Do Oiapoque a Sinop

Cinco amazônidas, que lutam pela sustentabilidade da Amazônia, contam o que esperam do futuro do bioma

Marcos Candido De Ecoa, em São Paulo (SP) Montagem

A Amazônia brasileira é habitada por indígenas, quilombolas e ribeirinhos, que falam idiomas diversos, mas há nela também grandes e pequenas cidades urbanizadas, indústrias, ciência e tecnologia de ponta, desigualdades e riquezas. Ecoa fez uma pergunta simples para cinco moradores da região espalhados entre os dois extremos do bioma: qual será o futuro da Amazônia?

Montagem
Arte Uol Arte Uol
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Alta Floresta, Mato Grosso

O biólogo e ambientalista Everton Miranda é do Rio de Janeiro, mas se mudou para a Alta Floresta, em Mato Grosso, e não pretende voltar. Desde 2015, coordena um programa de turismo e de resgate de harpias, maior ave de rapina brasileira, em Alta Floresta e em Sinop (MT).

A harpia é carnívora e está no topo da cadeia alimentar, é a maior águia do mundo e se alimenta de preguiças e macacos. Everton paga a moradores que acham ninho ou ave. Assim, criou uma rota de turismo de observação. O dinheiro vai para um abrigo. Quando chegou na Amazônia mato-grossense, imaginou que projetos de conservação seriam difíceis de serem colocados em prática na região.

Não à toa, os estados do Centro-Oeste costumam ser lembrados como pólo do agronegócio. Já a Amazônia seria, no imaginário popular, um lugar só com rios, indígenas, uma natureza imperativa e desigualdades. Em Mato Grosso, encontrou uma mistura das duas realidades, - e mais um pouco.

"Aqui tem cinema, shoppings, e uma urbanização muito avançada e rica junto com áreas de conservação", diz Everton. Segundo ele, é possível encontrar árvores com diâmetros imensos em meio às ruas, nas áreas de conservação.

Eu quero que, no futuro, milhões dos que vivem na amazônia tenham uma vida mais próspera, com os mesmos acessos de muitas pessoas no Sudeste, sem que a floresta seja derrubada. Quero ainda mais atividades compatíveis com a floresta e produção de riqueza

Everton Miranda, Alta Floresta, Mato Grosso

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Oiapoque, Amapá

A líder indígena Simone Karipuna vive em uma aldeia em Oiapoque, município popularmente lembrado como o local "mais ao norte no Brasil". A Terra Indígena Juminá fica na fronteira com a Guiana Francesa, cortada pelo rio Oiapoque. Nas palavras de Simone a reserva remete a um paraíso com animais, árvores e rios fartos de peixes que desembocam no mar. "As pessoas viveriam por um bem maior se tivessem tido a infância maravilhosa que eu tive e tenho com meu povo", diz. Tal paraíso não é um cenário imune a problemas, no entanto.

Durante a pandemia, lideranças indígenas do Oiapoque morreram contaminadas pela covid-19. Quando a vacina chegou, as fake news se espalharam. Segundo Simone, corria o boato de que as vacinas introduziam microchips e provocavam doenças. "As informações falsas nos tiraram vidas", diz.

A líder que se encantou com movimento indígena por influência dos pais articulou campanhas de conscientização, monitorou casos e organizou barreiras para quem entra e sai do território indígena. A maré contrária foi forte, mas todos os indígenas do Oiapoque estão vacinados.

Outra batalha está no horizonte: no final de agosto, Simone esteve em Brasília, participando do maior protesto indígena realizado no Brasil desde 1988. Eram 6 mil "parentes" de diversas etnias protestando contra a possível revisão e destruição de terras indígenas em curso na capital federal, com a votação do Marco Temporal.

Eu espero que nossas vidas indígenas possam viver sem que outros suguem a nossa terra. Quero respeito pela Mãe Terra, que consigamos ver as florestas em pé e que as políticas públicas fortaleçam nossas organizações e nossos territórios

Simone Karipuna, Oiapoque, Amapá

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Lábrea, Amazonas

Francemir dos Santos "Mika" organiza e conscientiza castanheiros sobre o meio ambiente em Lábrea, Amazonas, a cerca de cinco horas de Porto Velho (RO). Mika mora especificamente na comunidade Cabeçudo, na reserva extrativista Ituxi. Lá vivem mais 115 famílias em 17 comunidades. Há castanheiros que viajam por 12 dias até chegar em regiões de castanhas e moram por quatro meses na área de colheita das castanhas-do-Brasil ou castanhas-do-Pará.

