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Como ministro da Ucrânia trava nas redes 'guerra digital' contra Rússia

Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro da Ucrânia -
Mykhailo Fedorov, vice-primeiro-ministro da Ucrânia

Joe Tidy - Repórter de tecnologia

Repórter de tecnologia

07/03/2022 07h21

Mykhailo Fedorov, o mais jovem ministro do gabinete ucraniano, está liderando uma batalha cibernética contra Moscou usando várias redes sociais.

O ministro ucraniano para Transformação Digital, Mykhailo Fedorov, de 31 anos, tem pressionado gigantes da tecnologia para que boicotem a Rússia, convocando hackers a partirem para o ataque e conseguindo com que Elon Musk mova satélites para beneficiar a Ucrânia. Ele deu uma entrevista exclusiva à BBC por email.

De seu abrigo subterrâneo numa localização secreta em Kiev, capital da Ucrânia, o mais jovem ministro do gabinete ucraniano pode ouvir bombas caindo e o barulho de sirenes. Mas, enquanto seu amigo, o presidente do país, reúne forças para a guerra física na superfície, Fedorov e sua equipe estão travando uma diferente espécie de guerra contra a Rússia.

Usando suas armas preferidas - as mídias sociais e o telefone celular -, Fedorov lançou campanhas de destaque e bem-sucedidas para convencer executivos-chefes de grandes empresas a cortar laços com Moscou.

Ele também tomou a medida até então inédita de estabelecer um "Exército de TI [tecnologia da informação] da Ucrânia" para lançar ataques cibernéticos contra "o inimigo". Seu trabalho está sendo celebrado como uma parte vital do esforço de guerra, mas nem toda sua campanha está sendo bem recebida internacionalmente.

Aos 31 anos, Fedorov criou seu papel no governo em torno de seu estilo de vida e suas paixões - ele vive em seu telefone celular. Suas fotos no Instagram mostram um homem jovem em forma e preocupado com sua imagem, que gosta de organizar fotos profissionais de si mesmo, sua mulher e sua filha.

Uma porta-voz diz que ele montou uma academia de ginástica em seu escritório e, antes da invasão russa, era conhecido por marcar sessões de exercícios entre reuniões.

Rápida ascensão

Fedorov ascendeu rapidamente no meio político depois de comandar a parte digital da campanha eleitoral extremamente bem-sucedida do presidente Volodymyr Zelensky. Agora, ele é um dos três vice-primeiros-ministros da Ucrânia.

Antes da invasão russa, seu principal objetivo era criar um "Estado no celular", em que 100% dos serviços governamentais seriam oferecidos online. Esse projeto está agora suspenso, com toda força dedicada ao esforço de guerra digital.

A equipe de Fedorov tem sido incansável em sua campanha para pressionar empresas multinacionais a boicotar a Rússia. Apple, Google, Meta, Twitter, YouTube, Microsoft, Sony, Oracle... Nenhuma gigante da tecnologia ficou sem receber uma carta oficial do governo ucraniano.

É nas mídias sociais, porém - Twitter, Instagram, Facebook, e Telegram - que Fedorov está obtendo seu maior sucesso. Um tuíte para Elon Musk fez com que o magnata bilionário da tecnologia ajustasse sua constelação de satélites Starlink e enviasse um caminhão cheio de terminais prontos para operar internet para a Ucrânia, em 48 horas.

O serviço é uma salvação em potencial para o governo se a internet e as redes de telecomunicação no país forem danificadas ou destruídas.

'Cada plataforma é importante'

Fedorov posta com frequência imagens das cartas governamentais oficiais enviadas às gigantes da tecnologia, pedindo ajuda. É impossível dizer quanto ele realmente influenciou suas ações, mas quase toda empresa que ele contatou mudou sua política em relação à Rússia.

  • A Apple parou de vender seus produtos na Rússia
  • Google e YouTube suspenderam anúncios de veículos noticiosos estatais russos
  • Meta dificultou a exposição dos canais de notícia estatais russos em suas plataformas, globalmente
  • Netflix paralisou futuros projetos no país, e a Oracle suspendeu operações
  • Sap, empresa contabilidade digital, paralisou todos os seus serviços e vendas

Muitas outras empresas tomaram medidas semelhantes.

De seu escritório de guerra, Fedorov disse à BBC por email: "Cada plataforma é muito importante para nós agora, e estamos usando toda oportunidade para atrair grandes empresas para este horror que está acontecendo agora na Ucrânia. Estamos tentando levar a verdade aos russos e fazer com que eles protestem contra a guerra".

