Estado em alerta

Com dados, a secretária de planejamento Leany Lemos mudou a forma de isolamento no Rio Grande do Sul

Giuliana Bergamo Colaboração para Universa René Cardillo/UOL

É com um entusiasmo incomum em tempos de pandemia que Leany Lemos, 50, fala sobre seu trabalho — que não tem sido pouco. Desde que os casos de Covid-19 começaram a ser confirmados no Brasil, as jornadas dela têm durado entre 12 e 16 horas diárias, quase sem folgas de fim de semana. No cargo de secretária de planejamento do estado do Rio Grande do Sul, a cientista política comanda uma equipe com mais de 120 especialistas. Eles fazem parte de um comitê de dados criado em meados de março para traçar estratégias de contenção das infecções por coronavírus.

O entusiasmo de Leany tem nome. Chama-se "distanciamento controlado", um plano de contenção da Covid e manutenção da economia que está em vigor há dez dias. Trata-se do resultado de tanto trabalho. "Seria arrogância dizer que vamos controlar a pandemia, mas posso dizer que estamos preparados para lidar com ela, porque estamos olhando para os números e temos a ciência como aliada", diz Leany, que é pós-doutora em ciência política. Estratégias semelhantes vêm sendo aplicadas pela França, Reino Unido e alguns estados americanos.

Por que o trabalho de Leany importa

Equilíbrio

A secretária comandou a criação de um plano que prioriza a segurança dos gaúchos, mas não deixa a economia de lado. Para isso, o estado foi dividido em regiões. Cada uma delas deve seguir um protocolo específico.

Referência

O plano elaborado pela secretaria comandada por Leany Lemos vem sendo estudado como modelo para outros estados brasileiros e pode ser uma esperança para o fim do confinamento radical em muitos deles.

Dados

Antes mesmo de colocar o plano em prática, o Rio Grande do Sul passou a divulgar boletins diários com dados sobre a pandemia. As análises e informações têm sido usadas por outros estados brasileiros também.

Cada bandeira uma sentença

A base de tudo é o levantamento e a análise de informações como: número de infectados e ritmo das infecções, número de leitos disponíveis, índices de risco das atividades econômicas e impacto dessas atividades no PIB local, entre outros. São elas que, semanalmente, alimentam um modelo matemático (uma fórmula) cujos resultados determinam protocolos a serem seguidos e identificados por bandeiras de diferentes gradações.

A mais branda é a amarela, que indica baixo risco de transmissão e boa capacidade do sistema de saúde. A mais grave é a preta, que aponta altíssimo risco de transmissão e sistema de saúde perto do colapso. Entre elas, estão as bandeiras laranja e vermelha. As regras são diferentes para as 20 regiões em que o estado foi dividido. Essas orientações norteiam o funcionamento de serviços, empresas e órgãos públicos: o que fecha, o que abre e quais os critérios de abertura. As atividades econômicas também foram organizadas em cem classificações diferentes.

"Não criamos bandeira verde porque não estamos na normalidade. Em qualquer um dos casos, o protocolo exige máscara na rua. Mesmo na bandeira amarela, o comércio abre, mas de maneira reduzida, com menos pessoas nas lojas. Igrejas, por exemplo, abrem também, mas com restrição de fiéis. É o novo normal", explica a secretária.

Além do uso de máscaras, algumas regras valem para todo o estado: distanciamento de, no mínimo, um metro entre as pessoas ou restrição do número de pessoas circulando em um mesmo ambiente; afastamento de pessoas com mais de 60 anos ou alguma comorbidade, por exemplo.

Com 3735 casos confirmados e 144 óbitos, não há, nesta semana, regiões com bandeiras vermelhas ou pretas no estado. Por isso, as restrições ainda não são muitas. Ainda assim, Leany conta que, no início, alguns prefeitos de municípios do Rio Grande do Sul manifestaram resistência. "Mas rapidamente houve um entendimento. Um prefeito falou que quer abrir mais 10 leitos porque entendeu que, se ele aumentar a capacidade do sistema de saúde, a bandeira muda", conta.

