Jogador no Marrocos vira encantador de serpente e diz ganhar mais dinheiro
Luiza Oliveira
Do UOL, em Marrakech (MAR)
15/12/2013 12h00
Mehdi Sadih parece comandar as serpentes pelo pensamento. Apenas com um olhar sério e fixo, elas o obedecem e retomam a sua postura ereta. Sabem que é hora de trabalhar. Com o som da flauta, fazem sua dança rebolante como se soubessem que precisam seduzir os turistas.
Elas não ouvem o som, mas sentem a vibração no solo e se encantam com a forma e o movimento da flauta que aumenta o ritmo e o volume a cada segundo.
Admirados, os turistas param diante delas com um misto de medo, asco e curiosidade. É o suficiente para este marroquino de 40 anos dar o bote. Com uma de suas pupilas rebolantes nas mãos, se aproxima da presa e a convida para uma foto.
A essa altura o turista já entrou no clima e topou até deixar uma cobra enrolar em seu pescoço, algo impensável cinco minutos atrás. A cara de susto ao tocar as escamas geladas dá lugar aos risos como quem estivesse vivendo a maior aventura de sua vida. Vale pegar, enroscar no pescoço, na cabeça e até beijar uma delas para que a aventura seja completa.
Ao final, os dirhams e, às vezes, salgados euros são depositados no chapéu. Ele não bobeia e chega a pedir 30 euros ( o equivalente a R$ 96). Gol para Mehdi. A cena é repetida dezenas, centenas de vezes por dia. E é com esse trabalho que ele tem uma vida confortável e se gaba exibindo o telefone celular de última geração.
Com o trabalho na Jemaa el Fna e em shows nos hotéis à noite, ele não sente falta da época de jogador de futebol do KACM. Mehdi diz que jogou categorias de base do Kawkab de Marrakech, time mediano do Campeonato Marroquino.
O marroquino afirma que jogou até perto dos 18 anos na equipe conhecida como KACM por suas siglas iniciais - Kawkab Athlétique Club de Marrakech - e quase chegou a ser profissional como goleiro, já que tem altura invejável para muitos atletas da posição.
Mas, segundo ele, uma série de problemas o afastou dos campos e o sonho foi interrompido. Uma grave lesão no joelho, a dificuldade de se firmar como titular e a necessidade de ajudar os pais e colocar comida na mesa o fizeram repensar o sonho.
Ele também admite que não era nenhum Casillas ou Valdés, goleiros dos times mais amados no Marrocos, Real Madrid e Barcelona. Acabou preterido por concorrentes mais qualificados. Assim, não conseguiu uma chance no time profissional.
Acabou abandonando a carreira para seguir apenas a profissão de seu pai com a arte de encantar serpentes. A cultura existe há mais de 200 anos na praça Jemaa El Fna e parte de pai para filho. Agora que seu pai ficou velho, coube a ele assumir o cuidado com as suas 'filhas', como chama as serpentes. E ele diz que não se arrepende.
“Futebol no Marrocos não dá dinheiro. É diferente do Brasil, do futebol internacional, de Real Madrid e Barcelona. Aqui é muito difícil”, conta. “Serpente é melhor”, garante, fazendo sinal de dinheiro com as mãos.