Dez sobre o 10

Algumas das histórias mais marcantes do maior jogador de todos os tempos

Maurício Oliveira Colaboração para o UOL, de São Paulo Samuel Sanção de Moura/Arte UOL

Pelé morreu ontem (29) após longa batalha contra um câncer de cólon. Para reverenciar a história do astro, o UOL Esporte separou histórias marcantes de sua carreira contadas pelo jornalista e escritor Maurício Oliveira, autor de "Pelé, 1283".

A obra reúne várias entrevistas com o Rei do Futebol e com ex-companheiros do Santos e de seleção brasileira, além de amigos de infância e outros personagens interessantes. Um deles, por exemplo, foi o fiel barbeiro Didi.

Aqui estão as dez histórias curiosas mais marcantes para Maurício do maior camisa dez da história.

Samuel Sanção de Moura/Arte UOL
Samuel Sanção de Moura/Arte UOL

1. Como surgiu o apelido

Edson virou Pelé aos oito anos. O apelido nasceu da forma errada como ele pronunciava o nome do goleiro Bilé, companheiro de time do pai, Dondinho. Nas peladas em Bauru, o menino gostava de jogar no gol e dizia ser o "Pelé", querendo dizer "Bilé".

A molecada começou a pegar no pé, ele não gostou e chegou a brigar por conta disso. Aos 15 anos, quando foi para o Santos, o apelido já havia grudado feito chiclete.

As tentativas de assinar os primeiros autógrafos como Edson ou Dico - a forma carinhosa como era chamado em casa - não deram certo. Todos o chamavam de Pelé e foi preciso assumir o apelido.

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2. Frango virou motivo de orgulho

Zaluar foi o goleiro que levou o primeiro gol profissional de Pelé, no dia 7 de setembro de 1956. Ele jogava no Corinthians de Santo André no amistoso que celebrava o Dia da Independência.

Lula, o técnico do Santos, decidiu dar a primeira oportunidade ao rapazinho que havia chegado de Bauru no mês anterior. O Santos já vencia por 5 a 0. Mal entrou em campo, Pelé surgiu feito um foguete e chutou a bola por baixo das pernas do goleiro.

Mais tarde, dedicado a outra atividade profissional, Zaluar distribuía um cartão que o identificava como "corretor de imóveis e goleiro do primeiro gol de Pelé".

Samuel Sanção de Moura/Arte UOL

3. Briga por direitos trabalhistas

Pelé foi, muitas vezes, criticado por supostamente se alienar das questões políticas. Mas ele se reuniu com o polêmico Afonsinho, o jogador mais revolucionário de sua época, para falar das condições de trabalho dos jogadores. Depois da conquista do tri Mundial no México, em 1970, pediu uma audiência com o presidente Médici para tratar do assunto.

Pelé sempre se lembrava do exemplo de jogador desamparado que teve bem próximo dele: o pai. Depois que Dondinho sofreu uma séria contusão no joelho, em Bauru, a família passou por dificuldades. Foi o tio Jorge, irmão de Celeste, que segurou as pontas.

Dondinho nunca mais conseguiu ser o mesmo, mas jogou dez anos no sacrifício para sustentar a família.

Samuel Sanção de Moura/Arte UOL

4. Bronca por bullying

Pelé sempre recorreu à habilidade como atalho para chegar ao gol. Dondinho ensinou desde cedo ao filho que seu talento para jogar futebol não poderia ser usado para provocar ou desprezar os outros.

Certa vez, ao ser flagrado pelo pai humilhando sem necessidade um gordinho que participava das peladas em Bauru, o menino levou uma bronca.

Abandonar as firulas desnecessárias foi o principal conselho que o Rei deu a Neymar no começo da carreira do então novo astro santista.

Dondinho colaborou para vários dos atributos mais importantes de Pelé como jogador. Chutar bem com as duas pernas, por exemplo, resultou muito mais de treino do que de capacidade natural. O pai o orientou a ficar batendo bola com a parede usando só o pé esquerdo.

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5. Doia o coração, mas não tirava o pé

Pelé chegava a sentir compaixão pelos adversários? O que passava pela cabeça dele quando deixava um zagueiro estatelado no chão ou quando o Santos estava vencendo por goleada?

"Várias vezes eu estava jogando pelo interior, com times ameaçados de rebaixamento, e os beques chegavam em mim dizendo 'pô, Negão, nosso time vai cair, nós vamos perder o emprego'. Pediam pra dar uma colher de chá, uma aliviada. Mas eu não aliviava. Às vezes me doía o coração, mas eu tinha a minha obrigação. Meu negócio era fazer o passe, o gol".

A estratégia era tentar manter uma relação amigável com os adversários. Antes do apito inicial, Pelé costumava bater um papo descontraído com o pessoal do outro time, especialmente os zagueiros. Perguntava pela família, elogiava a atuação no jogo anterior.

"Eu dava essa amaciada e mesmo assim eles já batiam pra chuchu. Imagina se eu ficasse bancando a estrela?"

