Muito além do lucro

Brasileiro mais criativo do mundo dos negócios prega aliança de propósito e lucro para empresas

Edison Veiga Colaboração para Ecoa Fernando Moraes

Em 2012, a revista americana Fast Company listou o brasileiro Lourenço Bustani, então com 32 anos, como uma das 100 pessoas mais criativas no mundo dos negócios. Ele foi o único representante do nosso país na lista.

O reconhecimento veio por conta de sua empresa de consultoria empresarial, a Mandalah, fundada em 2006, em São Paulo, e com escritórios espalhados por cidades, como Portland e Nova York (EUA), Tóquio (Japão), Berlim (Alemanha) e Cidade do México

Nos últimos dez anos, discurso de Bustani deixou de ser uma excentricidade no mundo dos negócios, "vide o lugar que a palavra 'propósito' ocupa hoje nas salas de conselho das principais empresas do país.", diz o consultor.

Mas nem sempre é fácil trazer uma consciência - palavra que ele gosta de repetir, sempre com propriedade - para o empresariado, que faça com que os negócios, muito além do lucro, também busquem impactar positivamente a vida em sociedade.

"A consciência se elevou muito desde que plantamos essa sementinha em 2006, mas consciência e ação nem sempre andam juntas. Pois apesar da consciência de que negócios precisam ser mais justos, equitativos e regenerativos, lideranças são ainda reféns de pontos cegos sustentados pela ganância, mindset de escassez, medo e curto prazismo", afirma Bustani.

"Uma voz lá dentro sabe o que deveria ser feito, mas a voz do ego fala mais alto.", diz. "E assim seguimos cultuando bilionários como as grandes referências de um mundo atrofiado pela desigualdade. Vai entender..."

Fernando Moraes
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O mundo sem carros de uma fábrica de carros

Um caso que exemplifica bem o trabalho da Mandalah é o trabalho feito para a montadora de automóveis GM, a partir de 2007. Foi o turning point da própria Mandalah, o projeto que alçou a consultoria ao panteão das grandes empresas multinacionais.

Na época, cada contrato firmado com a Mandalah dificilmente ultrapassava a cifra de R$ 5 mil. A GM pagou US$ 88 mil pelo trabalho, que consistiu em mudar a perspectiva: pensar num reposicionamento a partir da premissa de um futuro sem carros. A General Motors, assim, seria melhor se assumisse o nome General Mobility. Mobility, em inglês, significa "mobilidade".

"Falamos de um mundo sem carros com motores a combustão para a GM em 2007, 16 anos atrás, pois prevíamos que as cidades e o planeta não os comportariam mais", recorda. A Mandalah chegou dizer para a montadora que "seu negócio estava se tornando o cigarro do século 21".

"Em 2007, reposicionamos a marca Chevrolet na América Latina, e uma das ativações foi de um portal de caronas, o primeiro do mundo de uma montadora", diz Bustani.

Em 2010, fizeram um estudo global para a empresa para ajudá-los a direcionarem seus investimentos nos próximos 20 anos, vislumbrando um futuro para além de carros com motores à combustão. Culminando no lançamento do Bolt, carro elétrico da GM, no Brasil. Seguindo essa linha, em 2022, a GM apresentou a GM Energy, sua unidade de negócios voltada a soluções para veículos elétricos.

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Cosmopolita desde o nascimento

Bustani é um cidadão brasileiro que já nasceu internacional. No caso, em Nova York. Filho de diplomatas, ele trilhou por diversos países antes de se fixar no Brasil - mora hoje na Granja Viana, zona oeste da cidade de São Paulo, com a mulher e o filho, recém-nascido, em 2022.

"Pulei de país em país a minha vida toda", conta. Ele se formou em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos e, ainda no país norte-americano, trabalhou em startup de tecnologia, em banco, em consultoria de gestão, em consultoria de branding e em escritório de advocacia.

Quando decidiu se estabelecer no Brasil, portanto, já tinha uma bagagem e um currículo de respeito. Aí fundou a Mandalah. A empresa é uma consultoria de inovação. Mas como se baseia nos princípios defendidos por Bustani, o que ela busca é fazer com que empresários entendam a falência do lucro pelo lucro - o ganho precisa vir, é claro; mas precisa se basear em propósitos, em um legado por um futuro melhor.

"A Mandalah, assim como as demais atividades nas quais me envolvo, é uma manifestação dessa busca."

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Independentemente do cliente e do setor, é preciso alinhar o que a empresa faz com o que o mundo precisa. É assim que lucro e propósito dançam juntos. É assim que se inova.

Lourenço Bustani, consultor de inovação

Muitos braços

Hoje Lourenço Bustani compartilha a liderança da Mandalah com o sócio, Victor Cremasco, e também se divide entre quatro outras atividades. Não é mais só o rosto da Mandalah, e isso ele faz questão de afirmar.

Bustani quer, cada vez mais, interferir positivamente nos rumos da sociedade. Em 2018, foi o coordenador geral da campanha à presidência da República da então candidata Marina Silva (Rede) - política reconhecida nacional e internacionalmente pela pauta ambiental.

Ele também é cofundador da 1.2.3.5.8, uma sociedade entre a Mandalah, o Grupo Dreamers - produtores do festival Rock in Rio - e a empresa de design e branding Tátil. "Desenhamos e executamos projetos de impacto para marcas como Google, Gerdau e Suzano", explica.

O consultor também integra o conselho do Sistema B, braço brasileiro do movimento internacional de certificação B-Corp - que reconhece empresas com altos padrões de desempenho social e ambiental, transparência e responsabilidade legal. E preside o conselho do Instituto Phaneros, uma instituição sem fins lucrativos focada em psicoterapia assistida por psicodélicos para o tratamento de transtornos mentais e educação de profissionais de saúde.

"Também sou sócio de um fundo de venture capital nos Estados Unidos, que investe em empresas de Biotech focadas em avanços em saúde mental", ressalta.

Não é só isso. Bustani se preocupa com a tragédia ambiental e climática que o planeta enfrenta. Ele é investidor e conselheiro da empresa Um Grau e Meio, iniciativa que utiliza inteligência artificial e tecnologias geoespaciais para combater incêndios florestais. "Seu nome reforça o compromisso com a meta estipulada no Acordo de Paris, de manter a elevação da temperatura na Terra abaixo de 1,5°C [acima dos valores pré-industriais]", explica.

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Separando o joio do trigo

Se por um lado as inovações propostas há mais de 15 anos por Bustani estão cada vez mais presentes no mundo dos negócios, por outro também é grande a profusão de discursos que se amparam no socialmente correto mas, no fundo, não passam de marketing barato.

Ele acredita que aquilo que separa as empresas realmente comprometidas das que se apoiam em picaretagens empoladas no discurso do bem é a constância a longo prazo. "Quem não demonstra coerência com o que prega, despenca do pedestal e paga uma conta cara, tendo que catar os cacos de uma reputação despedaçada", afirma.

Aos empresários que queiram enveredar por essa jornada mais consciente, Bustani tem as dicas na ponta da língua. "A atitude mais eficiente é a de se conhecer melhor enquanto pessoa, e em seguida como líder. Saber a que você veio é um convite a conectar seus dons e talentos com o que mundo, de fato, está precisando", aconselha. "Legado é isso: fazer jus ao milagre de estar vivo, sendo útil para o mundo a sua volta."

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