O segredo de Gérson

Estrela de 1970, Canhotinha de Ouro abastece canal no YouTube com sugestões polêmicas para a seleção

Igor Siqueira, Talyta Vespa e Vanderlei Lima Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo UOL

Acreditar na vida e continuar trabalhando. São esses os segredos de longevidade para Gérson, o Canhotinha de Ouro, estrela da seleção brasileira de 1970. Aos 81 anos, o ex-jogador é comentarista da Super Rádio Tupi e abastece quase diariamente um canal no YouTube. As análises são diversas, mas os pitacos a respeito da seleção brasileira se destacam. Para Gérson, Neymar "não quer mais jogar pela seleção" e "desde que saiu do Barcelona, não fez mais nada".

Gérson acumula uma série de feitos: jogou em três grandes times do Rio de Janeiro, Flamengo, Botafogo e Fluminense, sendo este último seu time do coração, e foi campeão pelos três; ajudou a tirar o São Paulo de uma fila de praticamente 13 anos sem ganhar o Campeonato Paulista. Pela seleção brasileira, foi considerado o segundo melhor jogador em campo em 1970, ficando atrás somente de Pelé.

Amigo de Tite, o ex-atleta diz sonhar em jogar na seleção do técnico, em quem deposita bastante esperança para 2022 —mas também alfineta ao pedir nomes de destaque no futebol nacional hoje em dia. Gérson quer um meio-campo com os atleticanos Allan e Jair. Raphael Veiga é outro nome importante para o ex-jogador. A lateral esquerda ficaria a cargo de Arana, também do Atlético-MG. "Estou quase trocando o Neymar pelo Vinícius Júnior.", diz.

Um ataque com Dudu finaliza as polêmicas sugestões de Canhota para o elenco do Brasil. "Onde vai colocar o Dudu? Não sei. Bota no gol! Bota de gandula! Mas bota o Dudu, porra!".

O terceiro e mais importante segredo de longevidade para Gérson é o amor, esse tão presente na vida do comentarista. É um amor que nasceu e floresce há 50 anos, pela mesma pessoa, Maria Helena, a quem ele considera "o esteio dessa família".

Não adianta. Sem ela, nada funciona. Sem ela, eu seria o quê? Nada. De repente, é isso [que me faz viver bem aos 81 anos]. Meu nome é Gérson. Sabia que o filho de Moisés se chamava Gérson? De repente eu vou até cento e tantos anos, como Moisés foi."

A referência é ao personagem bíblico, que, segundo o relato, morreu aos 120 anos.

UOL

Pitaqueiro de mão cheia

No canal "Canhotinha 70", o comentarista foca suas análises na seleção brasileira e em clubes do Rio de Janeiro. Ao UOL Esporte, com quem falou com exclusividade, Gérson afirma que a Copa do Mundo deste ano não deve ter o apelo que havia antigamente entre os torcedores. Segundo ele, o fato de os jogadores saírem muito jovens do país para jogar em clubes europeus faz com que a torcida não crie conexão com o time.

"A seleção brasileira é europeia. Eu vivo do futebol, sempre vivi. E eu não conhecia o Raphinha, que o Tite convocou para a ponta direita. Me perguntaram lá na rádio o que eu achava dele, e respondi: 'Muito bom lateral, meio-campo talentoso'. 'Não, Gérson, não é esse Rafinha'. Nem eu sabia quem era. Então, o torcedor que não acompanha os torneios europeus não sabe quem são os caras da seleção'", diz.

Canhota afirma que a antecipada classificação para a Copa do Mundo seria a oportunidade perfeita para Tite testar novos nomes. "Tem que trocar. Estamos classificados. Perde um jogo das Eliminatórias? Dane-se. Estou testando. Tem Gabigol, Pedro, Raphael Veiga, Dudu. Estou pedindo o Dudu na seleção brasileira há trinta anos. Já está beirando os 60 anos, jogando para caramba, fazendo gol, sendo um dos homens de frente e puxando o contra-ataque do Palmeiras. Ninguém vê isso", brinca Gérson.

Reprodução Reprodução

Neymar, o (não) exemplo

Canhota não deixa de apostar em Neymar, mas se diz desesperançoso com os rumos que o futebol do jogador do PSG teme tomado. "Estou a um passo de defender a substituição dele por Vinicius Junior", disse ele, embora Tite tenha juntado os dois juntos no time titular.

Para o ex-jogador, Neymar não "está mais a fim de jogar na seleção". "Ele saiu do Barcelona no auge e foi para o PSG. De lá para cá, não fez mais nada. Não é o principal jogador do time. Acho que o Neymar joga muito, desde que queira jogar. E não me parece o caso".

Reclama com os companheiros, com os adversários, com o juiz. Quando não tem com quem reclamar, vai até o bandeirinha ou o quarto árbitro fora de campo. Neymar não está nem aí. E não é esse o 10 que nós queremos; queremos aquele Neymar forte, brigando, querendo. Aí ele dá uma declaração infeliz dizendo que é o último ano dele na seleção, que está 'mais para lá do que para cá no futebol'. Ele tem que botar as mãos para o alto. Primeiro, porque é um dos carimbados. Quantos querem ser Neymar e não podem? Ele está jogando tudo isso fora."