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6. A pelada do "Vai-Quem-Quer"

Mesmo depois da conquista do bicampeonato na Copa do Chile, em 1962, Pelé continuava jogando com a turma de Bauru quando ia visitar os pais. A pelada era conhecida como "vai-quem-quer", porque ninguém ficava de fora. Quem chegava, participava.

Foi ali que Pelé aprendeu a driblar no espaço curto.

A fama não fazia a turma aliviar. Ao contrário: alguns se empenhavam ao máximo.

"Tinha um zagueirão que ia levar um chapéu do Pelé, mas passou o sarrafo e gritou: 'Aqui não, crioulo!'", contou, aos risos, o delegado aposentado Aniel Chaves, amigo de infância e companheiro dos tempos de Baquinho.

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7. Pelé e John Lennon na mesma escola

Qual teria sido a relação de Pelé com os Beatles, cuja carreira também se desenvolveu na década de 60? Nunca houve um encontro oficial, mas o acaso o uniu a John Lennon no intervalo de uma escola de idiomas em Nova York. Os dois tinham a mesma idade, ambos nascidos em outubro de 1940 - Lennon no dia 9, Pelé no dia 23.

"Quando fui contratado para jogar no Cosmos, me matriculei para estudar inglês, e o John Lennon também estava lá, estudando japonês, porque tinha conhecido a Yoko. Então, a gente se encontrou no intervalo das aulas. Sabe o que ele me falou? Que na preparação para a Copa de 66, quando a seleção brasileira estava concentrada em Liverpool, os Beatles queriam fazer uma apresentação para o Pelé, mas o comando da seleção brasileira não deixou. Parece que o Nascimento, que era o nosso diretor, muito rigoroso, que Deus o tenha, disse: 'Esse bando de cabeludos não vai entrar aqui, não!' E o John Lennon me falou: 'A gente adorava futebol, mas não deixaram a gente tocar pra você'.

Imagine um aluno comum da escola de idiomas indo fazer um lanche no intervalo e se deparando com Pelé e Lennon trocando ideia...

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8. Crises de choro antes da final de 70

Pelé era visto como um super-homem, mas tinha vulnerabilidades emocionais, como qualquer pessoa. Por conta das contusões nas Copas anteriores, ele passou a de 1970 temendo que algo ruim acontecesse.

No ônibus a caminho do Estádio Azteca, o palco da final na Cidade do México, ele sofreu uma crise repentina de choro. Só Clodoaldo — que me contou a história — e outros dois ou três companheiros que estavam próximos perceberam.

"Foi bom, porque cheguei ao estádio me sentindo aliviado", confirmou Pelé.

No vestiário, ele repetiu o ritual de concentração que fazia no Santos. Procurou a sala de massagem, deitou, colocou uma toalha sobre os olhos e começou a pensar em como o adversário costumava jogar, quem iria marcá-lo e como seria a melhor forma de superar a marcação.

Samuel Sanção de Moura/Arte UOL

9. Duas filhas, duas histórias

A tumultuada relação com a filha que Pelé se recusou a reconhecer, Sandra Regina, nascida em 1963, é frequentemente lembrada como a maior falha em sua trajetória pessoal. A condenação popular se tornou irreversível com a morte dela, em 2006, aos 42 anos, vítima de um câncer.

Pelé teve outra filha que conheceu depois de adulta, a fisioterapeuta Flávia, fruto de um "affair" quando passou por Porto Alegre. Flávia só soube quem era seu pai aos 18 anos, pois a mãe queria que ela tivesse maturidade para entender a situação.

Pelé se tornou próximo da filha desde o primeiro encontro, em 1994. Estabeleceram a partir daí uma boa relação. Só em 2002, quando alguém da imprensa descobriu a existência dela, a história se tornou pública e foi confirmada por Pelé. Ele considerava que a diferença em relação a Sandra Regina era que Flávia havia se apresentado sem estardalhaço e houve tempo para se conhecerem.

Samuel Sanção de Moura/Arte UOL

10. Vestiu terno pela primeira vez em Santos

Uma incrível coincidência me levou a encontrar Pepe, o Canhão da Vila, segundo maior artilheiro da história do Santos. "E primeiro entre os terráqueos, porque o Pelé é de outro planeta", ele costuma dizer. Fui conversar com Didi na histórica barbearia, localizada nas proximidades da Vila Belmiro, e quem estava sentado na cadeira naquele momento era justamente Pepe. Seu nome fazia parte da lista das entrevistas essenciais que eu ainda teria que fazer.

O detalhe mais incrível eu saberia logo a seguir. Foi quando Pepe contou que era ali que ele estava, cortando o cabelo com o jovem Didi, 56 anos antes, quando um certo menino franzino chegou de Bauru. Os dois se apresentaram. "Ele apertou firme a minha mão e pensei: pelo menos personalidade esse garoto tem!", lembrou Pepe — que, aos 22 anos, já era um jogador famoso.

Pelé vestia um terno azul-marinho feito pela mãe, dona Celeste, e confessou aos novos amigos que estava usando calça comprida pela primeira vez. Cortou o cabelo depois de Pepe e pediu a Didi um topete, para ficar parecido com o pai.

"Acho que o corte ficou do jeito que ele imaginava, porque nunca mais me largou", brincou o barbeiro.

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