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Seu cérebro longe do Facebook: ganha 1 hora por dia, perde conhecimento político

Benedict Carey

04/02/2019 16h17

Não é fácil quebrar o hábito digital mais comum do mundo, mesmo durante a onda de indignação moral sobre os riscos de privacidade e as divisões políticas que o Facebook criou, ou em meio a preocupações de como o hábito pode afetar a saúde emocional.

Embora quatro em cada dez usuários do Facebook afirmem que fizeram longas pausas da rede social, a plataforma digital continua crescendo. Um estudo recente descobriu que o usuário médio teria de receber de US$ 1.000 a US$ 2.000 para ser afastado por um ano.

Então, o que acontece se você realmente desistir do Facebook? Um novo estudo, o mais abrangente já feito até hoje, oferece uma prévia.

Espere que as consequências sejam bastante imediatas: tenha mais tempo para passar pessoalmente com amigos e familiares. Obtenha menos conhecimento político, mas também menos febre partidária. Um pequeno solavanco no humor diário e na satisfação com a vida. E, para o usuário médio do Facebook, uma hora extra por dia de inatividade.

O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford e da Universidade de Nova York, ajuda a esclarecer o incessante debate sobre a influência do Facebook no comportamento, no pensamento e na política de seus usuários mensais ativos, que somam cerca de 2,3 bilhões em todo o mundo. O estudo foi publicado recentemente na Social Science Research Network (Rede de Pesquisa em Ciências Sociais), um site de acesso aberto.

Para mim, o Facebook é uma daquelas coisas compulsivas. É muito útil, mas sempre achei que estava perdendo tempo, me distraindo dos estudos, usando-o sempre que ficava entediado

Aaron Kelly, 23, estudante universitário em Madison, Wisconsin

Kelly, que estimou passar cerca de uma hora por dia na plataforma, participou do estudo "porque era bom ter uma desculpa para desativar e ver o que acontecia", disse ele.

Muito antes do surgimento da notícia de que o Facebook havia compartilhado os dados dos usuários sem o consentimento deles, cientistas e usuários habituais debateram como a plataforma mudou a experiência da vida cotidiana.

Um grupo de psicólogos argumenta há anos que o uso do Facebook e de outras redes sociais está ligado ao sofrimento mental, especialmente em adolescentes. Outros têm comparado o uso habitual do Facebook a um distúrbio mental, o comparando com o vício em drogas e até mesmo publicando imagens de ressonância magnética que mostram como o vício em Facebook "aparece no cérebro".

Quando o Facebook publicou suas próprias análises para testar essas alegações, a empresa foi bastante criticada.

O novo estudo, um teste randomizado financiado principalmente pela Alfred P. Sloan Foundation —um defensor não-partidário da pesquisa em ciência, tecnologia e economia— esboça um retrato equilibrado e moderado do uso diário que é improvável que satisfaça tanto os críticos quanto os defensores da plataforma.

O artigo, juntamente com análises semelhantes de outros grupos de pesquisa, ainda não foi submetido a revisão por pares. O New York Times pediu a cinco especialistas independentes que analisassem a metodologia e os resultados.

Este é um trabalho impressionante, e eles fazem um bom trabalho classificando a causalidade

Erik Brynjolfsson, diretor da Iniciativa sobre a Economia Digital, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que não esteve envolvido na pesquisa.

"Esta é a maneira de responder a esse tipo de pergunta; é o padrão de ouro de como fazer ciência. Muito do que ouvimos antes sobre os efeitos das mídias sociais foi baseado em questionários."

Um assessor de imprensa do Facebook disse por meio de uma declaração: "Este é um de muitos estudos sobre este tópico, e deve ser considerado dessa forma." A declaração retirada do próprio estudo, que observou que "o Facebook produz grandes benefícios para seus usuários", e que "qualquer discussão sobre as desvantagens da mídia social não deve obscurecer o fato de que ela satisfaz necessidades profundas e abrangentes.""

Os pesquisadores —liderados por Hunt Allcott, professor associado de economia da NYU, e Matthew Gentzkow, economista de Stanford— usaram anúncios no Facebook para recrutar participantes com mais de 18 anos que passavam pelo menos 15 minutos na plataforma todos os dias; a média diária é de uma hora, com usuários mais pesados registrando duas a três horas ou mais.

Quase 3.000 usuários concordaram e preencheram questionários extensos, que perguntaram sobre suas rotinas diárias, opiniões políticas e estado de espírito geral.

Metade dos usuários foram aleatoriamente designados para desativar suas contas do Facebook por um mês, em troca de pagamento. O preço desse pagamento foi de grande interesse para os pesquisadores: quanto vale o acesso de um mês a fotos, comentários, grupos do Facebook, amigos e newsfeeds? Em média, cerca de US$ 100, segundo o estudo, o que está de acordo com análises anteriores.

Durante o mês de abstinência, a equipe de pesquisa, que incluía Sarah Eichmeyer e Luca Braghieri, de Stanford, verificava regularmente as contas do Facebook dos sujeitos do estudo para garantir que aqueles que haviam concordado em se afastar não os reativassem. (Apenas cerca de 1% voltou.)

Os participantes também receberam regularmente mensagens de texto para avaliar seu humor. Acredita-se que esse tipo de monitoramento em tempo real forneça uma avaliação psicológica mais precisa do que, digamos, um questionário dado horas ou dias depois.

Alguns participantes disseram que não apreciaram os benefícios do Facebook até que eles saíram da rede. "O que eu senti falta foi a minha conexão com as pessoas, é claro, mas também a transmissão de eventos no Facebook Live, especialmente quando você sabe que está assistindo com pessoas interessadas na mesma coisa", disse Connie Graves, de 56 anos, auxiliar de enfermagem em domicílio no Texas e participante do estudo. "E eu percebi que também gosto de ter um lugar onde eu posso obter todas as informações que quero, bem ali.""

