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Senado acertou ao tirar das prefeituras poder de autorizar apps como Uber

Taxistas e motoristas de aplicativos como Uber, Cabify e 99 Taxis, protestam em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, por conta da votação da PLC 28/2017 - Walterson Rosa/Estadão Conteúdo
Taxistas e motoristas de aplicativos como Uber, Cabify e 99 Taxis, protestam em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, por conta da votação da PLC 28/2017 Imagem: Walterson Rosa/Estadão Conteúdo

Carlos Affonso Souza e Vinícius Padrão

Especial para o UOL

03/11/2017 12h22

Recentemente foi votado no Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara (“PLC”) 28/2017, cujo objetivo é regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros (contratado através de aplicativos). Embora o projeto não proibisse diretamente o exercício dessas atividades, ele criava uma série de exigências que levou às empresas que operam os apps a fazer uma campanha contra o que chamaram de “lei do retrocesso”.

Ninguém gosta de retrocesso. Mesmo o saudosista, aquele que acredita que tempos melhores estão sempre no passado, se apega à ideia de que a volta ao que passou seria um progresso. Então vale a pergunta: estaríamos melhor sem os apps de transporte privado individual?

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Parece claro que os aplicativos vieram para ficar. Mas as questões que eles colocam não são simples: elas se relacionam com a natureza dos contratos estabelecidos, o que muda nas cidades e na rotina das pessoas, além de colocar em evidência a chamada economia colaborativa.

Em sua redação original, o PLC exigia, dentre outras coisas, que (i) os veículos tivessem placas vermelhas; (ii) os motoristas fossem os proprietários dos veículos; e finalmente (iii) afirmava a competência das Prefeituras autorizar ou não a atividade na cidade.

A possibilidade de se transferir para as Prefeituras o poder de autorizar ou de proibir o desenvolvimento da atividade talvez tenha sido o ponto mais relevante a ser retirado do texto quando da votação no Senado. Garantir a possibilidade da Prefeitura fiscalizar a atividade foi o compromisso alcançado, mas sem a necessidade de autorização prévia.

A Comissão Europeia produziu um documento com recomendações sobre a regulação da economia colaborativa. Chamado de “Uma Agenda Europeia para a Economia Colaborativa”, o texto reforça o coro contra a proibição de atividades como a tratada no PLC 28/2017. O documento ainda afirma que devem ser reduzidas as barreiras à entrada de novos agentes econômicos nos diversos setores, restringindo a necessidade de permissões ou autorizações, além de incentivar a um debate sobre direitos do consumidor. O PLC, antes da votação pelo Senado, caminhava em sentido claramente contrário ao sugerido no texto europeu.

Sobre a chamada economia colaborativa, vale ressaltar que o tema está começando a ser discutido na Câmara dos Deputados, em Comissão Especial dedicada ao assunto. Sendo assim, não se trata apenas de olhar o caso dos apps de transporte privado individual, mas sim entender que estamos vivendo uma fase de transformações em vários setores. Nas atividades de transporte individual privado o foco recai sobre Uber, Cabify, 99, mas é importante lembrar que a economia colaborativa envolve a discussão sobre atividades tão diversas como aquelas oferecidas através de Airbnb, Enjoei, Windu e Getninjas, por exemplo.

Estamos muito acostumados a acreditar que o Brasil vive sempre atrasado no esforço regulatório dedicado às novas tecnologias. No caso da economia colaborativa, o debate é global e se encontra em pleno desenvolvimento.

Vale lembrar que a legislação brasileira prestigia a liberdade e a inovação. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) elenca como princípios da disciplina do uso da Internet no Brasil a liberdade dos modelos de negócios promovidos na rede, a livre iniciativa e a livre concorrência.

Esse norte principiológico deve ser preservado. Nos debates que antecederam a votação no Senado, muitos manifestantes exibiam cartazes com a frase “regulamentar não é proibir”. Tirada de contexto, a afirmação faz todo sentido. A regulamentação, quando bem feita, esclarece quais são as regras para o desenvolvimento de atividades, gera segurança jurídica e incentiva comportamentos benéficos à sociedade, ao passo em que sanciona os que são nocivos.

Em sua forma anterior, especialmente ao permitir que Prefeituras pudessem autorizar (ou não) o desenvolvimento de atividades de transporte individual privado em suas cidades o PLC criava uma regulamentação que continha uma proibição.

O Brasil não pode ficar a pé no debate sobre inovação na chamada economia colaborativa. E o primeiro passo nessa direção é acertar a medida em que a regulamentação é necessária para promover liberdades, assegurar direitos e garantir que a sociedade possa ter acesso aos benefícios criados por novas tecnologias.

Carlos Affonso Souza é diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ e da PUC-Rio.
 

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