Vida dupla

Christoph Metzelder: como ex-zagueiro da seleção alemã acabou condenado em escândalo de pornografia infantil

Fátima Lacerda Colaboração para o UOL, em Berlim (ALE) TF-Images/Getty Images

Christoph Tobias Metzelder tem 40 anos. É ex-jogador de futebol, foi dirigente e treinador e acabou condecorado com a medalha de maior relevância na Alemanha: a Ordem do Mérito da República (Bundesverdienstkreuz) dada pelo engajamento social que mostrou em ações contra a pobreza de crianças e adolescentes, um trabalho que ele tornou mais abrangente com a criação de uma fundação que leva seu nome.

Entre os títulos conquistados estão o campeonato alemão, com o Borussia Dortmund, a Liga Espanhola, com o Real Madrid, e a Taça da Alemanha, com o Schalke 04. Vestindo a camisa número 21 da seleção da Alemanha, o que fez 47 vezes, foi vice-campeão da Copa do Mundo de 2002, na Coreia do Sul e no Japão. Ultimamente, Metzelder atuava como treinador da equipe sub-19 do clube amador TuS Halterm e frequentava o curso de técnico da Federação Alemã de Futebol.

Metzelder tinha um portfólio invejável. A dobradinha entre uma trajetória esportiva repleta de vitórias e as ações sociais fizeram do ex-zagueiro uma figura querida da mídia alemã, orgulho da opinião pública e admirado pelos torcedores. Era presença obrigatória no tapete vermelho de eventos beneficentes. Mas o zagueiro que marcou Ronaldo na final do Mundial de 2002 enfrenta os dias mais sombrios de sua vida. Figura central de um escândalo, Metzelder começou a ser julgado nesta quinta-feira (29) na Alemanha após admitir ter compartilhado arquivos de pedofilia. No final da mesma quinta-feira, já tinha sido considerado culpado.

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Herói desmascarado

Tudo começou na tarde de 3 de setembro de 2019, quando imagens de TV e fotos de agências mostravam o ex-jogador escoltado por policiais para prestar depoimento. No mesmo dia, patrocinadores cancelaram contratos, a cadeia pública de TV ARD suspendeu suas aparições como analista de futebol e a página da Fundação Christoph Metzelder saiu do ar.

Com letras garrafais, os jornais ligavam o (agora) ex-ídolo com pornografia infantil. O clima era de condenação prévia: a pergunta era como aquele exemplo de esportista seria capaz de despencar num engodo amoral como esse? A cultura do cancelamento entrou em cena bem antes do início das investigações. E essas foram marcadas por erros e atropelos.

Desde o início, equívocos protagonizaram o caso, incluindo na defesa do ex-atleta. O maior deles acabou em troca de advogado quando o time que defendia Metzelder teria feito uma confissão de crime com a intenção de evitar um julgamento. A análise foi que a estratégia foi colocada em prática de maneira precipitada e, pior, sem a autorização do réu.

Essa mesma equipe pediu um mandado de segurança contra a divulgação da investigação sobre crime de porte de conteúdo pornográfico infantil. O tribunal, porém, alegou que o ex-jogador é pessoa "de interesse público". E a cobertura das investigações seguiu.

297 registros de pornografia infantil

O próximo passo das investigações que chocou a Alemanha envolvia o celular do ex-jogador. A promotoria anunciou que encontrou no aparelho 297 arquivos contendo pornografia infantil. Metzelder teria enviado o conteúdo a três mulheres.

Uma delas, a principal testemunha no caso, se chama Rafaela Jahn. Abordada pelo ex-zagueiro, de repente ela se viu em uma dinâmica de encontros, mensagens e telefonemas com um dos maiores nomes do futebol alemão. Logo depois, foi envolvida em um escândalo sem precedentes.

Em conversas com Metzelder pelo aplicativo WhatsApp, Rafaela quis dar uma de detetive e acabou se tornando foco das acusações. Primeiro, perdeu credibilidade por não ter informado à polícia imediatamente o recebimento de imagens ilegais. Ela só foi à polícia após ler argumentos de um jornalista sensacionalista do tabloide Bild. Foi justamente o jornal que deu o furo jornalístico em setembro de 2019 que levou o ex-jogador a ser levado pela polícia para depor.

