Luxo com diversidade

Na L'Oréal, Roberta Sant'Anna ampliou faturamento da marca em 2 dígitos e hoje mira equipe diversificada

Talyta Vespa da Universa, em São Paulo André Rodrigues/UOL

Roberta Sant'Anna, 41, estava grávida da primeira filha quando recebeu um convite para trabalhar na L'Oréal. O barrigão de seis meses não impediu que empresa e profissional identificassem o caminho promissor que teriam juntas. Dois anos depois, a gestação da segunda filha foi revelada à empresa quando Roberta soube da intenção de promovê-la a um alto posto na hierarquia da marca. Mais uma vez, num cenário ainda raro no mercado de trabalho brasileiro, as duas saíram ganhando.

Hoje, com 250 funcionários sob seu comando, duas crianças muita ativas e apaixonadas por macarrão com camarão, um personal trainer três vezes por semana e encontro sagrado com as amigas, Roberta programa sua vida com uma semana de antecedência para fazer com que compromissos pessoais e profissionais continuem andando juntos. Organização é a chave, diz ela.

Desde que assumiu a diretoria de luxo da L'Oréal em 2017, o faturamento da marca no Brasil aumentou em 2 dígitos. Ela também está à frente das campanhas de diversidade que a empresa mantém. Hoje, a L'Oréal já igualou o número de homens e mulheres em cargos de liderança. "Nosso maior desafio agora é incluir pessoas com deficiência ao time. Até o fim deste ano, quero abrir três cargos na divisão de luxo com esse perfil."

Em entrevista a Universa, ela lembra todas as vezes em que precisou se impor por ser considerada "menina demais" e aponta como a morte precoce da mãe deu a ela a noção de intensidade com que devemos viver cada dia.

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Roberta Sant'Anna

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Roberta Sant'Anna

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Você cursou administração de empresas, fez duas faculdades ao mesmo tempo e pôde escolher em qual empresa gostaria de ser trainee. Qual foi o papel da sua família nessas decisões?
Um papel muito importante. Venho de uma família de empreendedores. Meu pai era distribuidor de bebida e ele, o tempo todo, dizia para mim que eu deveria ter uma profissão para não depender de marido. Ele insistia que eu e meus irmãos assumíssemos o negócio dele, se quiséssemos e, com isso em mente, decidi cursar administração. O negócio dele fechou quando a Ambev comprou a Antárctica -ele era da Antártica. Fiz UFF (Universidade Federal Fluminense) e Ibmec por um ano, depois segui só no Ibmec. Eu precisava estagiar. Estagiei na IBM, depois na Shell e terminei na L'Oréal, na área de marketing.

O que de mais importante você descobriu com todos esses trabalhos?
Que eu sou gestora. Não sou aquela marqueteira que vai ficar por três horas discutindo a embalagem do produto. Eu gosto de pessoas. Saindo da faculdade, decidi que faria um programa de trainee -o que era superimportante na época. E, olha, foi mais fácil decidir me casar do que escolher qual era a empresa em que eu deveria ser trainee. Passei no programa da Editora Abril, na Ambev, na antiga Interlig, na Unilever e eu ainda tinha a opção de ficar na L'Oréal. Escolhi a Unilever porque queria entender de outro ramo. Eu tinha 21 anos.

Houve um momento em que você precisou brecar sua carreira para cuidar de questões pessoais?
Sim, quando minha mãe morreu, em 2013. Eu tinha saído da Unilever e estava trabalhando numa start up brasileira em São Paulo com um antigo chefe. Com a morte, minha família ficou muito balançada. Éramos muito unidos, de tomar café da manhã e jantar junto todo dia, sabe? Meu pai estava viúvo, meus avós haviam perdido a filha. Então, eu disse: "Eu preciso voltar para o Rio". Eu precisei dar um passo para trás para fazer escolhas.