Na internet, Fedorov comunica-se principalmente em ucraniano, mas desde o início da crise ele mudou para mensagens em inglês no Twitter, onde ele tem obtido maior impacto.

"O Twitter tornou-se uma ferramenta eficiente que estamos usando para conter a agressão militar russa. É nossa ferramenta inteligente e pacífica para destruir a economia russa", diz ele.

A pesquisadora de tecnologia e escritora Stephanie Hare diz não ter ficado surpresa com o sucesso de Fedorov. "Além de ser o ministro da Transformação Digital da Ucrânia, Fedorovo tem 31 anos e é um nativo digital. Ele entende disso", afirma ela.

"Não é uma novidade em conflitos, modernos ou outros, engajar-se em comunicações, persuasão, propaganda ou guerra de informação: todos os lados fazem isso e têm feito há muito tempo. Desde que as empresas de mídias sociais entraram na equação nos anos 2000, no entanto, elas mudaram o cálculo, devido à velocidade e a amplitude com que as pessoas podem disseminar suas mensagens."

Polêmicas digitais

A porta-voz de Fedorov me disse que sua jovem equipe está usando "todos os meios possíveis". "Novas ideias estão constantemente aparecendo no grupo, e é isso o que fazemos enquanto ministério, nós as implementamos muito rapidamente."

Algumas das ideias têm sido polêmicas. Fedorov está pedindo que bolsas de negociação de moedas digitais - as criptomoedas - congelem as contas de todos os cidadãos russos - uma ideia que muitos, inclusive o executivo-chefe da bolsa digital Binance, dizem que iria "contra tudo" que sustenta a própria razão de existir das criptomoedas.

Talvez a ideia mais polêmica do ministério de Fedorov, porém, tenha sido o lançamento de um "Exército de TI da Ucrânia". "Nós estamos trabalhando dia e noite para proteger a Ucrânia na fronteira digital e precisamos de todo meio possível para defender nossa terra e nosso povo", afirmou ele à BBC.

"Tecnologia é a melhor solução contra tanques."

O grupo do Telegram "The IT Army of Ukraine" explodiu, chegando a 270 mil membros, que coordenam e celebram ataques cibernéticos contra a Rússia. Fedorov tem orgulho do que eles têm feito até agora.

"O Exército de TI da Ucrânia é dirigido contra os recursos digitais e online de empresas, bancos e portais estatais da Rússia e de Belarus. Nós fechamos a operação do portal da web dos serviços públicos russos, os sites da [agência de notícias] Tass, Kommersant, Fontanka e outras grandes empresas de mídia na Rússia que financiaram o Exército russo para lutar contra o povo ucraniano."

Ataques trazem riscos

As sabotagens digitais parecem mais um vandalismo cibernético de pouco impacto, mas a equipe de Fedorov também está pedindo explicitamente a hackers que visem redes de transporte ferroviário e de energia.

Algumas pessoas no mundo da segurança cibernética estão preocupadas com isso, considerando que outros grupos, como o coletivo de hackers Anonymous, também estão realizando ataques contra a Rússia.

"Eu certamente entendo o tipo de desespero que leva o governo ucraniano a pedir que as pessoas lancem ataques cibernéticos contra a Rússia, mas eu acho que é realmente importante ter cuidado nessa área", diz Suzanne Spalding, do Centro para Estudos Estratégicos Internacionais.

"Se entramos em ataques destrutivos contra infraestrutura crítica sendo realizados por cidadãos, eu acho que começamos a entrar nos tipo de névoa da guerra, atribuições erradas, potenciais impactos em cascata que não estávamos antecipando. As coisas podem se agravar rapidamente."

Fedorov e sua porta-voz não responderam a nossas questões sobre essas preocupações.

Ataques digitais também estão sendo realizados contra a Ucrânia por pessoas simpáticas à Rússia.

O ministro ucraniano e sua equipe estão claramente trabalhando em alta velocidade e em desespero, com um novo projeto ou um novo apelo a algum a CEO de tecnologia anunciados quase de hora em hora.

Seu próximo plano é começar a vender NFTs (fichas, ou tokens, não substituíveis, na sigla em inglês) para arrecadar dinheiro para o esforço militar - outra ideia controversa para angariar fundos e atrair a atenção da mídia.


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