No futebol, torcedores estão acostumados a ver ídolos envolvidos em crimes de sonegação de impostos, uso indevido de dinheiro do clube ou aceitação de presentes com segundas intenções. Crimes assim, ainda mais dentro do negócio bilionário que o futebol moderno se tornou, são digeridos facilmente. Pornografia infantil, não.

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Um dossiê para chocar

A divulgação de detalhes do processo de investigação mostra que Metzelder fez contato com Rafaela via Instagram. A partir dai, os dois trocaram mensagens e, depois de meses, tiveram um encontro num hotel na cidade de Hamburgo, no norte do país.

Depois de um longo período de silêncio, os dois voltaram a conversar. Metzelder revelou que gostaria de ter uma experiência a três com "pessoas jovens" e que tanto fazia se fosse menino ou menina. A faixa etária sugerida pelo ex-atleta ia diminuindo nas conversas à medida que o clima esquentava.

A leitura do dossiê mostra que o ex-jogador despenca para um patamar de fatos e detalhes monstruosos. Alerta: o próximo trecho dessa reportagem tem conteúdo forte e pode chocar leitores mais sensíveis.

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Indecisão da testemunha

Rafaela afirma ter dado corda para ver até onde Metzelder chegaria. Inventou até duas sobrinhas para isso. Prontamente, o ex-jogador sugeriu que ela levasse as menores para as "próximas férias" na ilha de Sylt, no Mar do Norte, ponto turístico preferido dos ricos e famosos da Alemanha.

Ao longo das conversas, o ex-jogador afirmava não gostar de homens e que os parceiros deveriam ser "jovens" e "meninas bonitas". A faixa etária ia caindo sucessivamente dos 18, passando pelos 15, até chegar a 10 anos, com fotos de meninas nuas.

Depois disso, a troca de material se intensificou e Rafaela recebeu a foto de uma menina de 10 anos brincando na neve nua. Uma outra foto exibia cenas de sexo entre uma menina da mesma faixa etária com um homem adulto. No dossiê, ela afirma que nesse momento ficou "indecisa" se sumiria do aplicativo ou se deveria ir à polícia. Acabou optando pela segunda alternativa.

Linha polêmica de advogado da defesa

Ulrich Sommer é advogado de famosos, de protagonistas de crime do colarinho branco e costuma trabalhar em causas aparentemente impossíveis de terminarem com absolvição dos réus. Poucos dias antes do início do processo, ele não hesitou em conceder uma entrevista à RTL, emissora calejada em pautas polêmicas. A linha argumentativa do advogado acusa Rafaela e afirma que Metzelder "teria ficado chocado" com a vida que levava, como se sofresse de sonambulismo nos últimos anos e tivesse acordado agora, para o dia do julgamento.

O advogado disse ao jornalista da RTL que Metzelder "não é pedófilo", mas que sim, teria "cometido erros". Ele ainda ameniza o conteúdo das fotos afirmando para o entrevistador: "Nelas, têm meninas que eu e você também acharíamos bonitas". Os argumentos da defesa chefiada por Sommer, conhecido por ter sempre uma carta na manga, ainda indicam que o ex-jogador "se atrapalhou" com seus relacionamentos ao lidar com necessidades sexuais e, por isso, estaria fazendo terapia.

Pai de uma filha de 11 anos, fruto de um namoro do passado, Metzelder foi condenado a dez meses de prisão em liberdade condicional por ter compartilhado 18 arquivos com pornografia infantil e juvenil na internet. "Aceitarei a sentença e peço desculpas às vítimas de violência sexual. Levarei para o resto da minha vida a culpa de ter causado esse mal à sociedade", disse, na primeira audiência do julgamento sobre as acusações.

Quem sai perdendo são as crianças. Aquelas que tiveram suas intimidades violadas e também as que eram apoiadas pela Fundação Christoph Metzelder, que não existe mais. Quando a poeira baixar, o ex-zagueiro da seleção será sempre motivo de constrangimento em qualquer conversa de futebol em que seu nome surgir.

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