Mika estudou em Manaus (AM), mas voltou para sua comunidade para fazer mais cursos, e assim ficou. A missão dele é conscientizar castanheiros sobre a preservação da mata, a limpeza de igarapés e o manejo sustentável do solo por meio de um projeto que despertou interesse de financiadores como a empresa de cosméticos Natura e a ONG WWF (World Wide Fund for Nature).

A coletividade é tão grande na reserva que Mika se orgulha de não haver conflitos por terra na região. A paz se deu após a reivindicação de um decreto federal para determiná-la como uma reserva protegida da investida agropecuária sobre a Amazônia, diferente do restante do município, que queima pela ação de grileiros. As comunidades da Ituxi se organizaram para tabelar preços e melhorar o escoamento e financiamento das castanhas. "É uma região linda, com muitas cachoeiras. Você começa o dia com o canto dos pássaros", diz Mika.

Quero a Amazônia nessa imensidão e intacta. A ganância das pessoas não a valoriza e desvaloriza as populações tradicionais. Meu sonho é que ela continue reflorestada e intacta, com rios, árvores, e sem grileiros

Francemir dos Santos "Mika", Lábrea, Amazonas

A Amazônia Legal em números

  • 49%

    do território brasileiro é ocupado pelo bioma Amazônia

    Imagem: Divulgação/Expedição Jari-Paru 2019.
  • 5 milhões

    é o número de quilômetros quadrados da Amazônia brasileira

    Imagem: 22.ago.2019 - Ueslei Marcelino/Reuters
  • 40 mil

    é o número estimado de espécies de árvores da região, mas pode ser maior

  • 8

    estados brasileiros estão no bioma (Amazonas, Acre, Roraima, Amapá, Pará, Rondônia, Mato Grosso e Maranhão)

    Imagem: Carrie Vonderhaar/Divulgação
Getty Images/iStockphoto

Junco do Maranhão, Maranhão

A imensidão amazônica começa após a Cordilheira dos Andes e se aprofunda pelo território da América do Sul até terminar em um dos estados mais antigos do Brasil: o Maranhão. Em Junco do Maranhão, um dos últimos trechos amazônicos no estado, vive Benedita Correa Gomes. Ela é presidente da Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Agricultura Familiar.

São mais de 60 produtores associados em reivindicação do direito à produção e à terra. As famílias cultivam em áreas comunitárias e vendem a produção para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O programa federal compra a produção de pequenos produtores para doá-los para estados, municípios e instituições em forma de cestas básicas contra a fome. A Amazônia de Benedita ainda é sofrida.

Assassinatos, intimidações, ataques e depredações ainda marcam o dia-a-dia. Um dia antes de falar com Ecoa por telefone, um incêndio acabou com 9 toneladas de arroz da associação. Segundo Benedita, os autores são fazendeiros. "Os rios estão sendo poluídos por fazendeiros, os pássaros estão fugindo e muita gente está com fome", diz. "Onde tinha árvores, elas foram derrubadas".

Eu queria uma mudança na qual a gente nem acredita mais. Queria que as famílias que ficaram sem comer, tenham o que comer e ter o alimento do dia-a-dia. É muito complicado

Benedita Correa Gomes, Junco do Maranhão, Maranhão

Arquivo Pessoal/Reuters

Rio Branco, Acre

Maria Osmarina da Silva Vaz de Lima, conhecida nacionalmente como Marina Silva, nasceu em Rio Branco e dedicou a vida e a carreira política às pautas da floresta. Alfabetizada aos 16 anos, foi senadora pelo Acre e ministra do Meio Ambiente. Com Chico Mendes, formou um sindicato de trabalhadores que conectou proteção ambiental com direitos humanos e justiça social, uma relação que não era nada óbvia na década de 80. Marina herdou a compreensão sobre esses temas da família formada por um tio mateiro, a avó parteira, o pai seringueiro e a mãe agricultura de subsistência. Tudo isso na companhia de mais onze irmãos.

Ela afirma ter lutado para impedir o extermínio das seringueiras e castanheiras que traziam o sustento, dos peixes nos rios, das aves e borboletas pelo ar. "A partir do Acre eu construí uma experiência de intimidade com a floresta", diz.

"É claro que existe uma identidade amazônida para quem se identifica com a floresta, mas existem aqueles que tentam padronizar nossa região para grandes projetos de rodovias, hidrelétricas, exploração de madeira, pecuária, minério. É uma visão antiamazônica".

Que a Amazônia continue sendo Amazônia com suas belezas, riquezas, diversidades culturais, sociais, econômicas e simbólicas. Que ela continue a ser nosso endereço no mundo, o mais lembrado, o que dá a identidade do Brasil no mundo

Marina Silva, Rio Branco, Acre

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