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O que é macumba? Termo deriva do instrumento e se tornou nome de culto

Devotos da umbanda rezam e dançam em homenagem à deusa Iemanjá em Copacabana, no Rio Imagem: Daniel Ramalho/AFP

Giacomo Vicenzo

Colaboração para Ecoa, de São Paulo (SP)

17/07/2022 06h00

Nos últimos cinco anos as denúncias de intolerância religiosa triplicaram no estado de São Paulo, e leis, como a 17.157/2019, asseguram penalidades aplicadas a práticas discriminatória por motivos religiosos.

Termos como macumba e macumbeiro são usados de forma pejorativa, mas também nomeiam um culto religioso de matriz africana e são ressignificados por praticantes como forma de afirmação. Ecoa conversou com um antropólogo e sacerdote de religião afro-brasileira para entender sobre o tema.

O que é macumba e qual a origem e uso do termo?

'Todo brasileiro tem mais de candomblé do que ele pensa que tem.', Rodney William Imagem: Divulgação

De forma geral, macumba é um instrumento de percussão de origem africana e próximo ao reco-reco. No entanto, a palavra também acaba sendo usada em tom pejorativo para se referir tanto às oferendas e a entidades religiosas de matrizes africanas, quanto às próprias religiões e seus praticantes (chamados pejorativamente de macumbeiros).

"O termo macumba se generalizou por vários motivos. A relação com o instrumento é o menos relevante. De fato, havia um culto com esse nome e alguns pesquisadores defendem que as 'macumbas cariocas' foram tão populares a ponto de denominar todos os cultos de matriz africana por um bom tempo", explica Rodney William Eugenio, babalorixá, antropólogo, doutor em ciências sociais (PUC-SP) e autor da obra 'Palavras de Axé e Apropriação Cultural'.

Qual relação do termo macumba e com o racismo?

De acordo com Rodney William, a marginalização das manifestações do povo negro torna pejorativo todos os elementos relacionados a essa cultura — da religião ao samba, da capoeira aos bailes funks — e tem relação com o racismo.

"Na verdade, o uso da designação macumba ou macumbeiro entre os adeptos das tradições afro-brasileiras sempre foi normal. Havia, entretanto, uma regra: só um macumbeiro poderia chamar outro macumbeiro de macumbeiro. Ao assumir essa identidade, acreditamos que estamos fortalecendo nosso território de resistência", explica.

"Se quem pretende nos ofender usa a palavra como xingamento é porque atribui a ela o mesmo teor negativo que a palavra negro já teve. Tudo tem sido ressignificado e hoje o povo de terreiro diz com orgulho que é macumbeiro, da mesma forma que o pertencimento à raça negra tem sido exaltado", continua.

O antropólogo e sacerdote de religião de matriz africana lembra que a demonização de entidades também diz respeito a uma síntese do racismo brasileiro.

"Não podemos perder de vista que Exu foi demonizado, mas essa demonização é uma síntese da demonização do povo e da cultura negra. O negro passou por um processo de exclusão e marginalização que o colocaram muito próximo daquilo que aconteceu com Exu", afirma Rodney.

Qual a forma correta de se referir aos cultos de matrizes africanas?

Exu foi exaltado pela escola de samba Grande Rio Imagem: Alexandre Durão

Apesar da ressignificação da palavra macumba/macumbeiro, Rodney William alerta que essa não é a forma correta de se referir aos cultos de matrizes de africanas.

"A palavra foi e ainda é usada como xingamento e a depender do tom e do contexto se enquadra entre as principais práticas do racismo e da intolerância religiosa. E a palavra só se tornou ofensiva porque tudo que está relacionado ao negro foi desqualificado em nossa sociedade", explica o antropólogo.

"Samba era coisa de vagabundo, capoeira era coisa de marginal, e macumba [era coisa] de gente ignorante e mal-intencionada. As pessoas devem se referir ao candomblé, à umbanda e a quaisquer outros cultos de matriz africana ou afro-indígena da mesma forma que se referem às demais religiões: com respeito. A palavra macumba já foi ressignificada entre nós, mas é melhor que seu uso para se referir às religiões e tradições de matrizes africanas fique restrito aos adeptos", completa.

O antropólogo ainda enxerga como saída a educação na base curricular para que preconceitos do tipo deixem de ser reproduzidos. "É preciso mexer nas escolas e na educação para que se atinjam as famílias e deixemos de reproduzir velhos modelos de discriminação, que obviamente tem a ver com a condição do negro na sociedade brasileira", afirma.

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