"Tenho medo do meu filho": desafios em tratar crianças com distúrbio mental
Gabriela Ingrid
Do UOL VivaBem, em São Paulo
19/10/2018 10h43
Documentário retrata rotina de famílias com filhos com transtornos psiquiátricos violentos
Imagine pedir para o seu filho de 10 anos desligar a TV e ele, sentindo uma raiva incontrolável, ameaçar pegar uma arma para matar você. A cena assustadora é frequente na vida de muitas famílias com crianças que sofrem de distúrbios mentais de difícil diagnóstico e, portanto, nenhum tratamento específico. É o que mostra o documentário "A Dangerous Son", da HBO, que vai ao ar na segunda-feira (22), às 22h.
O longa-metragem, dirigido por Liz Garbus, expõe as dificuldades de tratamento para essas crianças nos Estados Unidos. No país, uma em cada 10 delas sofre de algum transtorno emocional grave e mais de 17 milhões sofre de um distúrbio psiquiátrico. Menos da metade faz algum tipo de tratamento.
Veja também
VEJA TAMBÉM:
- Maldição de estrelas da Disney: por que famosos mirins piram na vida adulta
- Crianças precisam brincar mais: interação é essencial para desenvolvimento
- Crianças separadas dos pais podem ter danos psicológicos irreversíveis
Em uma época marcada por ataques a tiros em escolas, o cuidado com esses jovens se torna uma questão de segurança pública. Nos últimos anos houve uma ampla transferência de cuidados com a saúde mental do governo federal para os estados e as instituições foram massivamente fechadas. "Fechamos as instituições, mas não temos outras opções. Opções de tratamento residencial são raríssimas. Precisamos de um novo tipo de instituições. Reabilitação não deve ser um luxo", diz Thomas Insel, ex-diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental, no filme.
Sentimento de culpa
"Eu tenho medo do meu filho", conta Liza Long, autora do ensaio "Eu Sou a Mãe de Adam Lanza", que fala sobre suas próprias lutas com as crises de saúde mental de seu filho. A mãe de Eric, 16, conta as dificuldades de as pessoas entenderem que seu filho não é um potencial assassino e sim um jovem com graves distúrbios mentais. "As pessoas tentam me ensinar como criar meu filho, dar sermão do que eu devo fazer. É exaustivo."
A sensação de culpa entre os pais é constante. Edie, mãe de William, 15, chama a polícia quando ele fica agressivo. "É muito doído. Você fica triste, pensando que não devia ter feito um monte de coisa para ter evitado esse comportamento, desde ter dado uma dieta diferente quando ele era bebê até broncas sobre besteiras."
"É a mesma coisa de quando culpavam os pais pelo autismo do filho, pelo nanismo. Hoje nós mudamos esses pensamentos, mas não quando falamos sobre doenças mentais", explica Insel. "As pessoas insistem na narrativa da culpa dos pais."
Stacy, outra entrevistada, é mãe de Ethan, de 10 anos, que não consegue controlar sua raiva. "Ele diz constantemente que vai matar alguém e isso tem uma reação, as pessoas não sabem se ele vai fazer isso de fato. A última coisa que quero fazer é interná-lo, mas está virando uma questão de segurança. Eu tenho uma filha para cuidar e ele agride ela com frequência."
Dificuldade de tratamento
O filme destaca o ciclo de visitas a conselheiros, testes ineficazes de medicamentos, hospitalizações e encontros com policiais comuns a muitas crianças e famílias que lutam contra distúrbios psiquiátricos. Enquanto o tratamento pode melhorar muito o resultado, o cuidado apropriado é muitas vezes um luxo disponível apenas para aqueles que podem pagar, ou que vivem em estados com tratamento gratuito ou acessível.
"Eu tenho medo porque eu era assim antes de tomar remédio", diz Cora, mãe de Vontae, de 12 anos. "Tudo pelo que ele está passando, eu já estive lá. Mas agora sou velha e ele é novo, queria pode ajudá-lo. Mas não consigo achar programas de reabilitação."
No filme, Cora luta para ultrapassar as burocracias do tratamento bancado pelo estado. "Ele precisa mais do que uma mãe, precisa de um profissional. Não quero vê-lo no noticiário como uma daquelas crianças que não tiveram a ajuda que precisavam e causaram destruição em massa."
O problema em torno do tratamento também envolve a falta de diagnóstico, que é feito com base na eficácia de alguns medicamentos --e não em um exame comportamental. "Meu filho já tomou 13 drogas diferentes, é como se ele fosse uma experiência. O diagnóstico vira o resultado dos medicamentos e não a base para o tratamento", diz Long.
Anúncio de uma tragédia
De acordo com Insel, esses jovens podem ficar perigosos, por isso é tão importante que recebam tratamento para não machucarem ninguém, nem eles mesmos.
O senador da Virgínia, Creight Deeds, cujo filho de 24 anos, Gus, o esfaqueou antes de se matar, ressalta a importância de falar sobre o assunto. "Antes não falávamos sobre câncer e hoje temos outro tipo de relação com a doença, assim como diabetes. Precisamos disso com as doenças mentais", diz. "É como alguém que tem diabetes e entra em coma. Nós falhamos quando acontecem tragédias. Trata-se de ajudar quem está sofrendo, não só a criança, mas a família também."
Ethan, a criança que com frequência ameaça pegar uma arma para matar a mãe, também se sente culpado por seus atos incontroláveis. "Queria que existisse um salva vidas que pudesse me ajudar a me controlar." No filme, o menino questiona: "Mesmo se você não for bom, ainda pode ir para o céu?"
SIGA O UOL VIVABEM NAS REDES SOCIAIS
Facebook - Instagram - YouTube