbridas também estão se multiplicando e ficando mais acessíveis.

Agosto bateu o novo recorde mensal de vendas de veículos leves eletrificados no Brasil, com 9.351 emplacamentos —25% acima do recorde anterior de julho (7.462) e 120% sobre agosto de 2022 (4.249).

E aí, vai ser preciso mudar a infraestrutura do Brasil?

Renault Kwid E-Tech elétrico
Renault Kwid E-Tech elétrico Imagem: Divulgação

Nesse ritmo, é natural questionar: no médio prazo, vai faltar no Brasil energia para recarregar essa nova geração de veículos?

A resposta é não, conforme o engenheiro eletricista Marcio Massakiti, ex-coordenador do projeto de pesquisa e desenvolvimento de veículo elétrico da usina de Itaipu. Segundo ele, o sistema atual de geração de energia dará conta.

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Porém, o especialista alerta: falta disponibilizar energia em alta potência em um período muito curto de tempo.

Os carros elétricos demandam energia equivalente a um ar-condicionado, então carregá-los em casa não impactaria tanto. É uma carga fácil de ser suprida. O problema é ligar muitos ao mesmo tempo em lugares diferentes" Marcio Massakiti, engenheiro eletricista

Massakiti faz uma comparação com as nossas casas: mesmo com energia disponível na rede de distribuição, se ligássemos em horário de pico vários equipamentos potentes simultaneamente, como ar-condicionado, chuveiro e secador, o disjuntor provavelmente cairia —se o imóvel não tiver instalação adequada.

Conforme o engenheiro, o mesmo poderá ocorrer em nível nacional caso não haja planejamento no processo de transmissão de energia.

Uma estratégia para evitar apagões seria incentivar a recarga em horários com menor consumo energético - como à noite ou durante a madrugada.

Hoje há "excesso de oferta de energia, devido à inserção de fontes eólicas e solares, o que nos coloca em uma posição favorável quanto à necessidade de eletrificação e descarbonização", explica Sandoval Feitosa, diretor geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

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A matriz energética do Brasil é uma das mais limpas do mundo, acrescenta: a maior parte da energia gerada aqui é hidrelétrica (85%), nos últimos anos, tem havido iniciativas como a instalação de placas fotovoltaicas e estações de energia eólica. Isso faz com que o Brasil seja um país ideal para essa expansão.

O que tem sido feito?

Posto de recarga de veículo elétrico da Shell; postos contam com carga de 50 KW
Posto de recarga de veículo elétrico da Shell; postos contam com carga de 50 KW Imagem: Divulgação

Do lado da indústria, há uma tentativa de resolver eventuais gargalos de recarga.

Diferentemente dos carros a combustão, os elétricos e híbridos do tipo plug-in, que trazem baterias maiores e recarregáveis na rede elétrica, exigem muito mais tempo do que os cerca de cinco minutos necessários para reabastecimento em um posto de combustível.

"O governo, em suas diferentes esferas, deve se esforçar para que haja mais carregadores. Com essa infraestrutura, o mercado cresce naturalmente", defende Stella Li, vice-presidente da BYD, montadora chinesa que recentemente anunciou a instalação de uma fábrica de automóveis e utilitários eletrificados em Camaçari, na Bahia.

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Na China, maior mercado de elétricos do mundo, já existem aproximadamente 3,4 milhões de carregadores veiculares, segundo a EVCIPA (Aliança de Promoção à Recarga de Veículo Elétrico da China) - contra cerca de 3.500 pontos de recarga no Brasil, segundo a ABVE.

No gigante asiático, o governo local já espalhou carregadores em regiões urbanas e agora mira áreas rurais.

Tempo de recarga

Thiago Castilha, diretor de marketing da E-Wolf, empresa especializada em equipamentos de recarga, explica que um veículo com baterias de 50 KW (kilowatt) exigira os seguintes tempos de recarga:

De 12 a 14 horas em uma tomada normal de 127 V.

De seis a oito horas em um carregador rápido do tipo wallbox com plugue industrial, voltagem de 220v e disjuntor dedicado

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Até uma hora ou menos em posto de carregamento super-rápido, equipado com corrente contínua e alta voltagem

Preços do KWh:

Cerca de R$ 0,60 (varia conforme a cidade) em casa. Assim, uma recarga sairia por cerca de R$ 30

Até R$ 2,50 KWh em um eletroposto, totalizando R$ 125

Na comparação, um tanque de 45 litros, com gasolina ao custo de R$ 5,80 por litro, exigiria o gasto R$ 261 para ser completamente abastecido.

A diferença entre os carros elétricos e a combustão está na autonomia. Um elétrico compacto chega a 350 km, em média, enquanto um automóvel convencional com tanque de 50 litros, como um Renault Sandero, chega a 600 km com média de 12 km/l.

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*O jornalista viajou para China a convite da BYD

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