O amor que muda o mundo

Rute Pina, de Universa, em São Paulo

Tukumã Pataxó e Samela Sateré Mawé se conheceram em uma manifestação pelos direitos indígenas em Brasília. Desde então, passaram a escrever, juntos, uma história de amor e ativismo.

Antes de começar a entrevista, Tukumã apoia a cabeça no ombro de Samela e ajeita o enquadramento do vídeo. "Posso ficar assim? Estou cansado", pergunta ele. Com um sorriso, ela responde que sim. Eles tinham acabado de voltar de um evento sobre sustentabilidade em Estocolmo, na Suécia, e estavam na aldeia Coroa Vermelha, na Bahia, onde mora a família de Tukumã.

Namorando à distância há oito meses, revezam os locais dos encontros entre o estado dele e o Amazonas, onde ela mora. Também se encontram fora do Brasil, como na conferência Estocolmo +50, promovido pela ONU no começo de junho.

Samela, 25, mora em Manaus, faz parte do povo Sateré Mawé, é comunicadora e influenciadora digital. Estuda biologia na UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e faz parte do movimento Greve pelo Clima, criado por Greta Thunberg. "Se ativismo é uma palavra para pessoas que lutam por uma causa, nós, povos indígenas, sempre fomos ativistas."

Tukumã tem 22 anos e é diretor de comunicação da Ajip, a associação de jovens indígenas pataxó da Bahia.

É de uma família de lideranças: o primeiro cacique da comunidade foi seu tio-avô, e o atual pajé é seu pai, que também é um dos coordenadores da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Acompanha reuniões e encontros políticos desde criança. "Sempre vi meu pai brigando muito pelo nosso território", relata.

Os caminhos de Samela e Tukumã se cruzaram em agosto do ano passado, durante a mobilização Luta pela Vida, em Brasília. "Gravamos conteúdos para as redes sociais e fizemos campanhas juntos", lembra ele. "Dei o primeiro passo e mandei mensagem pelo WhatsApp para nos encontrarmos." Um mês de conversa à distância depois, Tukumã foi visitá-la no Amazonas. "E aí a gente decidiu namorar", diz Samela.

"A gente já conhecia o trabalho um do outro. Quando precisavam de pessoas para falar sobre juventude indígena em um evento, nos indicavam. Já participamos de debates e lives juntos, mas nunca tínhamos conversado", conta Samela.

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"Damos as caras na internet, e foi isso que nos conectou", diz a jovem.

Os dois são de povos diferentes com idiomas, rituais e culturas diversos. "É um aprendizado constante", diz Samela. "Mas estamos acostumados a lidar com essa diversidade. Só no meu estado são 68 povos com culturas diferentes. A única parte ruim é a distância."

Segundo o IBGE, há 896 mil indígenas no país. São mais de 300 povos originários e cerca de 160 línguas faladas nos limites do território brasileiro.

O relacionamento abriu um novo mundo para ambos. Samela viu o mar pela primeira vez na aldeia de Tukumã, no litoral da Bahia. Tukumã se espantou com os barcos flutuantes e a magnitude dos rios da região amazônica.

Cada povo tem seus ritos de passagem.

Os meninos do povo do qual Samela faz parte passam por um ritual lancinante ao entrar na fase adulta. Colocam a mão em uma luva de palha trançada infestada de formigas tucandeiras, conhecidas por terem a picada mais dolorida do mundo. Assim, mostram que suportam dor e têm disciplina e força para constituir uma família. Tukumã passará pelo rito como uma prova de compromisso à namorada.

O povo Pataxó, de Tukumã, tem um rito específico para o casamento. Nele, o homem carrega nas costas um tronco de árvore do peso da noiva enquanto sobe um morro. "Acreditamos que isso vem de um tempo em que havia muitos conflitos e o homem tinha que provar ser capaz de carregar pessoas da família para levá-las a um lugar seguro", conta Tukumã. Ele também fará essa iniciação.

O casal se ajuda e se fortalece nos interesses e pautas comuns. "Nossa luta está de mãos dadas", diz Tukumã. "Nos apoiamos muito", diz Samela. "Aprendi, neste relacionamento, que o amor é para todos."

Eles passarão o Dia dos Namorados na Bahia, com o povo Pataxó. "Independentemente de como vamos passar a data, estaremos juntos. Toda vez que um vai para o Estado do outro já é uma comemoração."

Publicado em 12 de junho de 2022.

Reportagem: Rute Pina;

Fotos: Nathalie Brasil;

Edição: Camila Brandalise;

Edição de foto e montagem: Lucas Lima.