Influenciadora apocalíptica

Após viralizar nas redes sociais, Maria Bopp mostra que é fluente em sexo, política e ironia

Lia Hama Colaboração para Universa Jorge Bispo/UOL

Em fevereiro do ano passado, quando postou o primeiro vídeo da Blogueirinha do Fim do Mundo, Maria Bopp tinha 39 mil seguidores no Instagram. Um ano e oito meses depois, o número ultrapassa 1,1 milhão, graças ao sucesso da personagem criada e interpretada pela atriz e roteirista paulistana que, por meio de ironia fina, faz críticas ácidas ao governo de Jair Bolsonaro.

"Ai, gente do céu, tô cheia de espinha. Parece que alguém aqui gastou 40 mil com chocolate da Kopenhagen", diz a influencer em seu tutorial de maquiagem com toques de sarcasmo. "Espalha [o corretivo] com o dedo assim, como espalha fake news no WhatsApp da família", ensina. "Cadê espinha? Cadê Queiroz? Cadê mancha? Sumiu tudo", acrescenta no vídeo de três minutos e meio que viralizou.

Críticas à elite negacionista que aglomera em festas, às blogueiras fitness e suas fórmulas de projeto verão e às celebridades que topam tudo por likes também foram temas de vídeos da influencer apocalíptica, que provocaram uma guinada na carreira da atriz até então conhecida por encarnar Bruna Surfistinha.

De 2016 a 2020, Maria interpretou a célebre garota de programa nas quatro temporadas da série "Me Chama de Bruna", exibida inicialmente no canal Fox Premium, depois no Globoplay e atualmente disponível no Amazon Prime.

Com a novidade da digital influencer especialista em deboche, a atriz, de 30 anos, virou queridinha de políticos e artistas de esquerda, ganhou um quadro no programa "Saia Justa", do GNT, e foi convidada para ser a protagonista da série "As Seguidoras", produzida pelo Porta dos Fundos para a plataforma de streaming Paramount+.

Na nova série de humor e suspense, ainda sem data de estreia, Maria interpreta Liv, uma influenciadora digital que leva sua obsessão por ganhar seguidores às últimas consequências e se transforma numa serial killer.

A Blogueirinha me colocou em outro lugar. As pessoas começaram a me enxergar não só como a menina que fazia a Bruna Surfistinha e, portanto, uma mulher sexy. Ela me deu o tom da comédia e ganhei um alcance muito maior.

O perfil do público também mudou. Antes da Blogueirinha, 75% de seus seguidores nas redes sociais eram homens e 25%, mulheres. Hoje a proporção se inverteu: as mulheres são maioria.

'Sou careta no sexo'

Maria nasceu numa família de classe média paulistana, com pai terapeuta e mãe professora. É sobrinha-neta do ator José de Abreu e sobrinha-bisneta do poeta Raul Bopp (1898-1984), que participou da Semana de Arte Moderna de 1922. Formada em audiovisual pelo Senac, começou a carreira de atriz sem ter estudado atuação.

"Fiz um teste para o filme 'As Melhores Coisas do Mundo', da Laís Bodanzky, que era com parte do elenco de não-atores. Não passei, mas tempos depois a produtora me chamou para outro teste e passei. Foi assim que começou."

Em seu primeiro papel em frente às câmeras, na série "Oscar Freire 279", do Multishow, Maria era Zazá, prima da protagonista, Dora, uma acompanhante de luxo. Antes de estrear como atriz, trabalhou como continuísta na série "O Negócio", sobre garotas de programa, e como assistente de direção em outra série, "Sexo no sofá".

"Foram muitos trabalhos relacionados ao tema da prostituição. Brinco que a vida estava me preparando para fazer a Bruna", conta a atriz, que, diferentemente da personagem que a tornou conhecida, se considera conservadora no sexo.

Pesquisei muito sobre fetiches, fantasias e desejos sexuais. Comparando com o que vi, me considero careta. Porque gosto da intimidade, do olho no olho, do 'papai e mamãe'.

Feminismo em casa

Maria conta que aprendeu dentro de casa a ser feminista. "Tive exemplos de mulheres fortes e independentes na família."

No ambiente de trabalho, se recorda de ter sofrido diversos episódios de machismo e assédio.

Uma vez, num set de filmagem, um cara errou três vezes o foco da câmera e falou alto: 'Desculpa, tô distraído com o decote da Maria'. Outra vez, estava sentada de vestido com o computador no colo e vi um homem querendo tirar foto da minha perna aberta. Eu ficava constrangida e, no dia seguinte, não usava nem vestido nem decote. São pequenos assédios cotidianos que minam nossa liberdade, mas, naquela época, eu não reagia.

A atriz enxerga uma mudança de postura a partir de 2015, quando surgiram os movimentos #MeuAmigoSecreto e #MeuPrimeiroAssédio, em que mulheres, por meio de relatos nas redes sociais, denunciaram o machismo e o assédio dos quais foram vítimas.

"Essas campanhas foram marcantes para mim e levantaram o debate no meio audiovisual. Criou-se uma consciência, e hoje é mais difícil que essas situações passem batidas."

Fluente em ironia

"Atriz, roteirista e fluente em ironia" é como Maria se apresenta em seus perfis nas redes sociais. A ironia, no entanto, nem sempre é percebida por desavisados que assistem aos vídeos da Blogueirinha do Fim do Mundo.

"Se tirar do contexto, é facil confundi-la com alguém real, porque muitas das frases são de pessoas de verdade", conta a atriz, que escreve o roteiro com a ajuda da irmã, a jornalista Bruna.

