O que faltou?

UOL faz um raio-x da Copa do Mundo da seleção brasileiras: lesões, ausências e a falta de conquistas

Do UOL, em Doha (Qatar) Xinhua/Han Yan

115 minutos e 39 segundos. Ou 11 minutos do segundo tempo da prorrogação. Foi o momento em que Fred foi desarmado com um carrinho e a Croácia começou um contra-ataque rápido. O Brasil tinha só cinco jogadores em seu campo além do goleiro Alisson. Todos eles correram para trás, desalinhados e sob pressão no fim de uma partida em que a vantagem era brasileira.

Um desses cinco era Danilo, no segundo jogo em cinco dias depois de se recuperar de uma lesão de ligamentos no tornozelo e já no limite físico. Ele estava com a meia arriada e quase mancava. Outro era Alex Sandro, de volta ao time depois de dois jogos por causa de uma lesão muscular no quadril, substituindo o improvisado Militão nos minutos finais.

O empate croata nesse lapso de desorganização levou a decisão para os pênaltis. Rodrygo foi para a primeira batida e perdeu. A Croácia acertou todos, Marquinhos errou mais um e Neymar nem sequer teve a chance de cobrar. Logo ele, um dos melhores batedores do mundo.

Essa mistura da perda de bola por parte de um jogador contestado, a gestão de lesões que manteve em campo jogadores que não estavam 100% fisicamente e uma decisão que impediu Neymar de exercer uma de suas especialidades ajudou a eliminar o Brasil na Copa do Mundo do Qatar diante de uma seleção inegavelmente talentosa, mas desgastada. Mas há mais ingredientes nesse caldeirão, inclusive fora de campo.

Agora, o UOL explica porque o Brasil vai igualar seu maior jejum sem títulos em Copa em 2026. Como em 1994, os brasileiros vão chegar a uma Copa há 24 anos sem gritar "é campeão".

Xinhua/Han Yan
Markus Gilliar - GES Sportfoto/Getty Images
Daniel Alves só foi titular contra Camarões, quando todo o time foi poupado

A matemática da convocação: faltaram zagueiros, sobraram meias

O gol de empate da Croácia saiu pelo lado direito da defesa, justamente o foco das maiores críticas da convocação de Tite para o Mundial. Quem ocupava a posição era Danilo, que vinha de lesão e só estava lá porque Tite optou por não usar o jogador que escolheu para ser o reserva da posição.

Daniel Alves, 39 anos, maior vencedor da história do futebol e líder do grupo, era o suplente da direita, mas nunca foi a primeira opção do banco para o setor durante a Copa. O posto era de Militão, um dos quatro zagueiros convocados. A questão é: Tite deveria ter outra opção ou a presença do veterano era desnecessária?

Responder isso requer matemática.

A estratégia da seleção era manter os atacantes correndo o tempo todo e, por isso, a convocação tinha nove atacantes. Tite começou a Copa jogando com quatro atacantes (um centroavante, dois pontas e um meia-atacante) e ter um a mais fazia sentido. Por isso, até Pedro, o terceiro centroavante, jogou —e foi importante contra a Croácia.

A abundância de homens de frente, porém, deixou mais fina a defesa. Enquanto algumas posições tinham até quatro jogadores (Neymar, Rodrygo, Lucas Paquetá e Everton Ribeiro jogaram como meia-atacantes), atrás eram duas opções. Ou uma, se considerar que Daniel Alves não tinha as características de jogo para encarar Suíça, Coreia do Sul e Croácia -contra a Sérvia, na estreia, Danilo só se machucou quando Tite não mais podia mudar..

Vai demorar um pouquinho para digerir tudo isso. Temos de aproveitar essas lágrimas para nutrir o futuro da seleção brasileira. Nada nessa vida é perfeito, tem que se adaptar a tudo que a vida tem a nos ensinar. Parece clichê essa frase, mas é real: a vida é para os valentes, e ficar no chão não é opção."

Daniel Alves, Lateral-direito que se despede da seleção

A verdade é que aqui se acaba meu ciclo na seleção brasileira, infelizmente dessa maneira trágica e triste. A vida precisa seguir em frente. Preciso encontrar forças nas pessoas que gostam da gente nesse momento. Sei que vai haver muita coisa negativa, pessoas falando mal, mas temos de focar naquilo que mais importa para a gente."

Thiago Silva, Zagueiro que também se despede da seleção

Subtraindo quem se machucou na Copa

  • Neymar - perdeu dois jogos

    Sofreu uma lesão ligamentar no tornozelo direito após uma torção, sofrida no jogo de estreia contra a Sérvia. Fez tratamento até dormindo e se recuperou. Foi bem contra Coreia e Croácia.

    Imagem: Jean Catuffe/Getty Images
  • Danilo - perdeu dois jogos

    Sofreu lesão ligamentar no tornozelo esquerdo, no jogo de estreia. Como Neymar, ficou fora contra Suíça e Camarões e voltou contra a Coreia do Sul, já improvisado como lateral-esquerdo.