Gérson compara o atual momento de Neymar com os 30 anos de Pelé, que, "em 1970, estava mais em forma do que quando tinha 20 anos. Com a vontade de um garoto de 15". "Ele passava isso para a gente. Eu pensava: 'Se o melhor desse time, o mais consolidado, está nesse entusiasmo, por que eu estou assim?'. Neymar precisa passar coisas boas para os colegas de seleção, precisa inspirar".

Para Canhota, chegar à seleção brasileira e ser campeão do mundo é o topo do futebol. Para cima, não tem mais nada. E é esse o sonho de todos que se dedicam a essa profissão. Neymar tem talento. Conquistou seu espaço. "E está jogando tudo isso fora. O rendimento tem caído e ele só reclama. Está igual a mim. Só que eu tenho 81 anos. As pessoas perguntam: 'e aí, Gérson, como vai?'. E eu respondo: 'Nada está bom. O café está amargo'. Ser velho é isso, só reclamação", brinca.

Carl de Souza/AFP

Tite, o velho amigo

Quem deveria puxar a orelha de Neymar, diz Gérson, é Tite — e o comentarista afirma que o treinador deveria ter feito isso em 2018. "Ninguém sabe o que falta para o Neymar. Não é dinheiro, não é talento. Ele também não diz, então não tem como a gente saber. O Tite deveria ter sentado e conversado com ele em vez de dar a faixa de capitão. Depois daquela lambança que ele fez, é necessário ter uma conversa", diz, ao se referir à última Copa do Mundo.

Apesar da alfinetada, Canhota diz continuar admirando Tite, e pensando sobre ele o mesmo que pensava quatro anos atrás: um belíssimo treinador. "Adoraria ter jogado nessa última seleção, ganhando ou perdendo. Agora, tem dois lados. Eu gosto dele até aqui, mas quando desgosto, tenho que falar também. Não o apoio porque sou amigo dele".

"Muita gente vai dizer que eu sou maluco e esclerosado, mas, aos 81 anos, quem não é? Pelo menos, eu sou. Tudo bem. Estamos seguindo a vida. Acho que ele poderia ter feito alterações e não afetaria em nada o contexto. Porque ele tem uma base, tem uma espinha dorsal. E ele vai completando. Porque, de repente, em uma leva dessas, ele encontra um Vinicius Junior, um Anthony, vários jogadores que podem encaixar mais que aqueles que você já procurou — e não encontrou o que queria."

"De repente, você pode colocar o Antony, o Neymar e o Vinicius Junior no ataque. Põe os três. Quem tem esse ataque no mundo? Mas para ter esse ataque, tem que ter um meio-campo que os acione. Quem era o centroavante da Copa do Mundo de 1970? Quem era? Não tinha centroavante. Centroavante da seleção de 1970 eram Dario [Maravilha] e Roberto Miranda. Pelé e Tostão não eram centroavantes. Por que 50 anos depois não pode fazer a mesma coisa? Desde que você tenha jogadores, tecnicamente falando, excepcionais. É isso."

Divulgação

Família, a base de tudo

Canhota relembra o nascimento da filha ao questionar o comprometimento de Neymar. A esposa deu à luz às 4h e, às 6h, ele pegou um avião rumo ao México para encontrar o time do Botafogo. Foram quase dois meses por lá. "Ele fala sobre o que o afeta psicologicamente. Veja essa situação. Me afetou psicologicamente? Não poderia. É meu trabalho, vivo disso".

Quando voltou para o Rio de Janeiro, Gérson não sabia identificar qual das duas bebês da casa era sua filha — a sobrinha havia nascido pouco tempo depois.

"Não tinha videochamada. Claro que eu sentia saudade. Queria saber, mandava foto. Mas foto é uma coisa, ao vivo é outra. Para conversar com minha esposa, precisava ligar para a telefonista internacional. Mas a Maria Helena levou isso muito bem", relembra.

Maria Helena, o amor da vida de Gérson, segurou a onda de ter um marido jogador que viajava com frequência. "Não tinha férias, nem 13º", relembra. "Só tenho a agradecer a Deus por ter me colocado do lado dela".

"Recebi a proposta de ir para a Itália jogar no Milan. Não fui. Nessa época, me ofereceram dinheiro suficiente para colocar Niterói no fundo da minha casa. Mas não tinha multa contratual. O passe era preso ao clube, então não tinha como eu sair. O Milan foi campeão e, no ano seguinte, veio o Bologna —que duplicava a oferta de dinheiro. O Flamengo também não liberou".

Hoje, Gérson diz, se pudesse, ele iria. No entanto, a decisão de ficar resultou no maior presente de sua vida, a esposa. "Na Europa, eu ganharia uma fortuna, mas não conheceria a Maria Helena. O que iria adiantar a fortuna? Nada. Então, sou um privilegiado. Eu fui carimbado em todos os sentidos."

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