Identidade e potência

Bruna Linzmeyer usa redes sociais para dialogar e construir uma narrativa LGBTQIA+ positiva

Lílian Beraldo Colaboração para Ecoa, de Brasília Fred Othero

Com 2,3 milhões de seguidores no Instagram, Bruna Linzmeyer tem uma voz potente nas plataformas digitais e fala sem medo sobre os assuntos e as vivências que tocam o seu cotidiano, como o mundo LGBTQIA+ e o movimento feminista. A atriz de 29 anos disse a Ecoa que as redes sociais são espaços de intercâmbio que ela aprendeu a valorizar. "Eu não estou ali para ensinar coisas, estou ali para que a gente possa trocar."

Como uma das primeiras atrizes de sua geração a falar abertamente sobre sua identidade queer, ela reconhece a importância de ocupar um lugar de visibilidade. Embora não seja imune aos ataques no mundo virtual, afirma que essas agressões não tiram a felicidade de quem enxerga beleza, inteligência e potência no mundo LGBTQIA+. O segredo, afirma, é criar ao redor um ambiente positivo de acolhimento. "Cuidar da minha saúde mental é construir uma rede de afeto e carinho, uma espécie de bolha."

Sem medo de usar o termo "sapatão", ela explica que entende essa palavra como uma identidade e não apenas como orientação sexual. "Tem a ver com pertencimento de grupo, com uma cultura. É um mundo que faz sentido para mim. É onde a minha identidade é acolhida."

No papo com Ecoa, Bruna falou sobre identidade, ativismo e também sobre como gravar em Mato Grosso do Sul despertou ainda mais a sua preocupação com o meio ambiente. Ela pôde ser vista recentemente nas telas, no papel de Madeleine, durante a primeira fase da novela Pantanal.

Fred Othero

Ecoa - Quando você percebeu que era uma voz importante no empoderamento da população LGBTQIA+? Se considera uma ativista?

Bruna Linzmeyer - Não sei se eu me considero uma ativista. Talvez, né? Alguém que proponha algumas ativações em mim e, a partir de mim, acaba reverberando em outras pessoas. Eu acho que esse é um pouco o meu processo. Eu demorei muito para entender que isso realmente fazia sentido para as pessoas, mas elas me dão notícia, todos os dias, de que faz. Me encontram na rua, me escrevem na internet. Eu fico feliz. Não que alguma coisa daqui seja a verdade ou a grande certeza, mas acho que é um ponto em que pode bater e continuar. Ou sair daqui e bater em outro lugar e seguir esse fluxo.

Como você lida com isso?

Existe, para mim, uma sustentação muito grande para além do que eu mostro. Aqui tem muito trabalho espiritual, tem muita psicanálise, muito exercício físico, boa alimentação para que eu me sinta bem. Óbvio que trabalhar com exposição, às vezes, é duro. Pode não ser tão gostoso sempre, mas acho que o fato de trabalhar da tela para trás me ajuda a ter estrutura. Uma coisa muito boa das redes sociais é a possibilidade de troca e eu levo isso muito a sério. Eu não estou ali para passar coisas, eu estou ali para que a gente possa trocar. Às vezes, comento alguma coisa e as pessoas me trazem notícias de outra, me indicam outras coisas. É realmente um processo de troca. E eu acho isso muito legal, muito importante pra mim. Acho que me sinto menos sozinha também. Eu acho essa troca valorosa.

Fred Othero Fred Othero

Você acredita que falar abertamente sobre a sexualidade pode ajudar outras pessoas? Acha importante que pessoas famosas exponham as suas identidades de gênero?

Eu acho que é importante que as pessoas se sintam confortáveis com quem elas são, independentemente de terem um grande alcance ou um pequeno alcance. Porque muita gente me fala: "Ah, você tem muitos seguidores. Então tem muita responsabilidade". E eu acho que temos que ter responsabilidade mesmo se tiver três pessoas em volta. Se eu ainda estivesse lá em Corupá [interior de Santa Catarina], onde eu cresci, e tivesse atravessado essa mesma jornada de me encontrar uma pessoa queer, talvez aquilo fizesse sentido para uma quantidade menor de pessoas, mas fizesse sentido também. É importante que a gente se sinta confortável. E se você se sentir confortável em falar sobre isso, ótimo. Se preferir não falar também, tudo bem. Acho que não tem que obrigar ninguém a nada.

Você costuma usar suas redes sociais pra se posicionar. Já sofreu ataques por dizer o que pensa? E o que te motiva a continuar usando a sua voz?

Sim, já fui muito atacada, mas eu cuido muito da minha saúde mental. E parte de cuidar da minha saúde mental — e eu acho que todos nós fazemos isso dentro das nossas possibilidades — é construir uma rede de afeto e carinho, uma espécie de bolha. No meu mundo, com os meus amigos, com as pessoas que eu gosto de trabalhar, que eu convivo, a maioria das coisas são tranquilas. As pessoas do mundo, fora dessa rede, podem achar estranho, anormal, esquisito, ruim ou feio. No meu dia a dia, é acolhido, é uma potência, é visto como algo bom, como algo inteligente, como algo legal.

Eu acho que construir redes de afeto que fazem sentido pra você é importante, e eu construo muito bem essa rede. Eu sei o quanto ela é importante pra mim, para minha saúde mental e eu não dou poder pra quem é mau caráter, não. Ninguém vai tirar minha alegria: ela é minha e é muito preciosa.

Bruna Linzmeyer, atriz

Fred Othero

Você não tem medo de usar a palavra "sapatão" - que por muito tempo foi estigmatizada. O que te fez abarcar essa identidade?