    Imagem: Simon Stacpoole/Offside/Offside via Getty Images
  • Alex Sandro - perdeu dois jogos

    Sofreu uma lesão muscular no quadril no jogo contra a Suíça e ficou de fora contra Camarões e Coreia. Não estava completamente recuperado contra a Croácia, mas entrou na prorrogação, no lugar de Militão.

    Imagem: Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images
  • Alex Telles - cortado após o terceiro jogo

    Sofreu uma ruptura parcial dos ligamentos do joelho direito, após cair errado em uma dividida contra Camarões. Foi cortado após exames de imagem, com tempo de retorno estimado em três meses.

    Imagem: Robert Cianflone/Getty Images
  • Gabriel Jesus - cortado após o terceiro jogo

    Sofreu uma contusã no menisco e uma lesão parcial de ligamentos do joelho direito, também contra Camarões. Foi cortado da Copa e já foi submetido a uma operação. O tempo de volta também é de três meses.

    Imagem: Richard Heathcote/Getty Images
GIUSEPPE CACACE / AFP

Última vitória sobre europeus em mata-mata fará 22 anos

Em jogos eliminatórios, a última vez em que a seleção brasileira venceu em uma Copa do Mundo tem 20 anos. Foi na final da Copa do Mundo de 2002, na decisão contra a Alemanha. Naquele dia, Ronaldo Fenômeno marcou duas vezes e o Brasil venceu por 2 a 0.

Desde então, foram cinco derrotas para europeus.

  • 2006: França venceu por 1 a 0 nas quartas de final.
  • 2010: Holanda venceu por 2 a 1 nas quartas de final.
  • 2014: Alemanha goleou por 7 a 1 na semifinal.
  • 2018: Bélgica venceu por 2 a 1 nas quartas de final.
  • 2022: Croácia vence nos pênaltis por 4 a 2 nas quartas de final.

A explicação para isso não é simples, mas certamente passa pela força do futebol de clubes europeu, a equação da força das Eliminatórias sul-americanas x Eliminatórias europeias e a dificuldade do calendário.

Nesse último, o ciclo 2022 foi icônico: o Brasil chegou ao Qatar com 50 partidas na bagagem em quatro anos, mas só uma, e logo no início, ainda em março de 2019, contra um time da Europa. Foi a República Tcheca, vitória por 3 a 1, gols de Firmino e Gabriel Jesus, que perderam espaço na reta final do Mundial.

A explicação é a criação da Liga das Nações, que ocupou todo o calendário das seleções europeias. Mas o contrato que a CBF tinha com a Pitch International, que termina agora, após a Copa, também não ajudava.

Soccrates Images / Colaborador

Mudou o que não deu certo em 2018. E não foi suficiente

Depois da eliminação em 2018, a seleção fez um raio-x do que deu errado e tentou fazer mudanças dentro e fora de campo. As diferenças ficaram evidentes no dia a dia do Qatar, mas não foram o suficiente para um resultado diferente.

Tite mudou esquemas e escalações no meio da Copa. Se em 2018 ele se manteve fiel a Paulinho, William e Gabriel Jesus, em 2022 ele começou o torneio com um time com quatro atacantes e Paquetá como volante, que nunca tinha jogado junto. Após uma vitória magra contra a Sérvia, testou o time com dois volantes tradicionais, escalando Fred. Não deu certo. Ele precisou de quatro jogos, mas encontrou o time contra a Coreia do Sul, nas oitavas.

E começou a tentar esconder o que faria. Ele fechou treinos e se recusou a anunciar a escalação na véspera, duas atitudes diferentes da última Copa, quando confirmava a escalação a cada treino pré-jogo e depois nas coletivas.

Fora dos gramados, famílias ficaram mais afastadas. A seleção decidiu não ajudar as famílias na logística de viagem, como fez em 2018, quando mantinha todos em um hotel e ajudava no deslocamento. No Qatar, os atletas mantiveram o acesso aos familiares, mas em horário marcado e sempre no Centro de Treinamento ou nas pequenas folgas após o jogo, nunca dentro da concentração.

O que deu certo e o que não deu

  • Deu certo: Antony, Rodrygo, Martinelli e Vini Jr

    Os estreantes em Copa tiveram um bom Mundial e "quebraram o gelo" da primeira Copa. Por idade e nível técnico, são nomes certos para 2026.

    Imagem: ANP via Getty Images
  • Deu certo: Casemiro

    Líder do elenco e candidato a capitão na próxima Copa, foi um dos melhores do time apesar de ter feito uma quartas abaixo do esperado. Com 30 anos, tem condições de ser o ponto de partida para um novo time.

    Imagem: Matteo Ciambelli/DeFodi Images via Getty Images
  • Deu certo: Eder Militão

    Aos 24 anos, foi um dos melhores contra a Croácia e mostrou personalidade para assumir vaga deixada por Thiago Silva e ainda servir como opção para atuar pela direita em meio à seca de novos laterais.

