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Por que há tantas pichações no trono da coroação de Charles?

Trono da coroação tem mais de 700 anos e foi vandalizado em ínumeras ocasiões Imagem: Dan Kitwood/Getty Images

Ana Claudia Paixão

Colaboração para Nossa

05/05/2023 04h00

Quando pensamos em coroação de reis as imagens que vêm à mente, em geral, são de luxo e riqueza. Porém a certa simplicidade aparente do Trono do Rei Eduardo ou simplesmente Trono da Coroação, não deve nos enganar, principalmente pela quantidade de pichações e vandalismos que enfrentou em seus séculos de vida.

O simbolismo dele é gigantesco e remonta a 727 anos, com todos os monarcas britânicos desde 1296 recebendo suas investiduras e coroas nele, incluindo, claro, Charles 3º, no dia 6 de maio de 2023.

A origem do trono é controversa e, para quem assistiu ao filme "Coração Valente", vai entender. É que a peça foi encomendada pelo rei inglês Edward 1º logo após sua vitória na Primeira Guerra de Independência Escocesa, liderada por William Wallace e imortalizada no cinema no filme de Mel Gibson.

Talvez para impor uma humilhação a mais sobre os escoceses derrotados, o monarca demandou como parte do espólio do conflito a pedra da coroação da Escócia, também conhecida como a Pedra do Destino.

A Pedra do Destino em exposição na Abadia de Westminster Imagem: Pool/Getty Images

O bloco de arenito com 66 por 42 cm e peso de aproximadamente 152 quilos foi usado por séculos para as cerimônias de coroação dos monarcas da Escócia e foi transportado para a Abadia de Westminster a fim de ser incorporado ao trono feito de carvalho, talhado como uma espécie de relicário com detalhes góticos, encomendado pelo Rei.

A partir daí, passou a ser a o assento oficial da Coroação da maioria dos soberanos ingleses.

David Hoyle, sacerdote da abadia, conduz cerimônia com a chegada da Pedra do Destino Imagem: Pool/Getty Images

E a pedra virou motivo de discórdia

Segundo a tradição escocesa, a Pedra do Destino, também conhecida como Jacob's Pillow Stone, (O travesseiro de Pedra de Jacó) seria literalmente a verdadeira pedra consagrada a Deus depois de ser usada como travesseiro pelo patriarca israelita Jacó.

A pedra teria sido transportada para Escócia pelo profeta Jeremias e adotada como santa pelos monarcas escoceses. Antes de ser levado para Londres, em 1296, o artefato ficava na Abadia de Scone, perto de Perth, na Escócia. Depois que foi tomado pelos ingleses naturalmente a pedra se tornou mais um ponto de discórdia entre os dois países.

O trono com a Pedra do Destino em foto de 1º de junho de 1974 Imagem: Vic Stacey/Getty Images

Em 1328 os ingleses até concordaram devolvê-la, mas a essa altura a população achava que a pedra deveria ficar onde estava e impediu a remoção. Com a ascensão do escocês Jaime 1º ao Reino britânico (após a morte de Elizabeth 1ª) o assunto foi arquivado, mas não esquecido.

No final das contas, em oito séculos, o Trono de Edward só foi removido da Abadia de Westminster três vezes: na cerimônia que empossou Oliver Cromwell como Lorde Protetor da Inglaterra, que aconteceu em Westminster Hall e não na Abadia; entre 1939 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, quando foi para Catedral de Gloucester para evitar ser danificado por ataques aéreos alemães; e em 2010, quando foi transferido para a Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor.

O trono na coroação de George 6º, em 12 de maio de 1937 Imagem: London Express/Getty Images

E quase foi "perdido" no período em que esteve escondido em Gloucester porque quando foi enterrado por segurança, o Trono não recebeu cuidados por seis meses, tendo ficado cercado por milhares de sacos de areia no subsolo e atacado por fungos, demandando um processo delicado de recuperação.

