Construindo vínculos

Entre o campo empresarial e social, Ricardo Leal conta como tem usado seus privilégios a favor das periferias

Paula Rodrigues De Ecoa, em São Paulo Flora Negri/Divulgação

Ricardo Leal é dessas pessoas que não param quietas. O gosto pela liberdade que o acompanha desde a infância lhe causou alguns problemas ainda na escola. Não conseguia acompanhar o conteúdo ensinado. Para tentar melhorar a situação, os educadores sugeriram que ele fizesse terapia.

O contato com o mundo da psicologia aos 11 anos foi tão importante que, quando chegou a hora de pensar sobre uma faculdade, optou por cursar psicologia. "A formação me levou para fazer estágio na periferia e esse trabalho fez com que eu passasse a atuar cada vez mais nesse território", conta.

Desde então não parou de querer conhecer mais pessoas e as realidades em que vivem e divide sua atuação liderando projetos como o Em Movimento, a Arapyaú e a banda Jardim a Jardim, que reúne artistas periféricos e de bairros centrais.

Ricardo vem dialogando com diferentes grupos da sociedade para tentar criar coletivamente soluções para construção de um mundo socialmente mais justo e ambientalmente mais saudável — valores que aprendeu em casa com o pai, o empresário Guilherme Leal, fundador da Natura.

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Assistir ao interesse do seu pai por questões sociais e ambientais te influenciou de alguma forma?

Totalmente. Faço a brincadeira que a Natura é minha irmã. Me influenciou porque eu fui vendo a gente mudar de patamar. Ele começou a comprar uns carros e foi um momento que a gente quase se deslumbrou com tudo aquilo. Ele percebeu isso e deu uma chamada em mim e no meu irmão mais novo, falando que não queria que a gente fosse boyzinho. Depois que ele começou a se envolver com sociedade civil, acabou conhecendo os parceiros com quem fundou o Instituto Ethos. Assisti às reflexões na mesa de jantar sobre a questão da responsabilidade social que a empresa precisava ter.

E, para você, qual o papel das empresas para a transformação da nossa sociedade?

A empresa é um lugar formativo. E pode ser muito boa se for bem conduzida na medida em que abre oportunidades. Mas é preciso estar aberto a escutar o outro e não ignorar os números da desigualdade, né? Quando você começa olhar para a taxa de mortalidade, o número de desempregados, o genocídio da juventude negra, o machismo que reflete nos salários desiguais para mulheres. Porque na hora que você começa a enxergar os números da desigualdade não dá pra ficar parado e fingir que não está acontecendo e que o liberalismo e a meritocracia vão resolver.

Como você analisa a ligação entre meio empresarial e assuntos pautados pela sociedade?

Como psicólogo trabalhando com crianças, a diversidade é uma premissa de trabalho e uma ferramenta. As dinâmicas de construção da sociedade deixaram muita gente à margem. Acho que quem não se abrir pra isso vai ficar pra trás. Não tem mais como as empresas ignorarem isso, não cabe mais no mundo não considerar essas pautas, na minha leitura. Acredito que as empresas estão se abrindo sim para questões sociais, ambientais e raciais, mas a gente ainda tem um processo longo.

A gente entende que você precisa devolver de alguma maneira para a sociedade o que ela um dia já te deu. Com um grande patrimônio tem que vir uma grande responsabilidade porque você tem poder de influenciar a vida de muita gente. A filantropia é uma maneira de contribuir para a construção do melhor mundo possível.

Ricardo Leal

Todos seus projetos são muito baseados na coletividade. Por que a colaboração tem esse papel fundamental na sua vida?

Aprendi nesse processo que a gente não faz nada sozinho. E como psicólogo também aprendi sobre a importância da escuta. Quando você vai fazer um projeto em algum lugar é preciso saber escutar aquelas pessoas que estão no território. Não adianta chegar com uma solução mágica de alguém que vive Sempre tive essa reflexão: qual é o limite da ação? Como a identidade de cada um pode ser levada em consideração? Como criar processos e ambientes que façam sentido para quem está nesses territórios?

