O que resta para Neymar?

Camisa 10 chega a 100 jogos pela seleção e defende seus privilégios: "Já carreguei nas costas"

Danilo Lavieri e Pedro Lopes Do UOL, em São Paulo Pedro Martins/Mowa Press

100 vezes Neymar

Neymar ainda é amplamente reconhecido com um dos jogadores mais talentosos do mundo, mas é inegável que tem enfrentado percalços na carreira nos últimos três anos. Depois de liderar a seleção brasileira na conquista do ouro olímpico, em 2016, o atacante sofreu com lesões, uma acusação de estupro e desgastes com torcedores dos clubes que defendeu.

Nesta quinta-feira (10), às 9h de Brasília, o Brasil enfrenta Senegal. Será o 100º jogo de Neymar com a camisa da seleção, que mais uma vez vale como seu porto seguro. Ao atingir o número centenário, o atacante terá nos amistosos desta quinta e deste domingo, contra a Nigéria, o ambiente ideal para levar adiante a tentativa de reconstrução de carreira e imagem que ele começou na nova temporada.

Como? Usando um detalhe que nem mesmo todas as polêmicas envolvendo seu nome conseguem apagar: no grupo da seleção, Neymar é unanimidade. É querido entre jogadores, dos mais experientes aos mais jovens. O técnico Tite o define como imprescindível. Boas atuações com a camisa amarela podem ser passos importantes para que o atacante, aos poucos, mostre que o fantasma das lesões está ficando para trás. Se ajudarem a esfriar a revolta da torcida do PSG após o pedido para sair nesta janela de transferências, melhor ainda.

Eu estou na seleção vai fazer dez anos. Desde a primeira vez que eu pisei aqui, eu sempre tive muita responsabilidade e sempre fui um dos principais nomes, um dos que carregavam sempre... acho que... praticamente tudo nas costas".
Neymar

"Eu não me escondo disso. Se você for parar para pensar, analisar corretamente e ser honesto, nestes dez anos, eu sempre exerci meu papel muito bem na seleção. Enquanto aos críticos, ao que o Tite deixa de fazer por mim ou faz, acho que ele faz por todos os jogadores. Qualquer técnico que fosse treinador da seleção iria fazer o mesmo", disse o jogador, em Cingapura.

Aos 27 anos, Neymar sem dúvida já fez das suas. E também muitos gols pela seleção. Ganhou uma Copa das Confederações e uma Olimpíada. Mas ainda não definiu seu legado. Teve seu brilho em Copas do Mundo freado por lesões em 2014 e 2018. Terá pelo menos mais um Mundial pela frente, e está na corrida para se tornar o maior artilheiro da história do Brasil.

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"Não estou deixando a humildade de lado, só estou explicando"

Eu já passei por lugares que tinham jogadores com mais nome do que eu, mais história do que eu, e eu tinha que respeitar o que os treinadores faziam com ele. E é assim no clube também. Quando um atleta de alto nível atinge um nível alto, considerado um dos melhores do mundo, por que não tratá-lo de forma diferente? Não pode existir inveja do resto do time

Neymar

Eu tive meu papel de entender. No Barcelona, eu trabalhei com o Messi, e ele tem o tratamento diferente. Por que ele é bonito? Não. Porque ele decide. Ele conquistou aquilo. Ele está assim depois do que alcançou. Não estou falando só de mim, estou falando de todos os atletas que têm tratamento diferente. Não estou deixando a humildade de lado, só estou explicando.

Neymar

Eu já vivi em times que outros foram tratados de melhor forma do que eu. Aquilo se tornou espelho para mim para que eu pudesse treinar mais. Para ter os mesmos privilégios que eles têm. Isso me deu força. Eu ficava contente por ele ter privilégio e ficando feliz eu sabia que ele ia resolver

Neymar

Jeff Zelevansky/Getty Images

Primeira vez, primeiro gol

Neymar estreou pela seleção brasileira em 10 de agosto de 2010, com apenas 18 anos, já marcando gol. A partida foi a primeira do Brasil após a eliminação na Copa do Mundo de 2010, que causou a demissão do técnico Dunga, pressionado, entre outros motivos, por não ter convocado Neymar e Ganso, que causavam euforia com brilho e títulos pelo Santos.

