Lembra aquele Carioca do...

Campeonato que termina hoje só aumenta a lista de polêmicas, disputas políticas e pouca atenção ao futebol

Caio Blois e Leo Burlá Do UOL, no Rio de Janeiro Thiago Ribeiro/AGIF

O Campeonato Carioca tinha tudo para continuar sendo o estadual mais charmoso do país. Mas tem virado notícia nos últimos anos, mesmo, por questões fora do futebol propriamente dito. As brigas com a federação, a guerra de liminares e as provocações em notas oficiais se somaram em 2020, resgatando momentos obscuros da competição no passado.

Dentro de campo, ao menos, a arbitragem, antes um reconhecido problema, deu uma trégua. Afinal, não foram poucas as polêmicas envolvendo árbitros e auxiliares — incluindo os famigerados "adicionais" — no Carioca desde 2011.

Nas últimas dez edições, poucos foram os anos em que o mais importante esteve dentro das quatro linhas. As decisões emocionantes, os golaços e as disputas das festas do torcedor no Maracanã minguaram pouco a pouco, dando lugar a casos peculiares. Lembra aquele Carioca do Fla-Flu da mordaça? E aquele em que o campeão que não ganhou nenhuma das Taças? E aquele da gandula-assistente? E aquele do trágico assassinato com espeto de churrasco?

Em meio à maior pandemia dos últimos 100 anos, o Campeonato Carioca chega ao fim em 2020 com a certeza de que será lembrado muito mais por suas polêmicas. Daqui a alguns anos, o Carioca-2020 vai ser aquele da primeira competição no Brasil a retomar as atividades enquanto casos e mortes de coronavírus se somam, aquele que mudou a ordem das transmissões pela TV e teve a final no SBT e não na Globo, aquele do recorde mundial no YouTube...

Thiago Ribeiro/AGIF
Buda Mendes/Getty Images

2020 - Este da pandemia, da briga por transmissão e do recorde do YouTube

A edição de 2020 basicamente fez um apanhado geral dos problemas que o Campeonato Carioca costuma enfrentar. Durante a maior pandemia dos últimos 100 anos, os grandes racharam ao discutir a paralisação e, depois, o retorno do Estadual: Ferj, Flamengo e Vasco de um lado, Botafogo e Fluminense de outro.

Mesmo com as políticas falhas de controle da proliferação da doença no Rio e no país, o Carioca foi o primeiro a retomar as atividades, com mais de dez mudanças na tabela, adiamentos e suspensões antes da rodada de retorno. Não sem muita polêmica. Arbitrais online vararam a madrugada. Um protocolo sanitário foi modificado várias vezes. O Flamengo não seguiu as recomendações oficiais e voltou aos treinos antes do permitido. Troca de farpas entre Flu, Bota e Ferj. Até a política nacional de combate à pandemia entrou na polêmica, envolvendo desde decretos do prefeito Marcelo Crivella até a intervenção do presidente Jair Bolsonaro.

Favorável à retomada das atividades no Brasil, Bolsonaro não só se encontrou com os presidentes Rodolfo Landim e Alexandre Campello, de Fla e Vasco, como também publicou polêmica medida provisória para dar direitos de transmissão aos mandantes de jogos. Sem contrato de TV no Carioca, o Rubro-Negro foi o grande beneficiado, usando seu canal oficial no YouTube para transmitir partidas, ainda que Vasco e Fluminense também tenham usado do mesmo expediente depois. A atitude fez a Globo rescindir seu contrato de transmissão com a Ferj e seus afiliados — é por isso que o jogo de hoje (15) será transmitido pelo SBT.

O resultado disso: Flamengo, Vasco e Fluminense transmitiram partidas em seus próprios canais e quebraram recordes. O Fluminense, aliás, quebrou o recorde mundial das lives no YouTube na final da Taça Rio: a vitória sobre o Flamengo nos pênaltis teve pico de 3,597 milhões de pessoas simultaneamente assistindo ao jogo.

Além disso, os tribunais, claro, apareceram e muito: o TJD/RJ impediu Bota e Flu de adiarem suas partidas, puniu Paulo Autuori por críticas à Ferj e o Alvinegro por falta de pagamento de despesas à entidade — valores mais altos que os cobrados dos rivais.

Na véspera da decisão, uma derradeira polêmica: a Federação processou Fluminense e Botafogo pedindo danos morais e materiais, além de retratação pública, depois que a dupla, opositora ao retorno do futebol, soltou um manifesto. A Ferj chamou a iniciativa em conjunto de "chilique" e os filiados de "falidos".

