A Copa enfim é do Mundo todo

Qatar bate recorde de continentes nas oitavas e tem primeira arbitragem feminina da história

Do UOL, em São Paulo Arte UOL

O nome é Copa do Mundo, mas parecia que esse mundo tinha só Europa e América do Sul. No Qatar, isso mudou. Pela primeira vez, países dos cinco continentes são representados nas oitavas de final. No total, um recorde de seis equipes da periferia do futebol (em definição livre: tudo o que está em volta de Europa e América do Sul). Em 2002 e 2014, haviam sido cinco. Na última Copa, só duas.

Da Oceania vem a Austrália, que enfrenta a Argentina nas oitavas (hoje, às 16h). Aqui, vale uma ressalva: a Austrália deixou a Oceania futebolisticamente para representar a Ásia. Foi uma decisão política para aumentar a possibilidade de competir em Copas do Mundo.

Os asiáticos, que organizam o torneio pela segunda vez, são representados por Japão e a Coreia do Sul, que, juntos, eliminaram duas campeões mundiais: Alemanha e Uruguai. Irã e Arábia foram eliminados, mas com vitórias sobre País de Gales e Argentina.

A África também terá dois representantes: Marrocos e Senegal. É só a segunda vez que isso acontece, igualando 2014. Com um detalhe: os dois times são treinados por africanos, ex-jogadores da própria seleção. Marrocos por Walid Regragui e Senegal, Aliou Cissé. Tunísia e Camarões foram embora vencendo França e Brasil.

A Concacaf, confederação que reúne as federações nacionais das Américas Central e do Norte e do Caribe, classificou só um time: os Estados Unidos. O problema é que a próxima Copa será por lá. Em 2026, além de EUA, Canadá, eliminado com três derrotas, e México, que caiu na primeira fase pela primeira vez desde 1990, serão sede do Mundial.

Harry Langer/Getty
Neuer e a Alemanha, campeões em 2014, perderam para o Japão e caíram na primeira fase

Europa e América do Sul perdem força

Brasil e Argentina se classificaram e os europeus ocupam metade das vagas das oitavas de final. Isso representa uma queda. Esta foi, por exemplo, a Copa do Mundo em que mais seleções europeias perderam para rivais da periferia. Sete vezes.

País de Gales, Dinamarca, França, Alemanha, Espanha, Bélgica e Portugal sofreram, cada uma, uma derrota para times da Ásia, da África ou das Américas Central e do Norte. Em 2002 também haviam sido sete derrotas do continente Europeu, mas envolvendo menos seleções europeias (Portugal perdeu duas vezes, para EUA e Coreia).

O detalhe é que a pior Copa dos europeus chega, justamente, depois que eles criaram um torneio que ocupa as datas Fifa que impede amistosos contra seleções de outros continentes, a Liga das Nações da Uefa —o Brasil, por exemplo, jogou contra apenas um europeu em todo o ciclo por causa disso.

No caso dos sul-americanos, a Copa já começou desfalcada, com o Peru eliminado na repescagem pela Austrália. E, dos quatro classificados, dois ficaram pelo caminho: Equador e Uruguai. Sobram só Brasil e Argentina, ambos com asteriscos. Os argentinos perderam para a Arábia Saudita, na maior zebra da história das Copas. E a seleção caiu diante de Camarões, primeiro revés para um africano em Mundiais.

Buda Mendes/Getty Images

Mais gols do 'Sauditão' do que do Brasileirão

Os gols de Giorgian de Arrascaeta na vitória do Uruguai sobre Gana não serviram para levar os bicampeões mundiais às oitavas de final da Copa do Mundo, mas mostram que os clubes sul-americanos têm pouco peso no maior torneio do futebol mundial: foram os únicos marcados por um jogador que atua na América do Sul no torneio.

Ao colocar o Flamengo no mapa de artilheiros do Mundial, o uruguaio também escancarou a falta de protagonismo de outros gigantes continentais. Para resumir em uma frase: a Copa Libertadores quase não existe na Copa do Mundo.

As quatro seleções da Conmebol (a confederação da América do Sul) convocaram apenas 20 jogadores que atuam no continente. Nove deles estavam na seleção do Uruguai. São sete no Equador, três no Brasil e só um na Argentina. O 21º elemento no grupo é um costarriquenho, o zagueiro Juan Pablo Vargas, do Millonários (Colômbia).

Para efeito de comparação, a Copa do Mundo teve em sua primeira fase 5 gols marcados por jogadores que atuam em clubes da Arábia Saudita —incluindo os dois de Aboubakar, de Camarões. O Brasileirão tem o mesmo número de gols na Copa, dois, que os campeonatos da Austrália ou do Irã.