Atentados, roubos e danos

O trono também foi alvo de atentados, roubos e outros danos. Um dos ataques mais conhecidos foi em 1914, creditado ao movimento das sufragistas da União Social e Política das Mulheres, acusadas de terem plantado uma bomba que quebrou e queimou o canto superior esquerdo do assento. Outro momento de suspense foi no Natal de 1950, quando quatro nacionalistas escoceses invadiram a Abadia para resgatar a pedra e devolvê-la ao seu país.

Descuidados, eles deixaram o artefato cair, por isso ele acabou quebrando ao meio. Antes disso, os mesmos invasores tinham dividido o assento em dois, além de quebrar a grade de madeira na frente, justamente para retirar a pedra. A peça só foi recuperada em 1951, dois anos antes da coroação da Rainha Elizabeth 2ª, em 1953, que claro, usou o trono já com a pedra incorporada novamente.

Foto da coroação de Elizabeth 2ª em 2 de junho de 1953 Imagem: Universal History Archive/Universal History Archive/Univer

Apenas em 1996, quando completava 700 anos em solo inglês, que a Pedra do Destino foi devolvida à Escócia e até hoje se encontra no Castelo de Edimburgo. O pior é que há quem defenda que toda briga foi por uma peça falsa. Isso mesmo, como as descrições históricas não correspondem exatamente à pedra atual, há historiadores que defendem que os monges da Abadia de Scone teriam escondido a verdadeira e enganado as tropas inglesas com uma substituta.

Se é cópia ou não, seguem estudando, mas a pedra 'oficial' estará de volta ao Trono inglês, temporariamente, para a Coroação de Charles 3º. Em setembro de 2022, foi anunciado que a peça seria levada para Westminster e quando voltar para Escócia, será transferida para a Prefeitura de Perth, agora um centro de artes, perto da antiga Abadia de Scone.

O trono do coroação em exposição Imagem: Oli Scarff/Getty Images

Vandalismo e marketing de marceneiro

Com ou sem a pedra, ainda assim o valor histórico do Trono da Coroação se mantém por ser uma peça tão antiga. Infelizmente, ao longo do tempo, "ganhou" novos afrescos e foi "mutilado" por pessoas que decidiram deixar iniciais marcadas na madeira. O mais famoso grafite que ficou registrado diz:

P. Abbott dormiu nesta cadeira de 5 a 6 de julho de 1800".

As várias inscrições que estão no trono da coroação Imagem: Kirsty O'Connor - PA Images/PA Images via Getty Images

Ninguém identificou o vândalo adormecido, mas desconfiam que os alunos da Westminster School possam ter sido os autores. Outros o marcaram como marketing pessoal, como o marceneiro John Fenn, contratado em 1761 para arrumar o trono para a coroação de George 3º e que achou que valia deixar seu nome visível nos braços com a marca "FENN" talhada nos braços. O trono passou pela última restauração entre 2010 e 2012, e, desde o início de 2023, vem sendo preparado para a cerimônia do dia 6 de maio.

A maior parte das pichações foram causadas por alunos da Westminster e visitantes que tiveram acesso ao trono entre os séculos 18 e 19. Alguns pesquisadores conseguiram traçar a origem de algumas iniciais a duques e barões. Estariam tentando deixar suas inscrições para história ou só vandalizando um item histórico?

A restauraddora Krista Blessley trabalha na preservação do trono Imagem: Kirsty O'Connor - PA Images/PA Images via Getty Images

Só para matar a curiosidade, há outros tronos que serão usados durante a cerimônia de coroação. O Trono de Edward 1º só tem destaque no momento em que Charles 3º for ungido soberano, depois ele passará para outro, no centro da Abadia. Lá, Camilla, como Rainha Consorte, estará em um assento semelhante, mas colocado em um nível inferior de altura, para marcar sua posição.

São esses tronos que serão enviados para a Sala do Trono do Palácio de Buckingham, de onde casal já reina desde 2022. O da coroação voltará para Windsor ao fim da cerimônia.

Imagem: Kirsty O'Connor - PA Images/PA Images via Getty Images

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