LUCIANO BELFORD/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO LUCIANO BELFORD/AGÊNCIA O DIA/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

2019 - Aquele da final sem torcida por causa de um lado

Vasco e Fluminense voltaram a entrar em impasse sobre o setor sul do Maracanã. Alegando um direito histórico conquistado em 1950 para usar o lado direito das cabines, o Cruzmaltino, que era mandante da final de 2019, passou a vender ingressos para o setor que, por contrato, era do Fluminense desde 2013.

Uma liminar judicial garantiu o direito do Tricolor. Na véspera, a concessionária do Maracanã, que mesmo com contrato com Flamengo e Fluminense, defendeu o Vasco na disputa com o Tricolor por uma dívida que o clube das Laranjeiras não honrou. Na verdade, a empresa, sufocada, buscava novos acordos com o Cruzmaltino.

O Vasco ingressou com pedido de reconsideração, e no final das contas, a Taça Guanabara seria decidida com portões fechados. Mesmo assim, o clube de São Januário convocou a torcida, que foi em peso ao Maracanã. Muita confusão, bombas, gás de pimenta, criança de colo, gordinho da água... tudo isso aconteceu quando os vascaínos entraram no estádio após ordem de liberação do desembargador de plantão no TJRJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). O Vasco acabou campeão.

Dhavid Normando/Futura Press/Estadão Conteúdo

2018 - Aquele do campeão que não venceu nenhuma das Taças

A Série A de 2018 tinha menos datas pela Copa do Mundo. Por isso, a Ferj criou uma seletiva. Vice campeão da Série B em 2017, o América se classificou para a primeira divisão, mas ficou no penúltimo lugar da seletiva.

No Grupo X, que definia o rebaixamento junto com os piores dos qualificados (na disputa entre os grandes), o Mequinha acabou rebaixado. O Goytacaz, campeão da B1 no ano anterior, precisou vencer o Resende no último jogo para se livrar do descenso.

No mesmo campeonato, o Maracanã cedeu seu espaço para shows de Pearl Jam, Foo Fighters e Wesley Safadão, impedindo jogos do Flamengo e do Fluminense. O Rubro-Negro vivia às turras com o Botafogo por ironia de Vinicius Jr, que comemorou gol (em Volta Redonda) relembrando o chororô de 2008. O menino também sofreu injúrias racistas. O Fla, então, buscou o Luso-Brasileiro. Só que um temporal derrubou postes de luz por lá e obrigou mudança para Edson Passos.

Como se não bastasse a bagunça, Flamengo e Fluminense venceram as Taças Guanabara e Rio, respectivamente. Semifinalistas, Botafogo e Vasco venceram os campeões de turno, e o Alvinegro terminou campeão, nos pênaltis, sem ter vencido qualquer taça. Um detalhe: pela primeira vez na história uma decisão de turno aconteceu fora do Rio. Sem lugar pra jogar, o Fla bateu o Boavista por 2 a 0 para faturar a Taça Guanabara em Cariacica.

Bernardo Gentile/UOL

2017 - Aquele da morte por espeto de churrasco

A trágica morte do torcedor alvinegro Diego Silva dos Santos antes do clássico Flamengo 2x1 Botafogo em 12 de fevereiro de 2017 fez o MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) determinar clássicos com torcida única. O homem foi morto ao ser atingido por um espeto de churrasco.

Assim, na decisão, teoricamente só o Flu, mandante do jogo, teria torcida. Após guerra de liminares que quase culminou em portões fechados até horas antes do jogo, o Fla-Flu teve as duas torcidas em um jogaço: 3 a 3 no tempo normal e 4 a 2 para o Fluminense nos pênaltis.

MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC

2016 - Aquele em que Fla e Flu fundam outro campeonato

Insatisfeitos com a Ferj, Flamengo e Fluminense se juntaram a equipes de RS, MG e PR e fundaram a Primeira Liga. A ideia era criar um regional para esvaziar o poder de Rubens Lopes, o presidente da Ferj, que obrigara as equipes, no regulamento, a escalarem jogadores profissionais, evitando que utilizassem um time-base no Estadual formado por atletas sub-23 e sub-20.

A CBF reconheceu a competição em caráter amistoso após mais uma disputa de bastidores. No fim, o Flu foi campeão da Primeira Liga ao bater o Athletico em Juiz de Fora, já que a Ferj não permitiu que o Tricolor jogasse a decisão no Rio de Janeiro.

Reprodução/Twitter Flamengo

2015 - Aquele do Fla-Flu da mordaça

Em 2015, outra polêmica. O TJD-RJ anunciou punições a atletas e técnicos que criticaram a Ferj publicamente. Por isso, durante a semana, Vanderlei Luxemburgo, então treinador do Flamengo, apareceu na coletiva com esparadrapo na boca.

