Em Londres, Manoella Buffara mostra o que a gastronomia brasileira tem
A chef brasileira Manoella Buffara foi um dos destaques do Taste of London, maior festival gastronômico do mundo, que aconteceu na última semana na capital inglesa. Enquanto muitos restaurantes estrelados serviram seus pratos por valores que variavam entre as 5 e 10 libras (25 a 50 reais), a chef, que comanda o restaurante Manu, em Curitiba (PR), foi convidada a oferecer um menu exclusivo por 110 libras (550 reais) no Taste Residence.
Em sua trajetória, marcada pela criatividade e pela aposta em ingredientes locais, Buffara trabalhou em restaurantes europeus consagrados pelo mais respeitado guia gastronômico do mundo, o Guia Michelin: Ristorante da Vittorio, Ristorante Guido, além do dinamarquês Noma, do chef René Redzepi. Nos EUA, cozinhou no Alinea, do chef Grand Achatz.
Durante nossa visita ao Taste of London, pedimos que Manu opinasse sobre 5 questões da gastronomia contemporânea.
Cozinhar para estrangeiros é diferente?
"Estive cozinhando aqui em Londres pela primeira vez no mês passado. Servi coração de pato e o Alex Atala brincou ‘você é bem louca, né?’ Mas é a minha comida. Não posso ter medo. Você tem que acreditar no que faz e fazer. Pesquisei aqui o que era da estação, o que tem de melhor aqui, então eu sabia, por exemplo que o alho-poró e a couve-flor estariam bons e montei um menu com ingredientes frescos. Não faz sentido ir atrás de outras coisas. A gente pode aproveitar o local. Eu já trouxe sabores do Brasil. Servi tucupi na sobremesa, que é algo que se come com pato ou peixe, mas combinei com o doce. Gosto de passar outras perspectivas do Brasil que fujam um pouco do churrasco e da feijoada, porque temos muito mais."
Democratização da gastronomia
"Comer bem é algo importante e pouca gente no Brasil tem essa oportunidade. Nós somos poucos, então, como chef, penso sobre o que o nosso trabalho pode oferecer para a cidade. Com o Manu, por exemplo, acredito tanto na rede que se construiu em torno dele que não tenho vontade de mudar para o Rio ou São Paulo. Gosto de pensar que é possível transformar também o entorno. Não sou vegetariana, mas acredito por exemplo na maneira de servir os vegetais. Sei que posso pegar uma boa carne e fazer algo incrível da mesma maneira que posso preparar a melhor couve-flor do mundo. A gente tem que aprender a trabalhar com produtos da nossa terra. Produtos como o tucupi, o mel de abelha nativa, são como se fossem nosso caviar. Quando viajo, vejo as pessoas encantadas com esses produtos. Isso não tem que ser algo da alta gastronomia, isso teria que estar nas nossas prateleiras de mercado, nos nossos pratos."
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Inspirações na gastronomia
"Tenho duas referências muito fortes: o René Redzepi do Noma [restaurante com duas estrelas Michelin, em Copenhagen, onde Manoella foi estagiária] e o Alex Atala. No Brasil, a gente pode nem dar tanta importância para ele, mas o que ele fez com a nossa gastronomia fora é incrível. Ele é uma pessoa que pode abrir muitas portas para o Brasil, além de abrir portas para talentos da nova geração. Ele mostra dentro e fora da cozinha como a nossa comida influencia o meio. Ainda estamos muito atrasados com isso."
Sonhos para os próximos anos
"Gostaria muito de fazer crescer o projeto das minhas hortas, que toco junto com a Prefeitura de Curitiba desde 2011 e envolve 5 mil famílias. É um projeto único no mundo, porque já espalhamos 4 mil caixas de abelhas nativas pela cidade. Na Praça Osório, por exemplo, tem caixa de abelha. É uma possibilidade de as pessoas se envolverem também com isso. Fico feliz demais quando chego nas hortas e vejo a distribuição de novos produtos. Muitas famílias levam o lixo de casa para as hortas inclusive para produzir sua própria compostagem, o que é um duplo benefício, porque todo o ciclo do lixo se fecha."
Como se alimentar melhor?
"O contato com a terra me parece fundamental, mesmo que seja o de plantar um vaso de cebolinha na sua casa. As novas gerações precisam aprender a comer diferente, ver que todos os recursos têm um ciclo, começo, fim, temporadas. As pessoas têm o costume de ir ao supermercado com a receita na mão e comprar produtos que muitas vezes estão fora de época. Uma ideia muito melhor é entender quais são os produtos que estão frescos e buscar modos de preparo para extrair o melhor deles. Sabe a greve dos caminhoneiros? Curitiba foi uma das cidades mais afetadas porque ficamos mais dias sem combustível, então o que fizemos no Manu? Mudamos os ingredientes. A gente não tem um menu rígido. Precisamos aprender a trabalhar com o que tem. Para quem cozinha em casa, inclusive, sai mais barato. Qualquer pessoa pode fazer isso."
* A repórter viajou para Londres a convite do Taste of São Paulo.
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