O que a falta da sua mãe te ensinou?
Que ela pode estar próxima mesmo estando longe. Sempre que tenho alguma dificuldade, penso nela e a resposta vem porque me pego pensando no que ela faria em uma situação similar. Ela colocou valores muito importantes na minha vida e eu me vejo repetindo-os com minhas filhas. Me vejo em várias situações em que penso: 'Gostaria muito de ter minha mãe aqui'. Minha mãe morreu fazendo uma colonoscopia, ela não saiu mais do hospital. É uma coisa muito inesperada que me fez entender que o momento é agora. Curta, aproveite seu dia ao máximo, curta a vida com intensidade porque a gente nunca sabe o que vai acontecer no dia de amanhã.

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Quando você foi convidada para voltar para a L'Oréal, estava grávida. Achou que seria outro passo para trás na sua carreira?
Nesse momento, não. Eles foram muito cuidadosos. Eu estava grávida de seis meses da minha primeira filha, Valentina. Queria voltar para o Rio, e eles me contrataram sabendo da gravidez. Fiquei muito feliz. Mas, quando engravidei da minha segunda filha, achei que pesaria. Eu fui convidada para assumir um cargo de diretora comercial nacional, que cuidava de mais de 800 pessoas e tinha mais de 200 clientes. Achei que eles não me dariam a vaga por causa da gravidez. Quando me perguntaram se eu topava, disse que tinha duas respostas, uma pessoal e uma profissional: que eu queria muito, mas que estava grávida e entenderia se eles não quisessem me dar o cargo. E me surpreendi. Ouvi deles: "Você está grávida? Não tem problema algum, a vaga é sua".

O que é mais difícil: cuidar de 800 pessoas ou criar duas crianças pequenas?
Acho que os dois são igualmente difíceis, mas, ao mesmo tempo, que mulher já nasce CEO. É difícil gerenciar minhas filhas, mas tenho tantas outras gestões no meu dia a dia que quando uma se joga no chão e esperneia, consigo administrar de maneira natural. Esses dias, eu queria jantar em um restaurante japonês com elas e meu marido, mas as meninas já estavam de pijama, já tinham tomado banho. Aí levei as duas de pijama mesmo, com um casaco por cima porque estava frio. Elas adoraram, imagine, sair de pijama? A gente vai administrando como dá.

Hoje você lidera um time de 250 pessoas. Dá para ser uma chefe acessível com tanta gente assim?
Eu tento ao máximo. Se o estagiário quiser tomar um café comigo, é só falar que anoto na minha agenda. Quando assumi a divisão de luxo da L'Oréal, que cuida de produtos como Lancôme, Ralph Lauren, Yves Saint Laurent, eu criei a missão LL2020, uma meta até 2020. Assumi em 2017, fiz planos e, em um ano e meio, já aumentamos em dois dígitos o faturamento da área. Isso é maravilhoso. No primeiro ano, a gente planeja, no segundo, executa e, no terceiro, começa a colher os resultados. Eu criei uma conta no Instagram só para a equipe da área postar projetos, trabalhos, e é uma forma de a gente estar próximo. Tem dado certo.

O que de mais inesperado você já fez para treinar seu time?
Eu coordenava um time que vendia produtos de beleza e, como a maioria do grupo era de homens, muitos não sabiam se maquiar. Chamei uma equipe e fiz todo mundo passar por um treinamento de maquiagem. Todos se maquiaram e saíram 'experts'. Foi bem legal ver um monte de homem barbudo se maquiando. Até esmalte na unha eles tiveram que passar. Eu gosto de ir até os pontos de venda sem avisar e, lá, pedir que algum dos atendentes faça minha maquiagem. Faço isso com frequência. Depois, tiro foto e posto no Instagram do grupo, marco as meninas. É uma forma de estar perto da equipe.