    Imagem: Simon Stacpoole/Offside/Offside via Getty Images
  • Deu errado: Fred

    Queridinho de Tite, não fez uma boa Copa quando esteve em campo e ainda iniciou o erro ao marcar pressão apesar do 1 a 0 na prorrogação. Em baixa no United, deve ter dificuldades de manter o alto nível.

    Imagem: Jewel Samad/AFP
  • Deu errado: Raphinha

    Cumpriu funções táticas importantes, mas não fez o que se espera de um atacante: gols. Além disso, foi mal contra a Croácia e perdeu espaço durante a Copa.

    Imagem: Robbie Jay Barratt - AMA/Getty Images
  • Deu errado: Alisson

    Não comprometeu, mas pela segunda Copa seguida não fez a diferença que o Brasil acostumou a ver com goleiros em times campeões como Marcos, em 2002, e Taffarel, em 1994.

    Imagem: REUTERS/Hannah Mckay
HANNAH MCKAY/REUTERS

Tite: 60 vitórias, 174 gols marcados e 1 só título

A eliminação marcou também a despedida de Tite da seleção depois de seis anos. O técnico já tinha avisado que não continuaria e ontem oficializou a decisão: "Foi uma derrota dolorida, porém em paz comigo mesmo. Fim de ciclo". A CBF vai emitir nas próximas horas um comunicado em agradecimento a Tite e sua comissão técnica, que também se despede.

O trabalho termina com 80,2% de aproveitamento. Foram 81 partidas: 60 vitórias, 15 empates e seis derrotas, que valeram um lugar na história como o terceiro técnico que mais venceu jogos pela seleção, atrás só de Zagallo e Parreira.

No total, foram 174 gols marcados (2,1 por jogo, em média), 29 gols sofridos e só um título. A conquista foi da Copa América de 2019, além de um vice-campeonato, da mesma competição, em 2021 e duas campanhas arrasadoras em Eliminatórias.

Tite assumiu uma seleção em ruínas da época de Dunga e entregou resultado apesar do fracasso das Copas. Deu padrão de jogo ao time e criou processos internos, numa mudança de rotina no dia a dia da CBF que profissionalizou o setor de análise de desempenho tático e físico e integrou a seleção profissional às seleções de base como nunca tinha acontecido. É um legado que ele e sua comissão torcem para que se mantenha a partir de 2023.

Com Tite, também deixam a rotina da seleção conceitos únicos do treinador, como as coletivas de imprensa sempre acompanhado de auxiliares, os treinos quase sempre abertos e o vocabulário que elegeu "perninhas rápidas" para o ataque do Brasil, afirmou jogadores "desequilibrantes" e deu chance a atacantes "terminais".

Existem outros grandes profissionais e eu não sou um cara de duas palavras, não estou jogando para ganhar e fazer drama que poderia ficar. Fim de ciclo. Agora sim foi um processo inteiro, antes foi um processo de recuperação. O desempenho vocês fazem a análise de vocês, está aí à mostra."

Tite, Sobre a despedida da seleção

Ele [Tite] nos deu um abraço, agradeceu pelo trabalho que a gente fez, porque nós fomos eliminados, mas fizemos um grande percurso até aqui e só temos a agradecê-lo pela confiança, por sempre ter sido honesto com todos nós. Esse é o sentimento que a gente leva dele."

Lucas Paquetá, Sobre a despedida de Tite

Não fala merda, Wagner"

Neymar, No Instagram, em resposta a uma crítica de seu ex-empresário Wagner Ribeiro a Tite

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

Quem assume a seleção brasileira?

Tite assumiu em 2016, quando a seleção estava em condições difíceis nas Eliminatórias, com brasileiros temendo ficar fora da Copa pela primeira vez na história. Naquele momento, o campeão mundial pelo Corinthians tinha uma aprovação quase absoluta para dirigir a seleção. Hoje, essa figura não existe.

  • Dorival Júnior foi campeão da Libertadores e da Copa do Brasil, mas acabou trocado pelo Flamengo.
  • Cuca fez péssimo trabalho no Atlético-MG um ano após ganhar o Brasileirão.
  • Renato Gaúcho teve de aceitar ir à Série B para assumir o Grêmio após passagem conturbada pelo Flamengo.
  • Fernando Diniz surpreende no Fluminense, mas nunca entregou um trabalho em time grande com títulos importantes.
  • Mano Menezes é elogiado no Inter, mas tem péssimo passado na Amarelinha.

Como neste momento Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF, não quer fazer apostas, restaria recorrer a um técnico estrangeiro.

Pep Guardiola foi sondado por intermediários, mas o salário é muito além do que a CBF paga -e ele renovou com o Manchester City até 2025.

Abel Ferreira é um nome que desponta como possível indicação, mas ainda há resistência por parte da entidade e uma incerteza sobre o estilo do português em relação ao que é esperado no comando da seleção.

Seja quem for o próximo técnico, a eliminação para a Croácia determinou o fim de uma era na seleção brasileira.

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