Dylan Martinez/Reuters
Ritsu Doan, do Freiburg, comemora gol contra a Espanha

Marrocos europeu e Japão alemão

Primeira colocada no Grupo F, a seleção de Marrocos pode não ter nome de favorita, mas tem talento para isso. Eles eliminaram a "grande geração belga" com o goleiro Bono, do Sevilla, os laterais Hakimi, do PSG, e Mazraoui, do Bayern de Munique, e um no meio-campo que brilhou com Sofyan Amrabat, da Fiorentina, e Hakim Ziyech, do Chelsea.

A surpresa japonesa, que venceu Alemanha e Espanha, tem oito convocados que atuam na Alemanha. Todos os gols na fase de grupos são deles: Takuma Asano, do Bochum; Ao Tanaka, do Fortuna Dusseldorf; e Ritsu Doan, do Freiburg.

A primeira fase também colocou novos nomes no radar do futebol mundial, como o zagueiro australiano Harry Souttar, do Stoke City, da segunda divisão inglesa, e os já eliminados Salem al Dawsari, autor de dois gols pela Arábia Saudita, do Al-Hillal, e Mohammed Kudus, polivalente meio-campista de Gana, que defende o Ajax.

ALBERT GEA/REUTERS ALBERT GEA/REUTERS

Os números da fase de grupos

  • 120 gols em 48 jogos

    São dois a menos do que na Rússia e uma média de 2,5 por jogo.

    Imagem: Hector Vivas - FIFA/FIFA via Getty Images
  • 64,3% nos pênaltis

    Esse é o aproveitamento (ruim) nos pênaltis no Qatar. Foram 14 cobranças e só 9 gols.

    Imagem: Hector Vivas - FIFA/FIFA via Getty Images
  • 5 artilheiros com 3 gols

    Morata (Espanha), Gapko (Holanda), Valencia (Equador), Mbappé (França) e Rashford (Inglaterra)

    Imagem: Jennifer Lorenzini/Reuters
  • Só 2 cartões vermelhos

    Os expulsos foram Aboubakar (Camarões) e Hennessey (País de Gales).

    Imagem: Charlotte Wilson/Offside/Offside via Getty Images
  • 0 times 100%

    Pela primeira vez desde 1994, nenhum time terminou com três vitórias na fase de grupos.

    Imagem: Tnani Badreddine/DeFodi Images via Getty Images
  • 9 gols marcados

    Os melhores ataques da Copa são da Inglaterra e da Espanha.

    Imagem: Michael Steele/Getty Images
  • 1 gol sofrido

    As melhores defesa são de Brasil, Marrocos, Croácia, Tunísia, EUA e Holanda.

    Imagem: David S Bustamante/Soccrates/Getty Images
  • 88.866 torcedores

    Público de Argentina x México, maior público em Copas desde a final de 1994 (94.194).

    Imagem: Maja Hitij/Getty

Seleção da primeira fase da Copa dos colunistas

Claudio Villa/Getty Images

Só se chuta de dentro da área

Quem gosta de ver gols de fora da área se frustrou com a Copa do Qatar. Em 48 partidas na fase de grupos, foram marcados 120 gols. Apenas 10 de longa distância.

As três rodadas da fase de grupos também mostraram que os gols de falta estão cada vez mais raros. Somente dois foram marcados: Marcus Rashford para a Inglaterra contra o País de Gales e Luis Chávez a favor do México diante da Arábia Saudita.

Uma das explicações é a estatística da moda entre treinadores e dirigentes, sobretudo na Europa: os gols esperados (expected goals, ou xG).

O índice de gols esperados (xG) é calculado com base em onde os jogadores decidem finalizar, considerando dados das últimas finalizações daquele mesmo local do campo, em eventos anteriores. Assim, chutar mais de perto e em regiões centrais de dentro da área aumenta as chances de a bola entrar.

A tática de chutar menos, mas chutar melhor, tem sido cada vez mais implementada na elite do futebol de clubes da Europa. Em 2022, ela chegou à Copa do Mundo.

Alexander Hassenstein/Getty Images
Vlahovic e o gesto polêmico

Roupa suja se lava na Copa

Escolher que seleção jogou o melhor futebol da primeira fase da Copa do Mundo não é fácil. Mais difícil ainda é decidir qual equipe lavou mais roupa suja em pleno Mundial.

A Bélgica se despediu da sua "Geração de Ouro" com trocas de ofensas entre jogadores. Segundo a mídia do país, incluindo agressões físicas. Kevin De Bruyne disse que o time "não ganharia a Copa porque estava velho", Eden Hazard falou que "nossos defensores não são os mais rápidos" e o zagueiro Jan Vertonghen completou que "também atacamos mal porque estamos velhos, não é?"