Quais foram os três cursos que você fez que impulsionaram sua carreira?
Fiz um MBA [especialização] em que aprendi todas as questões de liderança que sei hoje; um curso sobre como a vida pessoal e a profissional devem caminhar juntas com um consultor americano chamado Bob Malick; e um curso funcional sobre direção de marketing na [Universidade] Sorbonne, em Paris. Falo espanhol porque morei seis meses na Argentina, inglês fluente e preciso voltar para o francês.

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Você trabalha com produtos de beleza e luxo. Como alinha esses universos ao dia a dia dos seus funcionários?
Tento aproximá-los dessa realidade com frequência. Um dia, perguntei ao meu time se alguém conhecia o Copacabana Palace. Ninguém conhecia. Então, disse para minha equipe financeira que queria que a festa de fim de ano da divisão fosse lá. Me falaram que era impossível, que eu estava maluca. Eu desafiei a equipe. Conseguimos, com muito aperto. Um dia antes, levei 100 pessoas para conhecerem o hotel e receberem um treinamento de luxo --e foi muito legal, elas pulavam na cama da suíte presidencial de tão animadas.

Qual o próximo passo na sua carreira?
Quero ter uma experiência internacional. É algo que pode acontecer, desde que eu não deixe meu marido e minhas filhas de lado. Eu acho que conviver com outras culturas aumenta a nossa bagagem e experiência. Quero preparar minhas filhas para um mundo sem fronteiras, quero sair da minha zona de conforto.

Como gestora, qual a parte mais difícil de lidar com as novas gerações?
Eu descobri que não posso me satisfazer com a primeira resposta deles. Ela sempre mascara algo além, tenho que cavar o que eles realmente querem dizer. Um dia, meu time disse que estava se sentindo muito sobrecarregado e eu falei: 'Bom, ok, às 18h, vou expulsar todo mundo daqui'. E eles responderam: 'Roberta, eu posso ficar até as 21h, não é esse o problema. O problema é que, quando eu sair daqui, eu quero me conectar com a minha vida pessoal. E aí caiu a ficha. Eu falo para eles que, se eu mandar um WhatsApp à noite, não espero que me respondam -mandei porque, provavelmente, foi o primeiro horário livre que tive para isso. Até coloquei na assinatura do meu e-mail: "Não espero que você me responda agora".

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Quais são suas mais desafiadoras metas em relação à diversidade na empresa?
Criar vagas para pessoas com deficiência na divisão de luxo. Hoje, na L'Oréal inteira, são 60. Até o fim do ano quero ter, aqui na divisão de luxo, pelo menos três PCDs [pessoas com deficiência] aqui. Essas pessoas são 27% da população brasileira, não dá para ignorar isso. Em termos de diversidade de gênero, a L'Oréal evoluiu muito. O número de homens e mulheres em cargos de liderança já é o mesmo. Quero trazer mais pessoas transexuais para dentro da organização, essas pessoas existem. No dia do orgulho LGBT, fizemos um fórum para falar sobre direitos de pessoas LGBT, organizado por um membro da equipe. É uma discussão necessária e importante.

Quais erros você cometeu como chefe e o que aprendeu com eles?
Eu, várias vezes, pré-julguei o tempo que cada pessoa precisa para trabalhar. E eu não conseguia entender que as coisas não acontecem com a velocidade ou do jeito que eu queria. E eu me frustrava com isso. Daí, entendi que eu precisava respeitar o 'timing' das pessoas e que, fazendo isso, elas vão me entregar um trabalho de altíssima qualidade. Para ser um bom líder, é preciso estar aberto e entender como trabalha cada funcionário. E tirar o melhor de cada um deles. Demorei para aprender isso, às vezes dou um escorregãozinho, aí tento voltar. É que nem dieta, né? A gente está sempre de dieta.