Na visão do treinador, era muito cedo para abraçar a dupla. Mas aqui tem um detalhe. Em uma espécie de lista de espera exigida pela Fifa, Dunga tinha apenas um deles mencionado: Ganso, no caso. O meia era o grande "parça" à época se o assunto fosse bola rolando e depois lhe faria companhia em sua primeira partida pela seleção.

Mostrando versatilidade, Neymar abriu, de cabeça, o placar para a vitória por 2 a 0 diante dos Estados Unidos em amistoso realizado em Nova Jersey. A partida marcou também a estreia de Mano Menezes, que comandou a equipe até novembro de 2012. Já Alexandre Pato, por quem Dunga não sentia muita admiração, comandou o setor ofensivo. Foi dele, inclusive, o segundo gol.

São muitos momentos que são vitoriosos para mim. Para escolher três, eu acho que eu fico com o primeiro jogo, o início de tudo, o primeiro jogo nos Estados Unidos, a primeira Copa do Mundo e o primeiro gol pela Copa do Mundo. São três momentos importantes com a seleção. Me recordo com muito orgulho"
Neymar

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Acusação, lesões e negociação foram obstáculos na carreira

Esse primeiro jogo foi a introdução de uma história que chegou ao auge em 2016, quando Neymar alcançou seu maior feito, pelo menos até agora, com a camisa da seleção brasileira: liderou a equipe na conquista do inédito ouro olímpico no Rio de Janeiro. Embora trate-se, em tese, de uma competição sub-23 já não tão valorizada assim em outras praças (leia-se Europa), a medalha de ouro do futebol nas Olimpíadas sempre carregou um peso grande no Brasil. Era, afinal, a última grande conquista restante à seleção.

Tudo apontava para cima, então. Mas a medalha foi seguida por um longo e gradativo processo de desgaste. A transferência polêmica para o PSG, em 2017, gerou revolta na torcida do Barcelona. Com a camisa do clube francês, Neymar foi prejudicado por lesões no pé direito em 2018 e 2019 — assistiu de fora às eliminações de sua equipe na Liga dos Campeões.

A lesão de 2018 também atrapalhou seu desempenho na Copa do Mundo da Rússia, por não ter chegado na melhor forma. Ao longo da competição, foi atacado pela imprensa Mundial, acusado de se atirar em campo e simular faltas. Ali viveu seu pior momento em campo, atacado também consistentemente pelas redes sociais que tanto o bajularam.

Em 2019, fora de campo, enfrentou uma acusação de estupro da modelo Najila Trindade — travou longa batalha jurídica e midiática até que o caso fosse arquivado, em agosto. Na Copa América, em junho, voltou a lesionar o pé direito. Acabou cortado. Ficou dois meses afastado dos gramados e despertou a ira da torcida do PSG ao tentar forçar um retorno ao Barcelona durante a janela de transferências.

Nos últimos dois anos, eu só não estive lá [entre os três melhores do mundo] porque machuquei, fiquei muito tempo fora e isso atrapalha. Mas se você analisar e pegar jogos, números, você vai ver que eu nunca deixei de jogar futebol. Infelizmente, isso na vida de um atleta pode ocorrer, as lesões. E você precisa de cabeça boa e preparada para dar a volta por cima. Eu busco estar bem essa temporada, torcer para que nada de mal aconteça e com certeza terminar a temporada completa pode ter certeza que vou estar em cima".
Neymar

O saldo fica muito positivo, mas, na vida de um atleta, nem sempre são só vitórias. São muitas decepções, derrotas, comete-se muitos erros. Mas se você for um cara que batalha no final de tudo você consegue redimir seus erros. Estou muito feliz por atingir essa marca. Nem nos melhores sonhos imaginei que isso pudesse acontecer

Neymar, sobre 100 jogos pela seleção

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Sem jogar e em meio a disputa no PSG, respaldo de Tite

Numa fase conturbada, Neymar sempre teve suporte na seleção brasileira. Durante a preparação para a Copa América, enquanto enfrentava a acusação de estupro e uma investigação por vazamento de fotos íntimas de Najila Trindade, recebeu apoio público de jogadores, do presidente da CBF Rogério Caboclo. Nos bastidores, entre dirigentes da entidade, porém, havia quem defendesse que o atacante fosse cortado para concentrar-se em se defender e permitir que os companheiros tivessem foco na competição.