Ela e seus companheiros em abstinência tiveram acesso ao Facebook Messenger durante todo o estudo. O Messenger é um produto diferente e a equipe de pesquisa decidiu permitir isso porque tem semelhanças com outros serviços de mídia de pessoa para pessoa.

Quando o mês acabou, os voluntários e os participantes novamente preencheram extensas pesquisas que avaliaram mudanças em seu estado mental, consciência política e paixão partidária, bem como o fluxo e refluxo de suas atividades diárias, online e offline, desde o início do experimento.

Para os abstêmios, sair do Facebook "acrescentou" cerca de uma hora no dia, em média, e mais do que o dobro para os usuários que passavam mais tempo. Eles também relataram passar ficar mais tempo offline, inclusive com amigos e familiares, ou assistindo TV.

"Eu esperaria mais a substituição do Facebook por outras coisas digitais, como Twitter, Snapchat, navegação online", disse Gentzkow. "Isso não aconteceu e, para mim, pelo menos, foi uma surpresa."

Em testes de conhecimento político, os abstêmios pontuaram alguns pontos mais baixos do que antes de desativar suas contas.

"As descobertas do conhecimento político sugerem que o Facebook é uma fonte importante de notícias que as pessoas prestam atenção", disse David Lazer, professor de ciência política e ciência da computação e da informação na Northeastern University. "Esta não é uma descoberta trivial. Poderia ter saido qualquer resultado. Você poderia imaginar que as outras conversas e informações no Facebook estavam eliminando o consumo de notícias."

As pontuações em várias medidas de polarização política foram misturadas, embora uma escala, chamada "polarização em questões", tenha diminuído para os abstêmios em 5% a 10%, enquanto o grupo de controle permaneceu o mesmo.

"É difícil saber o que fazer com isso", disse Gentzkow. "Pode ser que ver muitas notícias e políticas no Facebook tenda a polarizar as pessoas. Mas uma vez que estão fora do Facebook, isso não significa necessariamente que eles estão usando o tempo extra para ler o The New York Times."

Conhecimento reduzido, em resumo, pode despontar ao partidarismo, embora essa relação esteja longe de ser clara.

O resultado mais surpreendente do estudo pode ser que a desativação do Facebook teve um efeito positivo, mas pequeno, no humor das pessoas e na satisfação com a vida. A descoberta ameniza a presunção amplamente aceita de que o uso habitual da mídia social causa sofrimento psicológico real.

Essa noção é tirada em parte de pesquisas que perguntam aos usuários de mídias sociais sobre sua extensão de uso e humor geral. Por exemplo, a pesquisa liderada por Ethan Kross, professor de psicologia da Universidade de Michigan, descobriu que altos níveis de navegação passiva nas redes sociais predizem tristeza, em comparação com um engajamento mais ativo.

Mas as pesquisas anteriores não puderam discernir se os problemas de humor tinham ligação com o uso pesado, ou se as pessoas com tendência a tristeza tendiam a ser os usuários mais pesados. O novo estudo apoiou a última explicação.

Se o uso massivo do Facebook causasse problemas de humor, os pesquisadores esperavam ver os ânimos desses usuários melhorar em uma quantidade maior em relação aos usuários leves. Mas isso não aconteceu, o que sugeriu que os usuários mais regulares estavam mal-humorados antes de serem sugados pelo Facebook.

Em uma entrevista, Kross disse que era cedo demais para tirar conclusões definitivas sobre os efeitos psicológicos da saída do Facebook. Ele apontou para dois recentes estudos menores que descobriram que o humor dos usuários melhorou quando o acesso à mídia social era restrito.

"O que eu tiro desses três trabalhos" —o estudo de Stanford e os dois menores— "é que é preciso saber mais sobre como e quando o uso da mídia social afeta o bem-estar, não concluir que a relação não existe" ou é muito leve, disse Kross.

Até agora, o debate sobre os efeitos das mídias sociais na saúde mental tem se concentrado principalmente em crianças e adolescentes, e não na população mais velha que foi o foco do novo estudo.

"Em termos de faixas etárias, está se comparando maçãs e laranjas", disse Jean Twenge, um psicólogo e autor de "iGen: Why Today's Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy" (ainda não publicado no Brasil).

"É totalmente possível, e provável, que a dinâmica das redes sociais e dobem-estar sejam diferentes para os adolescentes, em comparação com os usuários de 30 anos ou mais".

Psicólogos e cientistas da computação afirmaram que as redes sociais são viciantes, e poucos usuários habituais do Facebook discordariam. O novo experimento forneceu muitas evidências: após o término, os participantes que pararam por um mês disseram que planejavam usar menos o Facebook, e o fizeram, reduzindo seu hábito anterior, pelo menos por um tempo.

Cerca de 10% ainda se abstinham uma semana depois, em comparação com 3% do grupo de controle, que tinha voluntariamente desativado a conta; e 5% estavam se abstendo dois meses depois, em comparação com 1% no grupo de controle. Os incentivos financeiros contaram uma história semelhante.

Depois que a parte de um mês do estudo terminou, os pesquisadores perguntaram aos abstêmios o quanto eles precisariam ser pagos para ficar fora do Facebook por mais um mês, hipoteticamente. Desta vez, o preço caiu abaixo dos US$ 100, embora não para todos.

"Eu disse a eles US$ 200 por mais quatro semanas", disse Graves, que ainda não retornou ao Facebook. "No mínimo."

Tradutor: Thiago Varella

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