Uma calça tamanho 46, um vestido P e um blazer GG. Parece não fazer sentido, mas esse foi o resultado das compras da arquiteta Amanda de Brito, 27 anos, em três das principais lojas fast fashions do país: Renner, Riachuelo e C&A.

Toda mulher, não importa o formato do corpo, possivelmente já passou por situação semelhante: vestir peças de tamanhos totalmente diferentes dependendo da loja em que compra. Ou até mesmo encontrar, na mesma loja, roupas com modelagens variadas.

Universa acompanhou Amanda (que acredita ser tamanho M) em seu périplo pelas lojas onde costuma comprar com mais frequência. Ela prefere as fast fashions porque, além do preço, há mais opções de modelos e mais chances de acerto. Além disso, o formato self-service dispensa o compartilhamento da experiência com as vendedoras.

"Dá vergonha ficar pedindo mais peças. A sensação é que uso um tamanho médio que não existe."

Para o provador, ela geralmente precisa levar três tamanhos diferentes de cada peça: "Nunca sei qual vai servir". O perrengue é ainda maior por causa do limite de peças estabelecido pelas lojas a cada ida ao provador, ou seja, ela sempre tem que fazer diversas idas e vindas até achar as peças que melhor sirvam.

Com 1,72 m de altura e 74 quilos, foi obrigada a provar vestidos que variaram do P ao M, calças do 42 ao 46 e blazers entre M e GG. E a variação de tamanhos às vezes aconteceu com peças da mesma loja.

"É um horror. Para mim, que vivo preocupada com a balança, o impacto na autoestima é grande", conclui Amanda, que você vê nas fotos desta reportagem.

Corpo violão, uma ova

A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) bem que tentou organizar a questão e criar uma tabela que padronize os tamanhos no Brasil. Entre marcas e associações têxteis, participaram das reuniões 42 instituições ligadas à produção de roupas do país, entre elas, Renner, Riachuelo e C&A.

Foram dez anos (de 2005 a 2015) estudando a silhueta das brasileiras - quase 7 mil corpos de mulheres entre 18 e 65 anos de 27 cidades em 16 estados brasileiros foram escaneados.

A primeira conclusão é que o tal corpo violão, com cintura fina e quadris largos, tido como o típico das brasileiras, é puro mito: apenas 6% têm o corpo nesse formato, enquanto 76% têm o formato retangular, em que a cintura e os quadris são quase da mesma medida.

Daí, o próximo passo foi tentar estabelecer tamanhos a partir das medidas do corpo. Por exemplo: se alguém de corpo retângulo tem entre 98 e 102 centímetros de circunferência dos quadris, o tamanho seria médio (ou então 40/42) -não importa a loja. Para chegar à nova conclusão sobre tamanhos, que vão até o 62, foram comparadas 16.933 medidas.

A partir daí nasceu, em 2021, a norma NBR 16933, que padroniza os tamanhos de roupas femininas no país. A ideia não é afetar a modelagem das peças, mas oferecer uma referência universal de biotipo e uma base para a construção das peças.

A tabela é bastante detalhada e apresenta 35 medidas para cada tipo de corpo, de partes bem específicas como circunferência da cabeça e largura entre os mamilos até cintura e quadril.

"Não é um engessamento. Pode ser que uma marca trabalhe com peças mais ajustadas e outra, com roupas mais confortáveis", explica Fernando Pimentel, presidente da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções.

Amanda, que ilustra essa reportagem, tem as seguintes medidas: 97 cm de busto, 84 cm de sob-busto, 81 cm de cintura e 107 cm de quadril. Segundo a tabela da ABNT, ela deveria vestir tamanho 42 ou 44 (de acordo com as variações das partes de seu corpo).

O problema é que é uma norma. E não uma regra. Portanto, ninguém é obrigado a adotar.

Tamanho não deveria ser documento

Perda de tempo, bateção de perna, encomendas do e-commerce devolvidas. Além desses problemas básicos, há um deles que é crucial para mulheres -o impacto na autoestima. Apesar da força do movimento Body Positive, caber (ou não) no jeans 38 ou no top P, ou passar a comprar roupas de um tamanho maior, no imaginário feminino, ainda podem ser sinônimo de sucesso (ou fracasso).

