'Grito de desespero': Marcelo D2 fala de série que narra violência policial

Manchetes sobre morte de pessoas negras em favelas do Rio de Janeiro são "comuns" no noticiário, infelizmente. É nesse cenário que a série "Amar é Para os Fortes", baseada em obra audiovisual homônima do rapper Marcelo D2, leva para as telinhas um grito por justiça e liberdade.

A série narra o desfecho letal de uma operação policial na comunidade da Maré realizada em pleno Dia das Mães. A vítima? Uma criança de 11 anos, o Sushi (João Tiburcio). Mas não pense que a série é focada nele.

É aí que começa a saga da mãe, Rita (Tatiana Tiburcio), por justiça e pela memória do filho — acusado injustamente de ser bandido. Ela terá o apoio de seu filho mais velho, o artista plástico Sinistro (Breno Ferreira), e de amigos. Do outro lado está Edna (Mariana Nunes), a mãe de Digão (Maicon Rodrigues), o policial que matou a criança. Buscando justiça e redenção, Rita e Edna irão enfrentar a corrupção policial e a morosidade do sistema judiciário.

'Amar é Para os Fortes' é um grito por justiça, mas é ainda mais um grito de desespero. A gente não aguenta mais esse jeito que tá vivendo, o que a gente tá passando. É um grito de desespero.
Marcelo D2

Mas, afinal, por que "Amar é Para os Fortes"? O título de álbum do rapper lançado em 2018 é o pontapé da série do PrimeVideo — que tem criação assinada por D2, Camila Agustini e Antonia Pellegrino. D2 diz a Splash que ouviu a frase da boca do ator João Velho, permitindo muitas reflexões.

"A nossa missão aqui na Terra é amar. E é tão difícil, né? Temos tanta coisa que nos tira desse caminho. A frase é um convite a se pensar como a gente está amando e estendendo a mão [aos outros]. Essa pergunta me abriu um questionamento grande, ainda mais nesse momento que a gente vive agora, depois de um turbilhão de tantos anos. A melhor proposta é pensar sobre amar."

Breno Ferreira e Tatiana Tiburcio em 'Amar é Para os Fortes'
Breno Ferreira e Tatiana Tiburcio em 'Amar é Para os Fortes' Imagem: Divulgação/Rachel Tanugi

Amor e luta

Vivendo as mães protagonistas, as atrizes Tatiana Tiburcio e Mariana Nunes celebram a potência de uma série que traz o olhar de dentro das favelas, sem estereótipos, para algo visto nos jornais todos os dias. Splash conversou com as atrizes no lançamento da produção no Festival do Rio, que aconteceu no mês passado e, pela primeira vez, abriu as portas para séries nacionais.

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A gente não está aqui para ressaltar a violência, a gente não está aqui para fazer uma ode ao que a gente vê cotidianamente acontecendo nos telejornais do Rio. Não! A gente está aqui para falar como essas pessoas conseguem se ressignificar, se reestruturar, conseguem fazer a sua vida mais íntegra apesar de todos esses atravessamentos. E a gente consegue isso a partir do amor. Não é de uma forma piegas. É de uma forma concreta, real, quase que palpável.
Tatiana Tiburcio

A atriz ainda divide a cena com o próprio filho, João, responsável por interpretar o Sushi. "Experiência única contar essa história ao lado do meu filho. É um misto de alegria, medo e realização. São muitas emoções. É um grande presente que a vida, Deus e os orixás puderam me proporcionar."

A série não é "calcada na dor do povo negro", acredita Mariana, que critica a maioria das narrativas sobre favelas serem feitas a partir de um olhar embranquecido, e não de pessoas que realmente vivem essa realidade.

Não que esse tipo de história só possa ser contado por pessoas que vivam isso. Outras pessoas podem falar também, desde que considerem a subjetividade desses personagens e não os coloquem na vala comum dos 'pobres favelados que morrem de bala perdida'. Quem são essas pessoas que morrem de bala perdida? Tem mãe, tem pai, tem família. Quem são as pessoas que atiram? No caso é o meu filho. Para mim, é maravilhoso fazer uma personagem negra que está do outro lado, de quem atirou, e não de quem levou bala.
Mariana Nunes

Mariana Nunes no pré-lançamento de "Amar é Para os Fortes" no Festival do Rio 2023
Mariana Nunes no pré-lançamento de "Amar é Para os Fortes" no Festival do Rio 2023 Imagem: Thiago Mattos/Brazil News

Da música às telinhas

A criadora e roteirista Camila Agustini conta que a obra não quis transformar a música em série. Na verdade, eles beberam da música para criar outra obra. "São linguagens totalmente diferentes, mas que se complementam." Além disso, fazer uma série é uma engenharia que envolve muitas cabeças, ideias e decisões complexas, ainda mais quando se trata de um lançamento com alcance global.

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"Quando a gente começou a desenvolver a série, decupamos as letras das músicas do álbum Amar É Para os Fortes e ali encontramos elementos que nos ajudaram a desenhar o universo da história que queríamos contar e o olhar respeitoso sobre os territórios das comunidades, tema tão presente em toda a discografia do D2, como a guerra às drogas, e elementos constitutivos de alguns personagens."

A produção aproveitou alguns personagens prestes no audiovisual lançado por D2: os jovens Sinistro, Rato, Snupi, Maninho e Peixe, que na adaptação virou uma mulher. "Além disso, quando estávamos desenhando as tramas, dos dois núcleos familiares, valorizando o ponto de vista das mães, fizemos também um diálogo com letras das canções do álbum para que a música entrasse não só como trilha sonora, mas também como elemento narrativo das cenas. Então, até o fim seguíamos indo e voltando para as músicas."

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