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Time da várzea de SP combate preconceito em camisa que tem até braille

Inajar de Souza, da várzea paulistana, lança camisa contra o preconceito

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

28/04/2021 04h00

O Inajar de Souza, time com 42 anos de história no futebol de várzea de São Paulo, lançou sua nova camisa no último domingo (25). A novidade chama atenção logo à primeira vista, porque abaixo do escudo e do logotipo da fornecedora de material esportivo está escrito "Inajar" de três jeitos diferentes: com o alfabeto romano usado na língua portuguesa; em libras (gestos que representam a Língua Brasileira de Sinais, usada por pessoas com deficiência auditiva); e no alto-relevo do braille (sistema de escrita e leitura tátil para pessoas com deficiência visual).

Ainda há na camisa outros sete símbolos que remetem à campanha de lançamento do uniforme, "Xô, preconceito".

Além da mensagem sobre respeito às pessoas com deficiência auditiva e visual, estão representadas na parte de trás do uniforme as lutas contra a discriminação às pessoas com deficiência física ou de mobilidade, autismo e síndrome de down, e ainda o punho cerrado do combate ao racismo, as cores do arco-íris da bandeira LGBT e o símbolo universal de respeito aos idosos. Nos ombros da camisa estão os emblemas da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre acessibilidade.

O tema da inclusão, principalmente relacionado ao preconceito racial, existe no nosso DNA há um certo tempo. Somos um time de comunidade, de favela, como temos a honra de falar, e sentimos na pele o preconceito. Quem sofre discriminação fora da favela, em que até emprego é difícil conseguir, aqui dentro é a maioria de nós. Então quando você levanta uma bandeira por inclusão já abraçam a causa."
Ricardo Boga, conhecido como "Magrão Inajar", diretor de esporte da equipe.

A história da campanha é mais ou menos assim: a fornecedora de material esportivo do Inajar de Souza, Kings Sports, decidiu confeccionar uniformes especiais para seus times mais importantes. A ideia era representar as maiores conquistas do time dentro de campo, mas o debate foi levando para um lado de homenagem ao povo que veste a camisa e suas lutas. Durante uma das reuniões é que nasceu o lema "Xô, preconceito", porque alguém lembrou que era um bordão de Regina Casé no programa "Esquenta", da TV Globo.

Mas decidiram trabalhar melhor o conceito. Ou, como dizem, "engrossar o caldo do feijão". O Bloco Carnavalesco Inajar de Souza, fundado em 2005 e que desfila no Grupo Especial de Blocos da UESP (União das Escolas de Samba de São Paulo), terá o "Xô, preconceito" como enredo em 2022. O samba foi composto por Mestre Colorado, Erik Kim, João e Maurício do Cavaco e um pedaço da letra também está na camisa do time.

Sem racismo no caminho que a favela vai passar."

Hoje os campeonatos de futebol na várzea estão suspensos em São Paulo. Há uma perspectiva de que a volta aconteça no segundo semestre de 2021, mas nada confirmado à espera do abrandamento dos números da pandemia da Covid-19. Esperam ansiosos não só o time, que tem um título do tradicional Desafio ao Galo no currículo, como o bloco de Carnaval e a torcida "Mil Grau" com sua bateria "Fúria do Índio" conhecida na Favela da Divineia, no bairro da Vila Nova Cachoeirinha (zona norte de São Paulo).

Modelo com Síndrome de Down participou do lançamento da nova camisa do Inajar de Souza Imagem: Juh na Várzea

O lançamento da nova camisa foi feito pelas redes sociais, mas a diretoria do clube garantiu a princípio apenas 200 modelos com a fornecedora para venda, podendo ampliar em caso de sucesso. O Inajar de Souza paga o custo e reverte o lucro das vendas para financiar o time. "Temos que ter o pé no chão, somos um time de pobre. Não podemos nos comprometer com uma grande produção, ainda mais que hoje nas comunidades o dinheiro que chega é para comer. Mas temos esperança de a mensagem cativar o pessoal", diz Ricardo Boga.

Para quem não for da comunidade haverá venda por meio do WhatsApp com seis vendedores: Marcelinho (011 949 005 740), Eliel (011 989 453 922), Valdemar (011 954 660 388), Dika (011 985 979 957), Diego (011 982 935 396) e Dodô (011 967 094 953).

Assim diz Ricardo Boga: "Disseram que estamos fazendo uma coisa corajosa que ainda não se faz nem no futebol profissional. Podem surgir comentários de que é muito 'mimimi', alguma coisa assim, mas eu não estou preocupado. Quero fazer um trabalho de conscientização contra o preconceito. Nosso objetivo é disseminar essa mensagem no mundo varzeano e atingir outros segmentos. Eu tenho 62 anos, já fiz brincadeiras com falta de respeito, mas fui corrigido pelos meus filhos e hoje tento ter um pensamento mais abrangente. Nossa ação no mínimo provoca reflexão. E quando tem muito elogio já inibe o cara que vai falar mal. A vergonha mudou de lado (risos)."

Modelos lançam camisa do Inajar de Souza, time da Zona Norte de SP. Inscrição em braille é em alto-relevo Imagem: Juh na Várzea

Veja a letra do samba "Xô, preconceito":

A.C.E.B.C.Inajar de Souza
Carnaval 2022: Xô Preconceito
Compositores: Mestre Colorado, Erik Kim, João e Maurício do Cavaco

"Eu não sou igual a ninguém
A sua diferença me faz tão bem
Sou Inajar peço respeito
Xô, preconceito

Que a igualdade se revele
Tenha a consciência do seu valor
Admiro a sua pele e você respeita a minha cor
Quando o direito é roubado
Fortalece o pecado, entristece o criador
Viva a diversidade pro mundo dignidade, tolerância e amor

Pare de julgar, mude o seu conceito
Discriminação já não aceito
Hoje a Divineia te convida pra sambar
Sem racismo no caminho que a favela vai passar

Vejam... tem que ser respeitado
Gordo, magro ou sarado
Cadeirante ou pastor
A mulher conquistou o seu espaço
Cabe o mundo nos seus braços, tem família e poder
Respeite a velha guarda que amanhã será você
O índio reuniu toda a cidade
Preconceito é maldade
Meu bloco é só felicidade
".

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