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O Match da Parada LGBTQ+ com São Paulo

Parada Gay em São paulo em 2018 - Getty Images
Parada Gay em São paulo em 2018 Imagem: Getty Images

Fernanda Carpegiani

Colaboração para o Urban Taste, em São Paulo

21/06/2019 21h44

Considerada a maior do mundo, a Parada LGBTQ+ de São Paulo mostra, ano após ano, que a cidade pertence a todos. Realizado no feriado prolongado de Corpus Christi, o evento vem acompanhado de uma série de atrações que ocupam toda a cidade, com shows, congressos, festas, feiras e claro, o desfile de trios em plena Avenida Paulista.

Ainda que o título tenha sido excluído do Guiness Book em 2008 por divergências sobre a metodologia de contagem, esse breve reconhecimento trouxe visibilidade internacional. E tamanho não é o único documento do evento. Em 2018, um estudo encomendado pelo Airbnb elegeu São Paulo a vencedora na categoria Parada do Orgulho LGBTQ+ entre as 100 cidades com os maiores públicos em eventos pela diversidade, com mais de 3 milhões de presentes em 2017.

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Além disso, a parada paulista é também um bom negócio: mais de R$ 288 milhões são movimentados no período, segundo estimativa da Prefeitura. A edição de 2018 gerou mais de R$ 100 milhões de renda para a cidade, de acordo com a Associação da Parada do Orgulho LGBT de SP (APOLGBT SP). Dados do Núcleo de Pesquisa da SP Turis, empresa de turismo e eventos da cidade, mostram que este é o evento que mais traz turistas para São Paulo - sim, mais do que o carnaval -, e que os visitantes gastam R$ 1.110 em dois dias de permanência média.

Mas casamento bem-sucedido da cidade com a Parada LGBTQ+ não surpreende apenas pela grandiosidade que se tornou ao longo de mais de duas décadas. O movimento, que começou em 1997, é um instrumento importante de luta por direitos políticos e sociais.

Ativismo de todas as siglas

A luta pelos direitos LGBTQ+ está na origem e no coração do evento, que sempre escolhe um tema para pautar seus desfiles. Em 2019 o mote da é "50 anos de Stonewall", em homenagem às manifestações que aconteceram em 28 de Junho de 1969, em Nova York, em resposta à truculência e invasão policial ao bar Stonewall Inn, na época um dos poucos espaços dedicado à essa comunidade. A data é hoje o Dia Internacional do Orgulho LGBTQ+ e a razão de junho ser considerado o mês do Orgulho LGBTQ+.

Esta semente ativista encontrou solo fértil em São Paulo, que também tem uma vocação militante, na visão de Claudia Garcia, presidente da APOLGBT SP. "São Paulo é o berço dos maiores grupos e movimento sociais. No final dos anos 70, quando começou o movimento pela luta de direitos homossexuais no Brasil, os primeiros grupos grupos surgiram em São Paulo e eu participei. Durante todos esses anos percebi que aqui existe uma dedicação maior da militância".

Claudia lembra que pegou na mão da namorada em público pela primeira vez durante uma parada. "O evento tem essa função de acolhimento. Pessoas da periferia, do interior e de outros estados com menos recurso e informação veem em São Paulo a saída. A parada dá uma força, uma esperança. Pelo um dia elas podem ser elas mesmas na rua."

O fato de ocupar a emblemática Avenida Paulista, palco principais manifestações sociais da cidade e do Brasil, também ajudou a alavancar o evento. "É o coração de São Paulo, então estar ali é uma forma de provocar a discussão e a visibilidade. É o retrato da cidade lutando pela diversidade, abraçando essa causa e amenizando uma visão do país, que é retrógrado", diz Claudia. "Já tentaram jogar a gente para o Anhembi, para a 23 de Maio, mas até pelo tamanho a gente se mantém na Avenida Paulista, porque ela é aberta e mais segura."

Grande festa

Uma das principais características da Parada LGBTQ+ de São Paulo é o clima festeiro, que chama a atenção (e até provoca críticas) pela irreverência e certa leveza. "É um movimento com cara de evento, porque é lúdico", explica Cláudia. "Isso atrai as pessoas. A causa é pesada, mas a gente quer comemorar com alegria, e isso é bom também".

A presença das drag queens contribui para criar essa atmosfera descontraída e divertida. Foi assim que o desfile ganhou espaço na cidade e no imaginário dos paulistanos, trazendo famílias, crianças e curiosos. Este ano são 19 trios elétricos que atravessam a Avenida Paulista, um a mais do que na edição passada.

Boa parte dos carros vem enfeitada com bexigas e decorações coloridas, música pop e algumas personalidades de destaque. Este ano, uma delas é a cantora inglesa Melanie C, ex-Spice Girl, que procurou a parada por iniciativa própria, segundo a associação que coordena o evento. Também está confirmada a participação das cantoras Aretuza Lovi e Gloria Groove, grandes ícones da comunidade LGBT+, e das também Iza, Lexa, Luiza Sonza e MC Pocahontas.

Pacote completo

Há quem defenda que São Paulo tem um dos maiores roteiros LGBTQ+ do planeta. É o caso do jornalista Welton Trindade, sócio do Guia Gay de São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Florianópolis e Brasília. "Fazemos esse levantamento e comparação. Existem três museus LGBTQ+ no mundo, um deles fica aqui. Há duas áreas gays, o Largo do Arouche e a Frei Caneca, coisa que poucas cidades do mundo têm", defende.