Mesmo com essa pressão, o camisa 10 foi mantido no elenco. O corte só aconteceu com a lesão no tornozelo sofrida no amistoso preparatório diante do Qatar, em Brasília, com a constatação médica de que não haveria condição de jogo durante toda a Copa América. Em coletiva de imprensa na preparação para os amistosos contra Senegal e Nigéria, Tite falou do tema. O comandante mostrou incômodo com as críticas que sofreu na época.

"Não pago preço para ficar bajulando jogador nenhum. Isso é a minha educação, não como técnico. Como ser humano. Falei à época da Copa América que a verdade vem à tona, com o tempo. O tempo pode proporcionar. Recebi 30 perguntas sobre o que aconteceu com ele, disse para terem calma antes de julgar. Tive que responder com pré-julgamento a respeito dele. Foi horrível de tratar. Deixo o tempo, não julgo ninguém. Mas me incomoda sim, principalmente fazerem julgamento sem informações, sem saber a conduta", afirmou o treinador.

No dia 16 agosto, antes dos amistosos diante de Peru e Colômbia, nos EUA, Neymar recebeu outra sinalização de que segue respaldado na seleção. Sem jogar desde o dia 5 de junho, vindo de longa queda de braço com o PSG pelo desejo de retornar ao Barcelona, foi convocado por Tite. Teve boas atuações com a camisa brasileira, marcou gol e diminuiu a pressão — sobre ele e o técnico.

"Estou feliz na seleção e no meu clube também. Todo mundo sabe do que aconteceu no mercado geral, todo mundo sabe da vontade que eu tinha de sair. Isso já foi explicado. Me sinto feliz, tranquilo, no clube. No clube eu também estou. Estou feliz pelo meu desempenho. Defenderei o meu clube com unhas e dentes e darei 100% para que a gente tenha êxito, conquiste coisas grandes", disse Neymar.

Boa influência no ambiente da seleção

Na seleção brasileira, Neymar é muito querido pelos seus colegas e por todos os membros da comissão técnica. O carinho é tanto que, por vezes, há exageros na proteção do jogador, como na célebre frase do então coordenador de seleções na Rússia-2018, Edu Gaspar, que disse que era "difícil ser Neymar".

Entre os atletas, é extremamente bem quisto. Filipe Luís, que não está convocado para esta janela, Philippe Coutinho e Daniel Alves são os mais próximos do camisa 10. Entre os mais experientes, existe a ideia que o jogador passou por um amadurecimento tardio, mas é muito comum ouvir manifestações de apoio ao astro da companhia.

Com os mais jovens, Neymar cumpre o papel de ídolo. De longe o jogador mais conhecido do grupo, também é admirado por atletas que estão começando a receber chance agora na seleção brasileira. Nos treinos em que Tite convoca garotos para compor o grupo, é sempre o mais assediado, e todos os relatos indicam para uma pessoa extremamente atenciosa, que dá conselhos táticos e técnicos dentro de campo.

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Na seleção, Neymar rouba cena e tem privilégios

Centro das atenções na seleção brasileira, Neymar tem alguns privilégios em relação a seus colegas de elenco. Na Copa de 2018, por exemplo, conseguiu colocar sua família no mesmo hotel em que estava hospedado. A ideia inicial da comissão era permitir visitas dos familiares, mas não com tamanha proximidade. Alguns episódios estrelados pelo pai do camisa 10 irritaram a diretoria da CBF, registre-se.

Mas isso não impediu que os privilégios continuassem. Na preparação para a Copa América deste ano, o jogador torceu o tornozelo em amistoso contra o Qatar e saiu ainda no primeiro tempo diretamente para o vestiário. Lá, em meio ao desespero pelo iminente corte que estava por vir, recebeu a visita de seu pai e de um "parça" dentro do vestiário, fato inédito na gestão de Tite na seleção. O vestiário pode até ser sagrado, mas para a família do craque não houve limites.

Antes disso, Neymar já enfrentava uma acusação de estupro, com direito a visita da polícia à Granja Comary. Nem mesmo com toda a turbulência e pressão de alguns cartolas, seu corte esteve em pauta. No final, ele só não esteve com elenco durante toda a campanha por conta da lesão, mesmo.