Na Sérvia, uma das explicações para eliminação seria um escândalo de traição envolvendo o atacante Vlahovic e a mulher do goleiro Rajkovic. A história cresceu tanto que Vlahovic teve de responder a respeito em uma entrevista coletiva. Negou, mas admitiu que ficou abalado por isso. E o gesto que fez quando marcou seu único gol no torneio NÃO foi uma resposta a isso —pelo menos foi isso que ele disse.

A cota de polêmica de uma seleção africana foi preenchida por Camarões. O goleiro André Onana, uma das estrelas da equipe, brigou com o técnico Rigobert Song e deixou a concentração entre o primeiro e o segundo jogos da fase de grupos. A versão oficial foi "divergência". Mas Onana insinuou que o técnico não se esforçou para que ele ficasse no grupo.

Por fim, a seleção uruguaia. Depois de empatar com a Coreia do Sul e perder para Portugal, Edinson Cavani foi perguntado sobre o que estava dando errado no time. "Pergunte a Alonso [Diego, treinador do time]. Ele pode falar mais da parte tática".

Não por acaso, os quatro estão eliminados.

Matthew Ashton - AMA/Getty Images

O gramado está começando a ficar ralo. Eu não sei o que é possível fazer, mas algo tem que ser feito".

Juninho Paulista, sobre o gramado do estádio 974. Com apenas oito estádios, o Qatar organizou a Copa com jogos mais próximos geograficamente, mas também com mais jogos nos mesmos gramados. E o nível está caindo enquanto a competição vai se acirrando.

JOHN SIBLEY/REUTERS JOHN SIBLEY/REUTERS

Cavani representou todos contra o VAR

Em sua segunda Copa, o VAR virou protagonista. Nos primeiros 48 jogos, foram 24 revisões: 12 de gols, 11 de pênaltis e 1 de cartão (um amarelo que passou a ser vermelho). Apenas em duas delas o árbitro consultou o vídeo e não mudou de decisão.

A primeira foi ainda na primeira rodada, em uma revisão de possível pênalti a favor da Dinamarca contra a Tunísia. O árbitro mexicano Cesar Ramos foi ao monitor e manteve a decisão de não assinalar a infração, em um toque na mão de Yassine Meriah. A partida acabou em 0 a 0.

A segunda aconteceu no último dia da fase de grupos, no confronto entre Uruguai e Gana, vencido por 2 a 0 pelos sul-americanos. Em uma entrada de Daniel Amartey em Darwin Nuñez, o árbitro alemão Daniel Seibert manteve a decisão de não marcar o pênalti após assistir ao vídeo.

Esse pênalti fez falta ao Uruguai, eliminado no saldo de gols pela Coreia do Sul no salto de gols. É por isso que, quando Edinson Cavani empurrou o monitor do VAR no chão, muitos uruguaios e todos os detratores do sistema no mundo inteiro comemoraram.

Reprodução

O fim da mesma linha

Outra novidade da Copa foi o impedimento semiautomático, em que um sistema de alta precisão detecta se um jogador está adiantado com relação ao penúltimo jogador rival —usando um sensor instalado dentro da bola, para detectar o momento do toque, e várias câmeras no estádio, para traçar a linha. Isso permitiu a marcação de lances com precisão de centímetros e o fim da mesma linha, como mostra esse lance, que aconteceu em Bélgica x Croácia.

Alex Grimm/Getty Images

Eficiente e histórica

Para terminar, a Copa levou 22 edições para promover a estreia da arbitragem feminina. E ela aconteceu em uma partida histórica também pelo seu desfecho, com a eliminação da Alemanha, apesar da vitória por 4 a 2 sobre a Costa Rica.

O trio, formado pela francesa Stéphanie Frappart e pelas auxiliares Neuza Back, do Brasil, e Karen Díaz Medina, do México, teve atuação elogiada, conduzindo com tranquilidade uma partida que não teve lances violentos ou problemas de disciplina dos jogadores. Foram apenas 11 faltas cometidas (3 da Costa Rica e 8 da Alemanha).

A atuação de Frappart foi muito comemorada também pelo local em que aconteceu. O Qatar adota um sistema de tutelagem que exige a permissão de um homem para uma mulher estudar, viajar ou trabalhar.

Visionhaus/Getty Images, Visionhaus/Getty Images, David S Bustamante/Soccrates/Getty Images, Ulrik Pedersen/DeFodi Images via Getty Images, Marvin Ibo Guengoer - GES Sportfoto/Getty Images, Adam Pretty - FIFA/FIFA via Getty Images Visionhaus/Getty Images, Visionhaus/Getty Images, David S Bustamante/Soccrates/Getty Images, Ulrik Pedersen/DeFodi Images via Getty Images, Marvin Ibo Guengoer - GES Sportfoto/Getty Images, Adam Pretty - FIFA/FIFA via Getty Images

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