No Fla-Flu, os dois times entraram em campo com a mão na boca. O jogo ficou conhecido como "clássico da mordaça". Expulso durante o jogo pelo árbitro Wagner Nascimento Magalhães, Fred detonou o Estadual:

"O Campeonato Carioca tem que acabar".

2014 - Aquele em que o auxiliar virou meme

Em 2014, Vasco x Flamengo faziam clássico pela final com vantagem do empate para os cruz-maltinos. O 1 a 1 nos acréscimos daria o título ao gigante da Colina. Só que um personagem mudou a história.

No mesmo ano em que a Ferj anunciou o assistente adicional na linha de fundo, o campeonato terminou com uma polêmica: impedido, o volante Márcio Araújo aproveitou o rebote e desempatou para o Fla, mas o assistente não viu.

No outro Fla x Vasco da competição, o assistente adicional Rodrigo Castanheira também não viu o gol em uma bola do vascaíno Douglas que cruzou a linha em mais de 30 centímetros. Mas, no mesmo jogo, um gol do flamenguista Elano foi marcado em condições até mais difíceis, sem a bola quicar —o arqueiro uruguaio Martín Silva defendeu dentro do gol— e entrando "apenas" 20 centímetros. O auxiliar virou "meme" e viu sua carreira ruir.

Divulgação/Satiro Sodre/SSPress

2013 - Aquele que criou a semifinal esdrúxula

Apesar das constantes rusgas entre clubes e Federação, um ponto era de comum acordo: o Campeonato Carioca tinha um bom regulamento, com finais emocionantes das Taças Guanabara e Rio e decisão em dois jogos. Até 2013. Preocupado com o esvaziamento do Estadual e em realizar mais clássicos, o que tornaria a competição mais atrativa, a Ferj mexeu no formato.

Uma semifinal extra foi criada. Assim, os vencedores dos turnos não iam mais às finais, mas enfrentariam os dois outros melhores times na tabela geral com vantagem de empate. Mas não havia vantagem de saldo na final. Assim, a melhor campanha poderia levar a taça com dois empates, mas não com o saldo empatado. Por sorte, não houve necessidade, já que o Botafogo venceu as Taças Guanabara e Rio e foi campeão direto.

O Alvinegro, no entanto, festejou em Volta Redonda. Com o Rio de Janeiro já eleito como sede dos Jogos Olímpicos, um estudo teria assegurado que o teto do Nilton Santos poderia cair caso ventos superiores a 63 quilômetros soprassem sobre o estádio.

Fernando Maia/UOL Fernando Maia/UOL

2012 - Aquele da gandula-assistente

Os clássicos entre Flamengo e Vasco voltaram a ter muita reclamação de arbitragem. Na fase de grupos, um pênalti polêmico foi marcado por Wagner dos Santos Rosa em falta de Fernando Prass em Leo Moura, que não existiu, aos 46 do segundo tempo. Os vascaínos reclamaram, ainda, de pênalti não marcado de Wellinton em Thiago Feltri.

A confusão ao fim do jogo fez o presidente Roberto Dinamite reclamar de "ser roubado". Cinco jogadores foram expulsos após o apito final. Na semifinal da Taça Rio, a Ferj selecionou o polêmico Marcelo de Lima Henrique para comandar o espetáculo. E a reclamação foi rubro-negra: o árbitro marcou pênalti de Felipe em Alecsandro, que também não existiu. O Vasco foi à final do returno.

Na decisão contra o Botafogo, um lance em especial gerou muita reclamação: o jogo ficou marcado pela "assistência" da então gandula Fernanda Maia, torcedora alvinegra que hoje é apresentadora. Ela repôs rápido a bola e ajudou Loco Abreu a abrir o placar. Os cruzmaltinos ficaram revoltados.

O lance, entretanto, é lembrado de maneira "folclórica". O Fluminense seria campeão naquele ano com duas vitórias sobre o Bota.

Nina Lima/VIPCOMM

2011 - Aquele que tirou o mando de campo dos finalistas

Em medida que daria muito pano para manga no futuro, a Ferj estabeleceu no regulamento a partir de 2011 que teria o mando de todos os clássicos e partidas das semifinais e finais. Com o Maracanã fechado, todos os jogos entre os grandes seriam disputados no Engenhão.

A decisão era para evitar, principalmente, que o Vasco tentasse levar jogos desse tipo para São Januário. A Federação conseguiu garantir que aquela competição não tivesse polêmicas, apesar das reclamações dos vascaínos. Anos depois, o mando de campo seria importantíssimo.

Buda Mendes/Getty Images Buda Mendes/Getty Images

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