É importante ter o compromisso de construir ambientes de troca que sejam capazes de endereçar soluções objetivas, mas que mantenham uma abertura para que essa formulação seja coletiva.

E na sua vida e trabalho você tem tentado promover o encontro entre pessoas de realidades diferentes, correto? Como tem sido isso?

Foi ouvindo Racionais que eu entendi que a gente vive numa bolha e não vai dar pra ficar só nessa bolha. A minha história foi me levando a estar mais em contato com as periferias, mas ao mesmo tempo me chamaram para fazer parte de um grupo de jovens de grandes famílias de empresários. São indivíduos da nova geração de grandes famílias empresárias que se reúnem para poder pensar uma nova visão de Brasil. É uma turma que tem um ponto de vista totalmente diferente do meu, é uma galera mais de direita, então vivi toda essa polarização lá dentro. Era difícil. Pensei: "se sou um advogado da diversidade, me recusar a conversar com a elite não faz sentido. Se sou a favor da diversidade, converso com qualquer um."

Qual papel a música e a cultura desempenham na sua vida e trabalho?

Acredito que um dos sintomas do desequilíbrio da nossa sociedade é que a gente renegou a cultura apenas ao entretenimento, quando sempre foi mais que isso. Achava desimportante querer trabalhar com cultura frente à urgência de se falar sobre meio ambiente. Mas a verdade é que a cultura, além de tantas coisas, é uma grande ferramenta de construção de vínculos e autoconhecimento.

Flora Negri/Divulgação Flora Negri/Divulgação
Flora Negri/Divulgação

Na Em Movimento vocês criaram uma aliança de organizações que pensam em projetos voltados para a juventude. Para você, qual a importância de trabalhar com o fortalecimento e apoio aos jovens no Brasil?

Quando a gente pensa em sustentabilidade, não tem como não pensar na juventude. Porque se você está pensando em promover um debate que seja duradouro, é preciso ter um diálogo intergeracional. Se a gente não fizer alguma coisa, se não conseguirmos aproveitar essa janela de oportunidade que é essa grande população jovem e a potência que isso tem, a gente tende a ficar para trás. Vamos envelhecer rápido e corremos o risco de não inserir boa parcela da população nos nossos planos, deixando os jovens cada vez mais improdutivos, o que vai ser um problema para a sociedade como um todo.

Você faz parte de um grupo de herdeiros das maiores fortunas do Brasil. Como você encara isso? Sente que de alguma forma sua responsabilidade com a sociedade aumenta por causa disso?

Com certeza! Posso levar isso de uma maneira mais leve e criativa ou para um lado penoso e paralisante. Confesso que oscilo entre uma coisa e outra. Mas sei que na hora que puder vou conseguir facilitar o acesso à oportunidade para algumas coisas e pessoas. Sinto que tenho responsabilidade maior por ter mais dinheiro. Seria um desperdício não aproveitar a minha condição privilegiada para tentar melhorar a situação de outras pessoas. Quando vou para as periferias, não acho que vou virar mano, vou para lá sabendo que eu sou boy, mas um boy que está querendo trocar ideia, que sabe que a gente é diferente, mas acredita que a gente tem muita coisa em comum também. Por isso é necessário ter um movimento de reparação, tem que ter mais acesso para a maioria, tem que ter um reequilíbrio da sociedade.

E dá para acreditar que o futuro pode ser melhor?

Tem que dar! Tem um tanto de ingenuidade que eu venho perdendo e que às vezes me deixa um pouco mais amargo, mas acho que dá. No meu conceito de saúde e equilíbrio não adianta estar bem aqui no meu bairro se o entorno vai estar todo ferrado. As minhas escolhas de consumo aqui vão afetar a vida das pessoas nas periferias. Estamos todos na mesma casa, não tem o lado de fora no mundo. Uma hora ou outra as coisas vão acontecendo, vão ganhando corpo. Apesar de todo caos social que a gente vive, vejo várias luzes de força e união nesse país.

O problema está na sociedade que sempre pensa em como solucionar o problema do jovem, em vez de enxergar a juventude como a solução.

Ricardo Leal

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