Maria interpreta, filma e edita sozinha os vídeos, como aquele em que a Blogueirinha aglomera numa festa e que alguns mal informados pensaram se tratar de uma pessoa real. "Outro dia, no Twitter, critiquei a gestão do Bolsonaro no enfrentamento à covid, uma pessoa retuitou e escreveu: 'Ué, mas não era essa menina que passou a pandemia inteira aglomerando?'."

Para criar as falas, Maria assiste a vídeos e lê posts de blogueiras fitness contra as quais milita, como Gabriela Pugliesi, que, em meio à pandemia do coronavírus, furou a quarentena, fez uma festa e postou um vídeo gritando: "Foda-se a vida!".

A venda de um estilo de vida irreal e a obsessão por corpos sarados também é alvo de questionamento: "Essas mulheres produzem conteúdos que são danosos à nossa autoestima. As pessoas deveriam deixar de segui-las".

"Encontro com meu ex, Lula"

A verve militante da atriz também se destaca no campo político. Maria postou foto abraçada ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vibrou quando a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) começou a segui-la no Twitter em fevereiro de 2020 e declarou seu voto em Guilherme Boulos (PSOL) nas últimas eleições municipais em São Paulo.

O engajamento a aproximou do tio-avô, o ator José de Abreu, petista de longa data. "Toda vez que sai alguma nota minha em jornal, ele é a primeira pessoa que me manda mensagem: 'Que orgulho!'."Ao ser questionada sobre críticas que a Blogueirinha faria a políticos de esquerda, Maria dá risada e responde: "Obviamente, a esquerda é passível de críticas, mas acredito que o momento agora é de união, de traçar estratégias para alcançar quem a gente não alcança. Quando a esquerda voltar ao poder, aí eu critico".

Em tempos de polarização, Maria ganha aplausos entusiasmados ao mesmo tempo em que se torna alvo de ataques violentos. O retrato com Lula e a frase: "Encontro com o meu ex. 2022 é logo ali" foi a foto mais curtida de seu Instagram, com mais de 320 mil likes.

Tem uma onda de amor, mas, por outro lado, perdi 30 mil seguidores. E, desses 30 mil, muita gente me xingou.

Maria é atacada, inclusive, com golpes baixos, como o uso de imagens de nudez de sua personagem Bruna Surfistinha. "Falam: 'Você é uma atriz pornô, por que está falando de política?' Me colocam nesse lugar, querendo me diminuir."

'As redes sociais estão adoecendo a gente'

Se antes era enfática em defender que todo artista deveria se posicionar politicamente, hoje Maria tem dúvidas. "Vi uma piada no Twitter: 'Gente, parem de cobrar os artistas para se posicionarem, porque olha o posicionamento dessa gente'. Muitas vezes, os artistas falam besteiras", aponta a atriz, que enxerga um ambiente cada vez mais tóxico e opressor nos meios digitais.

As redes sociais estão adoecendo a gente. Estamos reproduzindo a lógica binária de 'ou você é isso ou você é aquilo'. Se não se posiciona, automaticamente é fascista, sendo que a gente não sabe qual é a cruz que cada um carrega. Existe um custo enorme em se posicionar.

A superexposição levou a atriz a ter receio de andar pelas ruas. Mesmo com máscara, é reconhecida e abordada por fãs, coisa que raramente acontecia antes. "É incrível receber um carinho aleatório: você está pegando o cocô do seu cachorro, alguém chega e diz: 'Adoro seu trabalho'. Mas, por outro lado, e se me hostilizarem? Isso gera um pouco de medo em mim."

A atriz chegou a ter pensamentos recorrentes de perseguição. "Às vezes, peço um delivery de comida e, um segundo antes de abrir o portão, penso: 'Será que não é o motoboy do delivery e, sim, uma pessoa vindo me atacar?'." Em nome da saúde mental, Maria ficou um tempo sem produzir vídeos da Blogueirinha.

"As pessoas me perguntam: 'Por que você está sumida? Aproveita! Você está na crista da onda'. Mas, cara, se não está me fazendo bem, por que vou continuar?"

Questionada sobre a vida afetiva, Maria pede com delicadeza para não falar do assunto. "Sei que existe essa curiosidade, mas é uma escolha consciente não falar. Gosto que as pessoas não achem que me conhecem plenamente só porque me seguem nas redes sociais. Prefiro deixar esse tema num lugar que eu acho mais íntimo e especial."

Com sonhos de ser mãe ("Desejo ter filhos um dia") e virar diretora ("Quero fazer filme de ficção"), a atriz se surpreendeu ao ser chamada para fazer a personagem Liv, a influencer serial killer da série "As Seguidoras". Após Bruna Surfistinha, achava que demoraria para ser protagonista de novo. "É difícil, tem muita concorrência de atrizes muito talentosas. Então fiquei feliz quando ganhei o papel. Estou adorando fazer comédia, é outra energia." O convite para encarnar a influencer, diz Maria, se deve ao sucesso da Blogueirinha: "Foi mais um presente que ela me deu".

A Pepeca tá ON

A desenvoltura para falar sobre sexualidade a levou a ser convidada para narrar a série "A Pepeca tá ON", produzida por Universa. Na websérie de quatro episódios, a atriz faz a voz da Pepeca, uma vulva que conversa com sua dona, Rita.

Após uma transa ruim, Rita encara a jornada da descoberta do próprio corpo e, com a ajuda da Pepeca, tentar romper com seus tabus sexuais.

"A série fala de sexualidade de maneira leve, acessível, sem vergonha. Então foi divertido falar, brincar e até gozar por áudio sendo a Pepeca."

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