Na sua área, que vantagens uma chefe mulher leva?
Eu acho que a mulher já nasce CEO porque, desde a infância, a gente tem diferentes papeis. A gente aprende a trazer simplicidade e descomplicação para conseguir assumir todas essas tarefas -cuidar dos filhos, dos pais, do marido, trabalhar, cuidar da casa. Como eu amo beleza, gosto de estar em contato com os produtos. Ao criar uma fragrância, testo em mim, uso os produtos e gosto. É mais fácil entender o mercado quando você faz uso dos produtos que vende. A brasileira passou muito tempo tendo de ser discreta: não podia botar unha vermelha, unha postiça, tinha de ser tudo branquinho ou rosa. Agora, as mulheres estão tendo autonomia para ousarem do jeito que quiserem.

Com quem uma chefe mulher pode contar dentro da empresa?
Com outras mulheres. Eu sempre contei com as minhas chefes mulheres e com pares porque me sentia acolhida, compreendida. Quando olho para minha carreira profissional, sempre vejo uma combinação de mulheres que passaram pela minha vida e me inspiraram. Mulheres ajudam mulheres, eu acredito bastante nisso. Olho para a minha chefe hoje e, com toda a admiração do mundo, penso: "Cara, acho ela sensacional". Acho que é através de uma palavra, um resultado, que você consegue descobrir quem são essas pessoas no seu ambiente de trabalho. E acho essencial que isso seja descoberto.

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Na sua experiência, mostrar fraqueza ajuda ou atrapalha?
Acho que precisa mostrar fraqueza. Isso cria proximidade com o time, cria entendimento e ajuda. A partir do momento que eu digo para o meu time: "Me ajudem, eu preciso de vocês", eles entendem que estão abertos para negociar comigo quando precisarem de ajuda também. Isso quebra a imagem de gestor distante. Traz facilidade, entendimento e cumplicidade. Eu não sou de ferro. Já chorei várias vezes na frente deles.

Qual é sua estratégia para cuidar bem dos seus filhos, ter hobbies, namorar e estudar?
Toda quarta-feira é dia do jantar da família. Saio correndo do escritório, peço para o meu marido segurar as meninas acordadas --dormem às 20h-- e a gente janta junto. Eu programo minha semana com sete dias de antecedência, sou muito organizada. Tomo café da manhã com elas todos os dias, imprimo os convites de aniversário e grudo na geladeira para não esquecer. Faço academia três vezes por semana. Ah, óbvio, saio com as minhas amigas uma vez por semana e, pelo menos um dia do fim de semana, saímos eu e meu marido. Faço, pelo menos, duas viagens por ano que são inegociáveis: uma com as crianças e uma só com meu marido. Minha próxima viagem com ele é para o Peru, já estou emagrecendo porque sei que vou comer muito por lá.

Você enfrentou preconceito?
Claro. Aprendi desde cedo a me posicionar porque, sem isso, eu não teria conseguido sobreviver nas empresas. Com frequência, clientes olham para mim e dizem: "O que essa menina está fazendo aqui?". Quando me chamam de "menina", quero matar. Mas começa por aí, e aí eu me imponho, mostro resultado, cobro. Um dia, um chefe me desrespeitou durante uma reunião, foi agressivo comigo. Na hora, eu parei a reunião e disse: "Desculpa, mas eu não admito que você fale assim comigo. Nem meu marido, nos momentos mais difíceis, falou assim comigo. Você não tem essa liberdade. Termino a reunião aqui, estou indo para a minha casa". Saí da reunião e, no dia seguinte, ele mandou flores para a minha casa porque não sabia como lidar com uma mulher que tinha se imposto. A gente tem que se posicionar.

Quais são seus principais feitos como chefe?
Eu aumentei em dois dígitos o lucro da divisão de luxo da L'Oréal. Só que isso é só parte de um trabalho de sucesso. O meu time trabalha feliz e isso é tão importante quanto o resultado. Vira e mexe, eu recebo estrangeiros em reuniões conosco que dizem: "Gente, mas a energia desse andar é muito gostosa". É gratificante ver que a divisão, que tem uma ambição enorme de crescimento, está ganhando cada vez mais espaço no Brasil e em outros países.

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