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Rodrigo Ratier

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Lutar contra a corrupção é aprendizado diário, não pauta eleitoral

Eduardo Pazuello e Mayra Pinheiro durante depoimento à CPI - Sergio Lima/AFP; Jefferson Rudy/Agência Senado
Eduardo Pazuello e Mayra Pinheiro durante depoimento à CPI Imagem: Sergio Lima/AFP; Jefferson Rudy/Agência Senado

Rodrigo Ratier

05/07/2021 06h00

"Moralizadores", artigo de Angela Alonso publicado na Folha de S. Paulo, é daqueles textos para emoldurar e consultar toda vez que bater aquela vontade de digitar na urna eletrônica o número de algum candidato cuja principal plataforma é o combate à corrupção. O papo é "tão velho quanto a Bíblia" e nunca deu certo. E as razões vão muito além da boa ou má fé do proponente.

As pessoas seguem regras e mudam de comportamento por duas razões básicas: ou porque têm medo de serem descobertas e punidas ou porque acham condenável agir de determinada maneira. Para Norbert Elias, um dos principais sociólogos do século passado, a passagem da vigilância externa para a interna é justamente o que define a civilização. Não mato outra pessoa não apenas por medo de ser preso, mas porque entendo que isso é moralmente inaceitável. Elias concebe essa transformação como um processo progressivo, um aprendizado possibilitado por nossa participação no mundo e em suas regras sociais. Não é uma caminhada tranquila — há um bocado de repressão na construção do autocontrole. Mas, afinal, é o que nos permite viver em comunidade.

Claro que existe um caminhão de diferença entre colar na prova da 6ª série e propor 1 dólar de propina por dose de vacina, entre recuperar aquele diploma empoeirado de biólogo para tomar vacina antes da idade e dizer que não dá para saber o que está rolando nos ministérios. As gradações devem ser consideradas não para passar pano em nossos pecadilhos, mas para indicar que oposições binárias — bem versus mal, imaculado versus demoníaco — são falsas. Ao olhar para trás, todo mundo vai encontrar em sua biografia passagens de que se envergonha, momentos que, vistos com os olhos de hoje, poderiam ter tido um desfecho diferente. Seguimos aprendendo, refletindo — no melhor dos casos, evoluindo.

A busca por um salvador da pátria é a crença de que um ente externo pode dar conta de um problema cultural historicamente entranhado em cada um de nós. Essa expectativa inevitavelmente envelhece mal. Foi assim com Jânio e sua vassourinha, os militares e sua promessa de moralidade, Collor e a caça aos marajás, o PT antes do poder — embora, justiça seja feita, houve reforço aos mecanismos de controle —, a Lava Jato e seu punitivismo, Bolsonaro e o fim da patifaria. "Tolerância ZERO com o crime, com a corrupção e com os privilégios", passagem do programa de governo do então candidato, caixa alta no original, só pode ser lido como uma peça cômica à luz do que se sabe hoje. Mas enganou muita gente e segue enganando quem ainda tem uma forte ligação, muito mais emocional do que racional, com a liderança do capitão reformado.

Não quero, com isso, dizer que o compromisso com a honestidade não importa ou, ainda, de que as coisas são como são e nunca vão mudar. A história é dinâmica e a educação tem um papel fundamental nas transformações. Por ora, como destaca o cientista político Luis Felipe Miguel, um importante aprendizado de educação política é reduzir a centralidade da corrupção na pauta eleitoral e colocar a questão "dentro do cenário mais amplo do funcionamento do Estado capitalista", jogando luz em sua irmã gêmea, a sonegação, e evidenciando "a relação entre o poder público e os capitalistas e a divisão do trabalho político, que condena a maioria da população à posição de clientes do Estado".

Seria preciso, ainda, pensar em como concretizar essa aspiração, algo que passa longe do simples desejo de que a corrupção desapareça. O que sustenta uma democracia são instituições, não pessoas, escreve Angela Alonso. "A rotina democrática não opera por milagres, tem leis complexas, protocolos morosos, funcionamento imperfeito". É compreensível, porém inócuo, procurar um redentor em vez de fazer o cotidiano e difícil trabalho de reforçar os mecanismos de controle social e examinar nossos próprios comportamentos. Afinal, o que vale para o olhar institucional talvez também valha para autocrítica necessária a cada um.