Nova doadora

O coronavírus baixou demais os estoques de sangue no país. Mas a pandemia também despertou novos doadores



Gabriela Ingrid
de VivaBem, em São Paulo

Luana da Silva Ferreira, 22, moradora da capital paulista, nunca cogitou doar sangue. Mas a pandemia a fez mudar de ideia. Com o momento de luto coletivo, refletiu sobre como poderia ajudar mais pessoas. A doação, então, veio a calhar.

O contato com o processo da doação, entretanto, não é de hoje. A estudante de biomedicina estagiou por um mês em um banco de sangue. "Lá percebi que a demanda no hospital é muito alta. E que é muito triste quando não tem quantidade suficiente", diz.

Após tomar a decisão, Ferreira agendou sua doação no site da Fundação Pró-Sangue. A instituição estabeleceu o sistema de agendamento online após o início da pandemia, para garantir controle no número de doadores e evitar aglomerações.

Mesmo com o agendamento, 30% dos doadores não comparecem. O impacto do novo coronavírus fez com que os estoques desabassem. O Centro da Fundação Pró-Sangue no Hospital das Clínicas (SP), por exemplo, sofreu uma redução de 40%.

"Acho que as pessoas estão com medo. Um hemocentro que fica dentro de um hospital deve fortalecer essa ideia de que as pessoas sairão dali doentes. Mas isso não é verdade", diz César de Almeida Neto, médico hematologista da Fundação Pró-Sangue.

"Temos que entender que tem pessoas que tem algumas questões de saúde e por isso não doam. Tem quem realmente se sente mal com questão de agulha, o aspecto do sangue. E tem o medo da covid-19. Mas mesmo antes dele as pessoas já falavam que não tinham tempo, que trabalhavam. Como se ninguém trabalhasse", diz Neto.

Mas Ferreira encontrou justamente seu motivo para doar. Saiu do Capão Redondo, zona sul de São Paulo, onde mora, na manhã de uma quinta-feira de junho, usando o aplicativo de transporte 99. No hemocentro, passou pela triagem, onde foi colhido um pouco de seu sangue, e teve sua pressão e temperatura medidas. De lá, fez uma longa entrevista sobre sua saúde até chegar de fato à área de doação.

Acho que todo mundo tem um pouquinho de receio de agulha e de doar, pela quantidade de sangue. Mas apesar de a agulha parecer grande, foi bem tranquilo"

A quantidade coletada é de 450 a 500 ml. São 8ml/kg para mulheres e 9ml/kg para homens. "A bolsa tem um anticoagulante dentro dela, então precisa ter um determinado volume para esse anticoagulante funcionar", explica Neto.

A coleta dura de 8 a 10 minutos. De lá, ocorrem dois processos distintos com o sangue. Em um, uma pequena amostra dele é levada para testagem de doenças transmissíveis pelo sangue para identificação do tipo (A, B, AB ou O) e fator Rh (positivo ou negativo). Esse processo leva de 24 a 48h.

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Paralelamente a esse processo, a maior parte do sangue é separada em hemocomponentes. Ele vai ser centrifugado, fazendo com que os glóbulos vermelhos fiquem embaixo do recipiente, o plasma fique em cima e as plaquetas no meio.

Os glóbulos vermelhos, que é um concentrado de hemácias, serve para tratar pessoas com anemia, por exemplo. As plaquetas são usadas para indivíduos em quimioterapia ou com doenças hematológicas.

O plasma é usado tanto para tratamento hemofílico, como fator VIII ou fator VII, produção de albumina (uma proteína do sangue útil para pessoas que têm problemas renais ou estão desnutridas) ou para produção de cola de fibrina, usada em cirurgias. O plasma ainda pode ser centrifugado separadamente para a separação de uma outra substância, chamada crioprecipitado, que serve para repor alguns componentes da coagulação fabricados no fígado.

Com uma doação, praticamente quatro pessoas diferentes serão beneficiadas. O sangue só é liberado para transfusão após o resultado negativo dos testes sorológicos. As bolsas são preparadas, identificadas e destinadas a quem precisa, de acordo com tipo sanguíneo e fator Rh.

O ideal no HC-SP é ter entre 1.200 e 1.700 bolsas por dia. "Ela é dividida em 'estados': ideal, o alerta (quando temos que fazer campanha porque a quantidade está diminuindo), o crítico (quando já complicou) e a emergência", diz Neto.

Os tipos O têm uma demanda tão grande que não ficam mais do que três dias em estoque. Já o AB e o B ficam mais tempo, porque são tipos que têm menos receptores. De qualquer forma, em média, em três ou cinco dias as hemácias estarão na veia de alguém. Elas têm 35 dias de validade. As plaquetas têm cinco dias de validade e depois disso devem ser jogadas fora. O plasma pode ficar estocado de cinco a 10 anos.

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Ferreira confessa que passou mal após a doação. A pressão baixou e ela se sentiu fraca, reações normais, mas isso não a desanimou. "Foi uma experiência muito boa, apesar de ter me sentido meio mal. Me senti segura e voltarei com certeza. Foi legal saber que o que eu estava fazendo ia ajudar a salvar vidas", diz.

As recomendações básicas para doação são:

  • Estar em boas condições de saúde
  • Ter entre 16 e 69 anos (menores de 18 anos precisam preencher um formulário de autorização)
  • Pesar no mínimo 50 kg
  • Estar alimentado (evitar alimentos gordurosos 4 horas antes da doação)
  • Apresentar documento original com foto recente
  • Não ter ingerido bebidas alcoólicas 12 horas antes da doação
  • Se esteve gripado ou resfriado, doar apenas duas semanas depois
  • Se teve covid-19, doar apenas 30 dias após a recuperação

Reportagem: Gabriela Ingrid
Edição: Bárbara Paludeti
Fotos e vídeo: Carine Wallauer
Edição de imagem: Lucas Lima

Publicado em 01 de julho de 2020