Além dos estabelecimentos e espaços LGBTQ+ que a cidade já tem, a organização da Parada também organiza e provoca dezenas de eventos paralelos, de cãominhada a feira cultural, passando, é claro, por muitas festas. Este ano, inclusive, acontece a primeira festa oficial, a ParadaSP Fest, com a participação da cantora Melanie C e das drag queens britânicas Sink the Pink, entre outras atrações. Parte do lucro será doado para a associação. Ou seja, a cidade cria e multiplica todo um ecossistema de eventos que dão força para a parada, ao mesmo tempo em que também são fortalecidos por ela. "Grande parte das paradas do Brasil não consegue construir essa experiência cívica, política e cultural que existe em São Paulo", afirma Welton.

De mãos dadas com o turismo

O fato da Parada LGBTQ+ ser o maior evento turístico de São Paulo é uma espécie de dilema de tostines: é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho? Isso porque desde o início a organização contou com parcerias importantes nesta área, como Clovis Casemiro, que atua desde 1997 na Associação Internacional de Turismo LGBT (IGLTA) e hoje é coordenador da associação no Brasil.

Ele explica que a decisão de fazer a parada durante um feriado foi estratégica. "Nos três primeiros primeiros anos a cidade ficava vazia, porque as pessoas viajavam. Então era uma forma de ter mais vagas em hotéis com um custo menor. Hoje as pessoas não fogem mais de SP neste feriado, pelo contrário. No ano passado algumas redes hoteleiras registraram um aumento de 15% a 17% durante a parada, na comparação com o ano anterior".

Clovis conta que houve um trabalho importante de articulação com jornalistas e grupos de agência nacionais e internacionais. "Até hoje fazemos Funtours com agentes de viagens do Brasil e de fora para estimular o turismo durante a parada. Também levamos a nossa experiência para feiras e eventos no exterior", explica.

O apoio de redes como a Accor, que há três anos é a rede hoteleira oficial da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, também contribui para mobilizar e consolidar tanto o público quanto a relevância do evento no Brasil e no mundo. "Quando a Rede Accor coloca uma drag queen para servir o café da manhã ela vai envolvendo os turistas no clima, e isso vai criando mais vontade de participar do evento".

Apoio da Prefeitura

A parceria com o poder público é um tijolo fundamental na construção da Parada LGBT de São Paulo. Apesar de só ter entrado para o calendário oficial da cidade em 2016, a parada recebe apoio da Prefeitura desde 2003, de acordo com a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. Para 2019, o investimento é de R$ 1,8 milhão, que bancam seis trios elétricos, grades e agentes de segurança, banheiros químicos e outros itens de infraestrutura.

Durante a coletiva de imprensa deste ano, o prefeito Bruno Covas disse que "embora a Parada não seja um evento da Prefeitura de São Paulo, ela é um evento da cidade que nos orgulhamos muito. Por isso a Prefeitura participa, ajuda e colabora com a organização, com as mais variadas secretarias, pois é obrigação do poder público não apenas proteger, mas também celebrar a nossa diversidade".

Para o coordenador de Políticas para LGBTI da Prefeitura, Ricardo Dias, a parceria com a Prefeitura é uma das razões do crescimento da parada, que por sua vez também impulsiona a criação de políticas públicas nessa direção. "Diante de toda a situação política, a parada ser apoiada pelo governo municipal e estadual mostra força da população LGBTI. Isso também ajuda a levantar essa pauta em diversos segmentos da sociedade".

A cidade é de todes mesmo?

O avanço da Parada LGBTQ+ em São Paulo é positivo, mas isso não significa que o cenário geral da cidade é favorável nesse sentido. Mesmo com a maior e melhor parada do mundo pela diversidade, 4 em cada 10 paulistanos (as) já sofreram ou presenciaram situações de preconceito por orientação sexual ou identidade de gênero, segundo dados da pesquisa "Viver em São Paulo: Direitos LGBTQI+", realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope Inteligência.

O público mais afetado pelo preconceito, segundo o estudo, são mulheres pretas e pardas, que têm entre 16 e 24 anos e entre 35 e 44 anos, escolaridade média, renda familiar mensal de até dois salários mínimos, da classe C e que moram na região Leste da cidade. "Se assumir lésbica é um privilégio", disse a ativista e assistente social Fernanda Gomes de Almeida, no evento de lançamento da pesquisa, que aconteceu no dia 18 de junho no Sesc Avenida Paulista.

Ela contou que "saía da zona Sul para ser lésbica aqui, na avenida Paulista ou no Arouche". Sobre o papel da Parada LGBTI+, Fernanda disse que é um movimento de homens gays brancos. "Eu, mulher negra e lésbica, não tenho voz na Parada Gay. E eu chamo de Parada Gay, porque não é uma Parada LGBTQIA+".

O levantamento da Rede Nossa São Paulo mostrou também uma queda de 10 pontos na percepção de que São Paulo é uma cidade tolerante com a população LGBTQI+. O índice caiu de 50% para 40% em relação a 2018. A visão sobre o papel da administração municipal no combate à violência contra o segmento também não é boa: para quase 70% dos entrevistados o poder público da cidade faz nada ou pouco nesse sentido.

A situação de pessoas trans também é preocupante. Um estudo da ONG Transgender Europe (TGEU), mostra ainda que o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais, travestis e indivíduos não-binários. no mundo, com 167 óbitos em 2017. Isso mostra que o espaço já conquistado ainda é restrito e insuficiente. "A Parada é uma forma de mostrar esperança, mas é uma fachada também. SP é o melhor lugar para se viver, mas ainda precisamos de muita luta", afirma Claudia, da APOLGBT SP.

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