Topo

José de Abreu explica por que não foi torturado ao ser preso na ditadura

José de Abreu relembrou sua época de preso na ditadura militar brasileira - Reprodução
José de Abreu relembrou sua época de preso na ditadura militar brasileira Imagem: Reprodução

Colaboração para Splash, em São Paulo

26/04/2023 11h45

O ator José de Abreu, 76, relembrou sua época de preso político durante a ditadura militar brasileira e admitiu que, pelo fato de ser filho de um delegado, tinha certos privilégios na prisão que seus companheiros não tinham.

Abreu relembrou um episódio específico quando foi preso pela segunda vez, já durante o AI-5 (Ato Institucional nº 5), um dos períodos de maior repressão do regime ditatorial, mas destacou que, "por sorte", e por ser filho de um delegado, não foi torturado. As declarações foram dadas em entrevista à TV 247.

"Quando eu fui preso pela segunda vez já era AI-5, mas eu não fui torturado, tive muita sorte, até nessa época meu pai tinha sido delegado de polícia, então havia uma certa... 'o cara é filho de delegado e tal, maneira aí'", iniciou.

"Uma vez eu estava preso no presídio Tiradentes e daí há pouco alguém chama... porque às vezes vinha um cara e gritava o nome pra levar pro DOPS pra ser torturado... [chamou] 'José Pereira de Abreu Júnior', e eu: 'puta vida chegou minha vez'... Aí vinham os companheiros [e diziam]: 'forças companheiro, forças, porra, estamos aqui, segura aí'... Aí chega o carcereiro: 'quem é José Pereira de Abreu Júnior'... [Respondo]: 'sou eu'... [O carcereiro]: 'toma, sua mãe mandou'... Eram cinco frangos assados, três horas da manhã, o carcereiro esperou todo mundo ir dormir pra não dar colher de chá pro filho do delegado", relatou.

Apesar de não ter sido torturado fisicamente, José de Abreu afirmou que foi torturado psicologicamente "à distância" devido ao medo de sentir na pele os métodos cruéis de tortura aplicados pelos militares.

O ator, que se autoexilou por um tempo, contou que quando algum conhecido era preso, e em seguida vinham as notícias de que ele foi torturado e posteriormente morto, era um momento de muita apreensão, porque imaginava "amanhã vai ser eu" e "será que vou resistir?".

"Quantos anos eu não dormi com medo de tortura? Silvinho foi preso, aí vem a informação, Silvinho tá sendo torturado, Silvinho morreu... Tem gente que nunca se achou o corpo... Cada vez que um amigo, colega de classe, um amigo do bairro era preso pela ditadura, e começavam a chegar as notícias das barbaridades, óbvio que você introjetava isso em você: 'amanhã vai ser eu, e aí será que eu resisto ao pau de arara ou ao choque? Ao que eu vou resistir mais? Como faz?'", declarou.

Por fim, José de Abreu afirmou que "a ditadura fez coisas absurdas", que têm corpos de pessoas assassinadas pelos militares que até hoje não foram encontrados. "As pessoas não têm noção do que é viver numa ditadura, quem viveu e não sofreu nada é porque não viveu, tinha uma vida alienada da realidade e não queria ver [as atrocidades cometidas pelos militares]. A ditadura fez coisas absurdas."

No último 31 de março, data em que completou 59 anos do golpe militar no Brasil, José de Abreu compartilhou uma foto de quando foi preso, e outra de sua mãe Gilda Abreu, na frente da cadeia, ao lado de outras mães, que também pediam a liberdade de seus filhos, detidos por questões políticas.