Cenários possíveis

Eu me lembro que eu estava em Brasília no dia 12 de março, quando fecharam as escolas por lá. Eu liguei para minha equipe aqui e falei: gente, vamos fazer uma projeção para o Rio Grande do Sul. O grande desafio é que, naquele momento, ainda não tínhamos casos no estado. Então foi preciso criar cenários. E foi o que fizemos: e se o Rio Grande do Sul fosse a Itália? E se fosse a Alemanha ou a Coreia do Sul?

Modelo para o país

A ideia de criação do plano surgiu no dia 12 de março. Na data, Leany, que é brasiliense, estava na capital do país para visitar a família — a mãe, que tem 76 anos, e dois dos três filhos já adultos. Vendo de perto o movimento do Distrito Federal, que então fechava as escolas, ela resolveu agir. "Eu liguei para minha equipe e falei: gente, vamos fazer uma projeção para o Rio Grande do Sul", conta.

Até aquele momento, só haviam sido confirmados dois casos de Covid entre os gaúchos. E ainda não havia nenhuma morte. As projeções precisariam, portanto, ser baseadas em cenários de outros lugares. "E foi o que fizemos: e se o Rio Grande do Sul fosse a Itália? E se fosse a Alemanha ou a Coreia do Sul? ", diz.

Antes mesmo de chegar ao modelo matemático, a equipe passou a emitir boletins diários com levantamento e análise de dados sobre a doença no Rio Grande, no Brasil e no mundo. O primeiro documento saiu dia 17 de março. "Alguns estados nos pedem o boletim diariamente. É o caso do Amazonas e do Acre, por exemplo", diz ela, que agora vem sendo procurada por gestores que pretendem estudar o modelo gaúcho para adaptá-lo às suas realidades. Segundo a secretária, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Ceará e Amazonas são alguns dos estados que já manifestaram o interesse.

A pessoa dos dados

Leany tem uma carreira robusta como cientista política. Em 1993, foi aprovada em concurso para trabalhar no Senado. Trabalhou com os senadores Darcy Ribeiro (1922—1997), Roberto Freire e com Rodrigo Rollemberg, sempre em cargos técnicos. Com Rollemberg, trabalhou também durante o governo do DF, entre 2014 e 2018, como secretária de planejamento.

Mudou-se para o Rio Grande do Sul há quase um ano e meio para assumir a pasta do planejamento no governo de Eduardo Leite (PSDB), a quem foi indicada pelo economista Pedro Nery, conhecido de ambos. Chegou para enfrentar o desafio de executar reformas estruturais e administrativas no estado.

"A reforma foi um sucesso e, esse ano, a ideia então era tocar as privatizações, temos algumas encaminhadas, e fazer a gestão do dia a dia. Ninguém esperava que ia cair uma bomba dessa, uma pandemia!", diz.

Leany gosta de ressaltar outro aspecto em sua história. Ela é mãe de três pessoas: dois "meninos" de 31 e 24 anos, e uma "menina", de 29. "Eu adoro ser mãe. Acho que é das melhores coisas da vida. Eles são meu grande legado", diz ela que começou cedíssimo. Ficou grávida pela primeira vez aos 17 anos, todos do mesmo casamento, que durou uma década.

Com as crianças sempre por perto, graduou-se em letras e seguiu carreira acadêmica na área de ciências políticas. É uma carreira acadêmica impecável — ou "by the book", como ela brinca. Durante o doutorado, pela Universidade de Brasília, morou um ano nos Estados Unidos, graças a uma bolsa de estudos American Political Science Association/Fulbright. Mais tarde, fez pós-doutorado nas universidades Oxford, na Inglaterra, e Princeton, nos Estados Unidos. Também tem livros e dezenas de artigos publicados. Sua tese de doutorado ganhou prêmios (melhor tese de ciência política da América Latina e da Capes).

Por tudo isso, ela não esconde o orgulho. Mas a grande realização profissional é outra e recente: "Eu fiz coisas muito boas, mas as coisas que eu escrevi não mudavam a vida das pessoas. Elas me deram muitas habilidades que eu trouxe para o setor público. Mas, agora quando eu sento numa reunião, os outros secretários falam assim: 'Leany, tu que é dos dados...' Ah, eu me encho toda. Gosto muito de ser a pessoa que traz a síntese embaixo dos braços."

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