"É muito importante a mulher estar à frente de qualquer liderança dentro das nossas comunidades como forma de mostrar o quanto somos fortes e capazes de exercemos também muito bem a função de liderança e servir de boa inspiração para as futuras gerações", disse Carmem Canlem Criri, 27, cacique recém-nomeada na aldeia Kóplag que integra a Terra Indígena Klãnõ Xokleng, em Santa Catarina.

Carmen era uma das líderes presentes na 2ª Marcha das Mulheres Indígenas que ocupou Brasília entre os dias 7 e 10 de setembro para lutar pelos direitos das populações indígenas. Sob o tema "Mulheres Originárias: Reflorestando mentes para a cura da Terra", a mobilização reuniu quatro mil mulheres de 150 etnias de diversos estados do país e fortaleceu o apoio ao acampamento Luta Pela Vida que tenta barrar o Marco Temporal.

O acesso à educação foi fundamental para que mais mulheres indígenas se pudessem se envolver em política e buscassem ocupar cargos de liderança em suas comunidades e também fora delas. É o que afirma Ioco Canleng, 49, e liderança da etnia xokleng, da Aldeia Figueirinha, também em Santa Catarina.

"No passado, as mulheres não tinham conhecimento dos próprios direitos, leis e política, mas hoje os tempos são outros. Depois da escola, passamos a nos interessar pelo assunto e, assim como eu, nos candidatar para ocupação de cargos de lideranças e caciques para ajudar e lutar por melhorias do povo", disse ela, que também esteve na Marcha em Brasília. "Foi uma experiência incrível que só fortaleceu nosso papel social, o que mostra o quanto somos fortes e guerreiras."

"A etnia xavante é totalmente patriarcal, destacando sempre o papel político social dos homens nas lideranças de nossas comunidades. Somos preparados desde pequenos para essa ocupação, enquanto as mulheres também exercem esse papel, mas de forma discreta e nos bastidores", explicou o professor Paulo Cipassé Xavante, cacique da etnia xavante, na Aldeia Wederã da Terra Indígena Pimentel Barbosa, em Mato Grosso. Ele é um dos defensores da maior presença de mulheres em cargos de liderança. "Sou pai de uma filha mulher, e se ela escolher ser cacique ou liderança, teria meu total apoio. Os tempos são outros e, através da educação escolar, reuniões e trabalhos, as mulheres têm se capacitado para essa ocupação também, e têm meu total apoio", afirmou.

Não há dados oficiais consolidados sobre a liderança indígena feminina, mas para quem vive o dia a dia do movimento é expressiva a força crescente das mulheres.

"Nós mulheres precisamos ser ouvidas e respeitadas dentro do movimento indígena e ter sempre o nosso lugar de falar, pois a mulher é importante para direcionamento e ensinamentos aos nossos filhos para que no futuro as próximas mulheres não sofram por conta desse machismo cultural. Estamos a cada dia avançando, mas aos poucos. E isto não pode parar. A luta é diária. Somos as bases do nosso povo", disse Angela Maria Teixeira dos Santos, conhecida como Angela Tapeba, 37, da aldeia Tapeba Cipó, em Caucaia (CE).

Chacoalhando maracás, com pinturas de guerra, colares e cocares na cabeça, as mulheres Indígenas marcharam na manhã do dia 10 do acampamento na Funarte, região central de Brasília, até a Praça do Compromisso, onde Galdino Pataxó foi queimado vivo por jovens brasilienses em 1997 e hoje é lembrado por uma estátua em sua homenagem.

Em protesto, as mulheres indígenas queimaram um boneco simbolizando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e compartilharam gritos de "Demarcação Já" e "Fora Bolsonaro". A mobilização foi promovida pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANIMIGA) e a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (APIB) com audiências e ações culturais das mulheres no espaço da Fundação Nacional de Artes (Funarte).

O encontro anual teve de ser cancelado em 2020 devido à pandemia do novo coronavírus e pode ser realizado agora com a vacinação das populações indígenas. A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas havia reunido 2.500 entre os dias 9 e 14 de agosto de 2019, também na capital federal, com o tema "Território: nosso corpo, nosso espírito".

A votação do Marco Temporal foi suspensa nesta quarta-feira (15) após o ministro Alexandre de Moraes pedir vista dos autos no julgamento. A decisão foi adiada por tempo indeterminado e volta à pauta do tribunal quando Moraes liberar o processo e uma nova sessão for agendada pelo Supremo.