Todos esses episódios serviram para que a comissão técnica tivesse certeza que o entorno do jogador é prejudicial para o desenvolvimento de Ney, não só como atleta, mas como pessoa. O consenso, no entanto, é de não tentar interferir no relacionamento entre o camisa 10 e as pessoas mais próximas

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Legado: ouro olímpico, dores em Copas

Neymar não conseguiu consolidar sua imagem de decisivo com a camisa da seleção brasileira nas duas Copas do Mundo que disputou, mas já mostrou que pode liderar o time a conquistas. A primeira delas, e a mais importante até aqui, foi a medalha de ouro olímpica.

Tão desejada até 2016, o título foi conquistado numa noite de Maracanã lotado e elétrico, com boa exibição do atacante, e a traumática Alemanha superada na decisão. O tratamento agora dado a Tóquio como uma competição de menor expressão só é possível porque a seleção encerrou o jejum na última versão dos Jogos.

Na Copa das Confederações de 2013, Neymar marcou em todas as partidas da primeira fase e na final, algumas vezes em lances magistrais. Na decisão, no mesmo Maracanã de ambiente contagiante, comandou um atropelo para cima da então badaladíssima Espanha. Um ano depois, todavia, essa mesma Espanha se mostraria bastante frágil no Mundial.

O que falta, como vemos, a Neymar é uma vitoriosa e indiscutível apresentação na Copa. Se o corpo permitir. Já falamos sobre como em 2018 ele não estava nas melhores condições para encarar a Copa, voltando de uma lesão complicada. Pois em 2014, no Brasil, foi o contrário: chegou voando, mas viu a sua trajetória interrompida após uma lesão na coluna nas quartas de final — o 7 a 1, para ele, foi como para quase todos nós: como espectador.

Número de gols dos ídolos da seleção

Quem fez mais jogos pela seleção

Eu sempre deixei claro que nunca quis fazer mais gols do que tal atleta, jogar mais jogos do que tal atleta. Eu queria buscar meus recordes, ser melhor do que eu a cada jogo. Eu pretendo estar por muito tempo na seleção. Tenho que demonstrar para meu clube, pretendo, sim, fazer muitos gols, ajudar a seleção brasileira. E colocar meu nome na seleção. Tenho muito orgulho do que estou fazendo até hoje. Estou muito feliz, muito contente. Quero mais, buscar mais coisas. Tenho um sonho que é conquistar a Copa do Mundo. E isso ainda não acabou. Tem muita história para vir ainda

Neymar

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Existe seleção sem Neymar. Mas quem pode dividir o fardo com ele?

Desde que despontou profissionalmente, Neymar se tornou unanimidade como referência técnica do futebol brasileiro e principal jogador de sua geração — consequentemente, da seleção. Natural, então, que, em torno de uma referência incontestável, surgisse o debate sobre dependência e capacidade do Brasil para sobreviver sem o camisa 10.

A Copa América deste ano mostrou que isso é possível. Sem seu principal jogador, o Brasil passou pela Argentina para conquistar o primeiro título em cinco anos. A conquista foi alcançada com excelentes atuações da defesa e do veterano Daniel Alves, eleito craque da competição, é verdade. Mas também ofereceu destaque a outros jogadores mais ofensivos que se credenciaram a dividir o fardo de conduzir a equipe.

Everton, do Grêmio, despontou como opção e foi o principal destaque do ataque brasileiro. Gabriel Jesus também exorcizou de vez as críticas que recebeu durante a Copa do Mundo, foi decisivo contra os argentinos e saiu da competição em alta.

A concorrência no ataque brasileiro — e, a oferta de parceiros para Neymar — só aumenta. Para os amistosos desta semana, Tite optou por dar nova oportunidade a Gabriel Barbosa, o artilheiro do Brasil, que não era convocado desde 2016. Há ainda jovens apostas como Rodrygo e Vinicius Júnior, do Real Madrid, que ainda não consolidaram seu espaço nas listas do treinador.

Ainda dá para ser melhor do mundo?

Eu acredito que sim. Infelizmente, nesses dois anos, eu tive duas lesões que foram longas. Isso atrapalha todo jogador. Eu preparei a cabeça para voltar melhor. Foi um verão longo para mim, mas eu me preparei muito para todas as circunstâncias, fosse ir embora de Paris ou ficar. Eu tinha que me preparar para que fosse uma excelente temporada

Neymar

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