Isso porque os tamanhos estabelecidos por uma marca também podem ser uma questão de posicionamento de mercado. "Tem marcas que não querem vestir corpos maiores", afirma Thais Farage, consultora de moda e colunista de Universa.

A influencer Lia Camargo sofre por ser do time das altas. "Tenho 1,78 m, para mim o problema é o comprimento das calças. Com blusa ainda consigo dar um truque, dou uma puxadinha no blazer, dobro a manga da camisa, mas calça não tem o que fazer", diz Lia. Ela conta que chega a sentir frio no inverno, porque as calças tendem a ficar curtas para ela. "Quando está inverno forte em São Paulo, fico dando truque, colocando meia por baixo. É chato."

Entre as mulheres gordas, maior do que a dificuldade em saber o tamanho é encontrar peças que de fato sirvam.

"Eu tenho 140 centímetros de quadril. Às vezes, a tabela de medida da loja diz que o tamanho 54 tem isso. Mas, chega em casa e, na maioria dos casos, a peça está gigantesca. Por que não colocar as medidas certas?", diz a influencer de moda Ju Romano. "Também sinto falta de a tabela de medidas incluir medidas como a circunferência do braço e da coxa. Para quem tem um braço gordo isso é superimportante", conta ela, que tem peças tamanho 46 e outras 56.

Segundo Marcela Elizabeth Pereira, presidente da Associação Brasileira Plus Size, existe a necessidade, por parte de toda a cadeia de produção, de reproduzir uma estética padrão. "Como a indústria vai fazer uma roupa pensando em uma barriga? Ela não quer mostrar um manequim com barriga. Essa perfeição do manequim é refletida pelas tabelas de medidas."

Para atender a esse público, Marcela serviu de modelo para tirar dúvidas durante as reuniões de redefinição da norma de tamanhos de roupas. "Chegamos até o tamanho 62 e fizemos um ajuste nos outros manequins para ficar mais verdadeiro, mais real."

Marca boa é a que facilita sua vida e te deixa confortável

Thais Farage, como consultora de moda, vai às lojas com suas clientes e já aprendeu a não levá-las em determinados endereços porque sabe que vão acabar se sentindo mal com seu corpo na hora de experimentar as peças. E recomenda que toda mulher tenha sempre em mãos suas medidas atualizadas.

Já a psicóloga Graziela Maria, especializada em dependências, abusos e compulsões, faz das compras parte da terapia. Algumas de suas pacientes chegam a desenvolver fobia social por não conseguirem encontrar roupas que considerem adequadas ao seu tipo físico. Estar ao lado delas ajuda no processo de aceitarem a si próprias.

Para Ana Laura Berg, especialista em moda e referência em modelagem, o processo de adaptação à norma ABNT, tanto por parte das confecções quanto dos lojistas deve ser longo. "A partir do momento em que focarmos nas medidas, o consumidor vai se acostumar a procurar as suas. Isso diminuirá o tempo no provador e a frequência das trocas", afirma.

Enquanto isso não acontece, a saída é buscar marcas que facilitem a vida. A Levi's, especialista em jeans, segue um padrão internacional que combina as medidas da cintura e altura das pernas para todos os modelos de calças; a Loungerie cruza as medidas do busto e a circunferência do tórax logo abaixo do peito para chegar a um tamanho personalizado, num total de 35 variações de tamanho.

Universa procurou as lojas pelas quais Amanda passou para que explicassem por que as peças que realmente serviram nela tinham tanta diversidade de tamanho. Renner e C&A declaram que consideram a norma ao confeccionar as peças, mas não souberam dar detalhes sobre as disparidades.

"Diferenças de tamanho podem surgir por conta dos diversos tipos de tecidos e modelagens", explicou a C&A, por meio de sua assessoria de imprensa. Já a Renner destacou o lançamento de uma linha de jeans ajustáveis. "Estamos em constante evolução para trazer modelagens cada vez mais assertivas para os clientes. Esse foi um dos pontapés para a coleção de jeans ajustáveis que apresentamos recentemente."

A Riachuelo não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A tabela da ABNT é um caminho para que comprar roupas deixe de ser um drama pessoal. Ainda assim, a complexidade e o excesso de detalhes e medidas a serem observadas pelas marcas leva a acreditar que o fim desse perrengue ainda é um sonho distante.

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