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King Richard: Pai das Williams ganhou apelido de 'homem cartolina' no tênis

Will Smith concorre ao Oscar de melhor ator interpretando Richard Williams, pai de Serena e Venus - Divulgação
Will Smith concorre ao Oscar de melhor ator interpretando Richard Williams, pai de Serena e Venus Imagem: Divulgação

Rubens Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

27/03/2022 04h00

A persistência de um pai em busca do sucesso das filhas negras em um esporte massivamente praticado por brancos e que as guia no caminho para que se tornem ícones do esporte dentro e fora das quadras. Este é o tema do filme King Richard, que concorre hoje, às 21h (de Brasília) em seis categorias do Oscar —filme, ator, atriz coadjuvante, roteiro original, canção original e montagem— contando a história de Richard Williams, interpretado por Will Smith, e suas filhas Serena e Venus, duas das maiores vencedoras do tênis mundial, vividas no cinema por Demi Singleton e Saniyya Sidney, respectivamente.

Brasileiro que conviveu com as irmãs Williams e acompanhou um pouco do pai delas, Fernando Meligeni considera que o mérito do filme é ser fiel à luta da família Williams no esporte sem fantasiar a história, mostrando justamente a forma como Serena, Venus e Richard viviam no circuito em sua época de tenista profissional. O filme conta inclusive momentos mais próximos que ele e Gustavo Kuerten tiveram principalmente com as irmãs.

"Eu vi o filme e sempre que você vai ver espera que tenha muito mais, não de mentira, mas muito mais 'floreamento' do que ela ser claramente o que é. Não estive no começo da carreira, mas em muitos anos. A gente andava com elas, eu e o Guga. Não eram nossas amigas, mas conversavam com a gente, brincavam. A Serena gostava muito do Guga, a Venus gostava muito do Guga, a gente conversava muito e via a participação do pai muitas vezes. Ele era tudo aquilo que a gente estava vendo", conta Meligeni.

Luta por igualdade e as cartolinas de Richard Williams

O engajamento em lutas contra o racismo e a abertura para mais negras no esporte e o entusiasmo do 'King' Richard é um dos aspectos mais fieis do filme, mas Meligeni conta que o pai das tenistas era apelidado de 'homem cartolina' devido aos cartazes que exibia nos torneios desde a chegada à sala dos jogadores, convidando para o show das Williams.

"O pai era um cara que pegava o cartaz, a cartolina e sempre colocava duas frases, uma era 'Bem-vindos ao show das Williams'. Você estava entrando no US Open e via ele na entrada da sala dos jogadores com 'Welcome to the Williams Show'. Outra frase que eu achava demais era a luta dele pela igualdade de prize money (premiação), de wild card (convite) para negros e brancos", conta.

"Ele usava a cartolina, a gente chamava ele de 'homem cartolina'. E elas já ganhavam Grand Slam, não é que a menina era 80 do mundo. Elas já eram relevantes e ele se prestava a olhar para as meninas que estavam chegando e lutar por uma causa", completa.

Venus e Serena Williams se tornaram ícones do tênis - REUTERS/Stefan Wermuth - REUTERS/Stefan Wermuth
Imagem: REUTERS/Stefan Wermuth

Abraço de Serena e Venus no corredor de Roland Garros

Serena e Venus Williams respeitavam os brasileiros no circuito e até brincavam com eles. Dentre os momentos inesquecíveis para Meligeni estão os encontros no café da manhã em Paris, bem como o abraço que recebeu das duas depois de perder a semifinal de Roland Garros para o ucraniano Andrei Medvedev, em 1999.

"Foi uma das sensações mais legais que eu tive como atleta. Saí da quadra arrasado porque tomei 7/6 no quarto set, vou em direção ao vestiário, tinha um corredor que entravam duas pessoas juntas, não três. Imagine um corredor de 30 metros e você indo de encontro, Serena e Venus andando na sua direção. Eu estava de cabeça meio baixa e quando estou chegando, em vez de elas abrirem para eu passar, as duas abriram os braços e me abraçaram", conta.

"Eu sou um defensor da Serena há muitos anos. Eu brinco, tiro sarro, sei que errou com a [Naomi] Osaka, mas ela sempre mostrou ser uma pessoa absurda. A gente ficava no mesmo hotel em Paris, no Hotel California. A gente encontrava no café da manhã, ela brincava, roubava pão do meu prato. Era amigo dela? Não, mas a [Martina] Hingis estava no mesmo hotel, ela te tratava assim? Não. Comigo, com o Guga, ela era assim, agradável, e sempre disse que gostava muito do Brasil", completa.

King Richard, criando campeãs - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Filme quebra preconceitos com o tênis

Meligeni lamenta nunca ter conseguido conversar com Richard Williams, já que o pai das tenistas não era de parar para conversar, mas utiliza o filme como exemplo em mentorias que dá para jovens atletas no Brasil, além de considerar a obra como importante para quebrar preconceitos que há com o tênis.

"Eu falei outro dia na mentoria para a molecada qual é a causa. Eu usei o filme para isso. Eles tinham que ter um motivo para estar jogando tênis, ele mostrava isso para a gente. Sempre fui muito fã do Richard, nunca consegui conversar com ele, era um cara que só cumprimentava, as irmãs, sim, conversavam com a gente, batiam papo. Eu conversava muito com elas, eram muito queridas", conta.

"O filme quebra um monte de preconceitos que o nosso esporte vive. O nosso esporte é maltratado, apanhando em coisas que são problemas crônicos do Brasil. 'Esporte de elite'. Qual no Brasil não é? É caro, mas o que fazem para baixar o custo? Eles são Estados Unidos, mas eram pobres. No final das contas, é lógico que quem tem dinheiro, tem mais chance, mas se você tem muito mais dinheiro e eu menos, mas eu quero e você não quer, eu chego. O filme para o esporte mostrou isso, para o garoto que joga tênis foi um tapa na cabeça, para os pais também. Não é ficção, é a mais pura verdade", conclui.