Eu gosto de quem eu sou quando estou com pessoas LGBTs, com mulheres. Para mim, a identidade sapatão — e eu entendo isso hoje muito mais como uma identidade, não só como uma orientação sexual — não tem só a ver com o encontro sexual, romântico, com outra pessoa, mas tem a ver com pertencimento de grupo, com uma cultura.

Não há como fugir da visibilidade na profissão de atriz. Nesse contexto, ser uma mulher sapatão já te atrapalhou ou impediu de fazer algum trabalho?

Acho que tem muitas histórias sobre isso e me chama atenção como, quando eu respondo essa pergunta, ela vira sempre a notícia principal. E eu me pergunto: por que a tragédia LGBT interessa tanto? Tem pais e mães que me escrevem, e muitos deles têm medo do que vai acontecer com os filhos. "Será que vai ficar tudo bem com o meu filho?" E eu fico pensando como fiquei melhor quando eu me entendi sapatão. Mas eu acho que esse medo vem de uma narrativa que não é construída, na maioria das vezes, por nós, queers, LGBTs. É construída pelos editoriais, pelas histórias de ficção, pela televisão. É óbvio que a dor existe, mas eu acho que ela pertence ao mundo normativo, ao mundo hétero. Ela não é nossa. Ela até vem na nossa direção, às vezes a gente tem que lidar com ela e tal, mas essa dor não é nossa.

Como enxerga a luta da geração de mulheres lésbicas que vieram antes de você?

Eu acho que tem muitas pessoas que estão trabalhando, que são da minha geração ou de uma idade próxima da minha, que têm esse processo de resgate, de valorização e de carinho por essa caminhada, por esses desvios que foram abertos por essas pessoas. Não seria possível esse conforto, esse bem-estar, esse lugar que a gente está hoje, se muitas outras sapatonas não tivessem trabalhado antes para que a gente estivesse aqui. E para que elas também, hoje, mais velhas, vivessem uma situação mais confortável, uma vida menos dura. Acho que elas trabalharam por nós e trabalharam por elas também.

Quem você citaria como mulheres lésbicas que te inspiram?

Leci Brandão, Sandra de Sá, Zélia Duncan, a Fatinha Lima, que é uma pessoa que trabalha no Morro da Providência, uma ativista muito importante da comunidade. É muita gente. A lista é gigante.

Eu me pergunto: por que a dor LGBT vira tanto notícia? Por que esse interesse pela dor e pela tragédia LGBT? Eu acho que a gente tem muita potência, muita história para contar, para além da dor.

Bruna Linzmeyer , atriz

Como foi fazer parte da nova versão de Pantanal? Estar nesse bioma para as gravações mudou sua percepção sobre o meio ambiente?

O Pantanal é muito especial, o Mato Grosso do Sul é muito especial. É um lugar muito bonito, é um lugar muito forte, mas é um lugar muito machucado também. É um lugar muito explorado. Me chama a atenção a quantidade de gado do Pantanal, a quantidade de plantação de soja e milho. A gente viajava duas horas até chegar na locação e era só soja e milho e umas pequenas ilhas de floresta. Eu entendo pouco disso, estou falando enquanto cidadã.

Mas a monocultura é muito violenta para o solo. E a maioria dessa soja vai para fazer ração para o gado que está lá no Pantanal. Eu não como carne, mas eu não sou contra quem come. Eu acho que a pergunta é: será que a gente precisa comer tanta carne? É uma construção muito cultural. Eu venho do Sul e sei o quanto existe uma memória afetiva em torno do churrasco. Como o meu pai ficou triste quando ele entendeu que não ia mais fazer a costela para mim, no domingo, quando eu chegasse lá. Mas, agora, ele entendeu que ele pode fazer o palmito. Então, existe uma questão cultural, de ascensão social, como se a carne fosse algo de luxo. Hoje isso é real, até porque a carne está realmente muito cara. Mas, pra mim, o grande prato brasileiro, e talvez seja a comida que eu mais ame, é vegetariano: arroz, feijão, couve refogada e farofa.

Fred Othero Fred Othero

Você também costuma se posicionar bastante sobre feminismo. Como a sua luta feminista de mulher, sapatão e branca se difere da luta da sua namorada — a DJ e artista visual Marta Supernova, que é negra? Já conversaram sobre esse assunto?

A luta feminista tem muitas vertentes. Eu e Marta conversamos muito sobre muitas coisas. Feminismos, racismo, lesbofobia são assuntos sobre os quais a gente fala, até porque eles estão aqui nas nossas vivências, no nosso cotidiano. A experiência de negritude da Marta atravessa ela o tempo todo e, por estar perto dela, eu vivencio e posso observar e tenho a oportunidade de enxergar algumas coisas — através da convivência com ela, e não só com ela, mas também com as minhas amigas, com as pessoas com as quais eu trabalho, que também não são brancas. Acho que temos que manter o nosso olhar atento porque a gente não foi educada para conseguir enxergar algumas coisas enquanto pessoas brancas. Conseguir perceber os abismos e as diferenças, esse é o primeiro passo para que possamos tomar atitudes ativas em relação a esses precipícios — que são a nossa responsabilidade.

Fred Othero Fred Othero
Divulgação

Txai Suruí

'Quando o Brasil tenta acabar com povos da floresta, está se autodestruindo'

Ler mais
Jardiel Carvalho/Folhapress

Sidarta Ribeiro

?Competição feroz está nos levando ao abismo existencial e ecológico?

Ler mais

Paola Carosella

"A comida é o centro: da destruição e da reconstrução"

Ler mais
Topo