"Sonho em vê-los na cadeia"

Presidente do Cruzeiro fala sobre a situação do clube, antiga diretoria e se recusa a prometer volta à Série A

Guilherme Piu e Thiago Fernandes Do UOL, em Belo Horizonte e São Paulo Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Logo em seus primeiros meses à frente do Cruzeiro, o advogado Sérgio Santos Rodrigues, de 38 anos, percebeu que presidir um grande do futebol brasileiro demanda mais que conhecimento teórico e força de vontade. O clube que assumiu tinha situação financeira em colapso e respirava por aparelhos.

À boca miúda, o clube de tantos títulos virou caloteiro e, à fama de não pagar ninguém, somou também o rebaixamento para a Série B. Para Sérgio Rodrigues, construir um "novo Cruzeiro" em seus próximos três anos de mandato significará assistir de camarote à prisão de Wagner Pires de Sá e Itair Machado, processados pela justiça mineira por crimes de ordem financeira contra a Raposa.

Para ele, não é aceitável que os responsáveis pela diretoria anterior andem "livremente tendo desviado o que desviaram". "Claro que desejo vê-los presos, mas não só como desejo pessoal meu, mas de toda torcida. Para servir de exemplo. Não é pessoal, por rancor ou ódio. Não tenho rancor ou ódio por ninguém. É como torcedor".

A situação do clube é tão trágica que, mesmo com o centenário do clube sendo comemorado em 2021, Sérgio Santos Rodrigues não consegue prometer à torcida que o time volte à Série A. "Prometer fim é complicado. A gente pode prometer o meio, mas prometer acesso é muito complicado".

Gustavo Aleixo/Cruzeiro

'Se o orçamento for reduzido em 2021, vamos renegociar salários"

O presidente admite que terá que renegociar com os jogadores se o clube não voltar para a Série A em 2021 —só em cotas de televisão, o clube deixaria de arrecadar cerca R$ 75 milhões. "Não me preocupo com isso pois, se acontecer o pior, que é o não acesso, acho que será tranquilo renegociar", diz Rodrigues. "Os atletas já sabem disso. Já foi conversado que se o orçamento for reduzido essa renegociação teria que ser feita".

Ele lembra do acordo feito em janeiro e que instituiu um teto salarial de R$ 150 mil na Raposa. Na época, o elenco custava R$ 15 milhões mensais e 11 jogadores, os principais nomes do elenco, aceitaram reduzir os vencimento —entre eles, não apenas Fábio, Léo, Manoel e Henrique, que seguem no clube, mas quem já saiu, como Edílson, Robinho e Marquinhos Gabriel, por exemplo. A temporada começou com uma folha salarial de R$ 3 milhões —valor que aumentou desde então.

"Os jogadores têm sido muito bacanas com o Cruzeiro. Fábio, Léo, Henrique, Ariel Cabral, Manoel, que são pessoas que estão nessa situação. Em momento algum brigam ou falam sobre isso. Eles sabem da nossa realidade. Até já partiu de um deles falar com a gente: 'presidente, fica tranquilo, se tiver que trabalhar com outro orçamento nós não queremos prejudicar, somos parceiros e queremos ajudar o Cruzeiro'".

Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Salários atrasados como rotina

Pagar salários tem sido uma dificuldade para o Cruzeiro. Tanto jogadores quanto funcionários administrativos estão com os vencimentos atrasados. "Prometer que vai pagar salário em dia é complicado, pois a gente não sabe da receita. O que a gente batalha é para isso. Só eu sei o que é ter uma caneta na mão e a responsabilidade pela vida dessas pessoas".

A falta de dinheiro já fez o presidente emitir um pedido de desculpas formal e oficial. Ele enviou um e-mail aos funcionários pedindo desculpas pelo não pagamento em dia dos salários no mês de agosto.

"O pessoal sabe o meu incômodo com isso. Tanto que, quando atrasa, eu comunico internamente. Falo do planejamento e quando pretendo pagar. Enfim, prometer que vai acontecer é complicado, mas quem está aqui sabe da nossa seriedade, do nosso empenho e o tanto que incomoda não estar em dia. Isso é uma batalha diária para que o atraso não aconteça".

Fernando Moreno/AGIF

"Prometer acesso é complicado"

Quando era dirigente do clube, o deputado estadual Léo Portela (PL-MG) prometeu o acesso da Raposa à Série A. Fez isso com uma mensagem publicada em uma de suas redes sociais. "Quando o Cruzeiro comemorar o centenário já estaremos garantidos na Série A. Favoritem", escreveu o político, então superintendente do clube.

Pois, bem: aquele discurso positivista da antiga diretoria azul. E Sérgio Santos Rodrigues evita promessas. "Prometer fim é complicado, a gente pode prometer o meio. Prometer acesso é muito complicado".

"Eu tinha muita convicção de que ia acontecer [acesso], e convicção eu ainda tenho. Mas hoje é o jogo a jogo. Quando todo mundo fala que tem que ganhar dez, tem que ganhar 12, eu falo, não, tem que ganhar o próximo. Tempo sempre há. Enquanto existem pontos possíveis para que a gente classifique com o elenco que a gente tem, acredito que temos meios de chegar lá sim. E vamos brigar até o fim para isso".

A importância do acesso é financeira. A segunda divisão paga igualmente aos clubes R$ 6 milhões mais R$ 2 milhões (uma espécie de auxílio de logística) ou a cota do Pay-per-view que é variável — e o Cruzeiro estima que deve ficar em R$ 17 milhões.

Em 2019, o clube arrecadou só com pay-per-view quase R$ 40 milhões. No total, só com TV, as entradas foram de R$ 105 milhões. Se permanecer na Série B em 2021, a previsão é que o clube deixe de arrecadar R$ 75 milhões na temporada.

Daniel Vorley/AGIF Daniel Vorley/AGIF

Da glória ao caos

Depois que escapou do rebaixamento na última rodada em 2011 com a goleada por 6 a 1 em cima do arquirrival Atlético-MG, o Cruzeiro tomou decisões complicadas do ponto de vista financeiro. Gastou mais do que deveria na montagem de elencos e colheu frutos. Foi bicampeão brasileiro, em 2013 e 2014, e da Copa do Brasil, em 2017 e 2018, feito inédito por um clube no país.

A conta veio alta a partir de 2019. Sem uma gestão transparente, o clube foi parar na Série B do Brasileirão. "No Brasil, muitas vezes, o errado dando certo é o que todo mundo quer ver. Eu já falei sobre isso, o goleiro Fábio falou também em entrevista".

"Hoje, o Cruzeiro paga pelos títulos que conquistou de forma desordenada nos últimos anos, desde 2013 e 2014, e em 2017 e 2018. Sabíamos que pagaríamos por isso, muita gente não enxerga, acha que a culpa é minha de qualquer forma porque eu assumi o clube".

Quando Rodrigues fala de pagar a conta, ele o faz literalmente. No ano passado, o déficit do clube chegou a R$ 394 milhões —para uma receita de R$ 318,9 milhões. Isso quer dizer que, mesmo que o clube não pagasse nada na temporada, ainda assim terminaria o ano devendo mais de R$ 75 milhões.

Vinnicius Silva/Cruzeiro

Recursos desviados

Recuperar o dinheiro que foi desviado por ex-dirigentes tem sido um trabalho árduo do departamento jurídico cruzeirense. Inclusive, o Ministério Público de Minas Gerais ofereceu à justiça mineira denúncia por crimes de ordem financeira cometidos pelos ex-cartolas, entre eles, o ex-presidente Wagner Pires de Sá e o vice de futebol Itair Machado, que se tornaram réus recentemente.

A Justiça cobra dos ex-dirigentes R$ 6,5 milhões, em cálculo elaborado após análise de documentos que mostravam os valores desviados. Além disso, indenizações por dano moral e à imagem do clube têm valor igual.

"A maior dificuldade tem sido encontrar os bens, porque eles não têm nada nos nomes deles. Tiraram o dinheiro das contas. Obviamente, eles têm que viver, então o dinheiro tem que estar em algum lugar. Estamos correndo atrás dessa situação", diz Sérgio Rodrigues. "A gente pediu bloqueio do bem quando saiu aquela placa de carro do Itair [Machado. Na verdade, foi do carro da esposa do ex-cartola], buscamos alguns carros que estão em nome de esposa, parentes do Wagner [Pires de Sá, ex-presidente]", completa.

"Nosso papel é correr atrás disso. Dinheiro em conta a gente não achou. Tentamos um mandato de busca e apreensão por causa da notícia de que o ex-presidente teria R$ 5 milhões em casa. Nós estamos tentando esgotar tudo o que está na nossa mão, e a maior dificuldade é encontrar os bens de forma objetiva".

Alessandra Torres/AGIF

Felipão e a multa milionária

Contratar o técnico Luiz Felipe Scolari tem um preço elevado. Além da garrafa de uísque quase esvaziada na reunião que selou o acordo entre Cruzeiro e o pentacampeão do mundo, uma "gorda multa rescisória" foi combinada entre as partes.

"Temos confidencialidade, não posso revelar [valor da multa]. Às vezes, partes até acabam falando, mas eu não posso falar. O que posso dizer é que a multa é elevada, e a pedido das duas partes. Ele quis que isso acontecesse e achamos importante. A multa rescisória do Felipão é elevada sim".

O UOL Esporte apurou que a multa está na casa dos R$ 10 milhões. O contrato assinado entre Felipão e Cruzeiro garante premiação por acesso à Série A e outros bônus. Inclusive aumento salarial progressivo por temporada.

Bruno Haddad/Cruzeiro Bruno Haddad/Cruzeiro

Sabia que a pressão do torcedor seria grande. O que resta é ter a convicção do trabalho que estamos fazendo. Temos convicção de que vamos fazer o melhor dentro das possibilidades que o Cruzeiro tem

Sérgio Santos Rodrigues, presidente do Cruzeiro

Eu já imaginava que essa pressão existiria por estar à frente de um grande clube. O importante é não agir de forma alguma em razão dessa pressão, seja de forma positiva ou negativa. A gente age com planejamento

Sérgio Santos Rodrigues, presidente do Cruzeiro

Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Deivid na mira do torcedor

Junto do próprio presidente há uma outra figura do departamento de futebol muito, mas muito cobrada pela torcida: o ex-atacante Deivid (na foto, ao lado de Enderson Moreira, ex-técnico do clube). Se em campo, em seus tempos como artilheiro celeste, ele se desvencilhava das fortes marcações, agora precisa se proteger das rajadas de críticas —que o presidente vê como injustas. "O que o torcedor cobra inicialmente é resultado. Quando estava tudo bem, o Deivid era um grande diretor", diz.

"O papel dele é muito esse, fazer futebol sem dinheiro, a começar pelo salário dele. O Deivid ganha o equivalente a um terço do que ganhava como diretor aqui em 2015, 2016, 2017. E eu não estou falando nem de Itair [Machado], falo de outros diretores. O Marcelo Djian, que era gerente, ganhava R$ 120 mil. Tem gente que fala das contratações, critica, fala que contratou errado, que contratou muito jovem. Eu defendo [trabalho do Deivid]".

"Teve contratação ruim, que não deu certo? Sim, teve. A gente tem que entender questões, que tem o perfil de técnico, o que acontece em qualquer lugar. Acho, pessoalmente, o trabalho dele [Deivid] positivo sim. Óbvio que ele está sendo xingado porque é preciso encontrar um culpado quando a bola não entra".

"Primeiro era o técnico, que foi demitido. Aí muda o direcionamento. O próprio Felipão, que a torcida respeita, já falou nas entrevistas o papel fundamental do Deivid para a vinda dele. E o tanto que eles se ajudam hoje. Fazer futebol dando R$ 150 milhões para contratar é fácil, quero ver fazer sem dinheiro..."

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