AMOR SAPATÃO

Camila Svenson, colaboração para Universa

No mês da Visibilidade Lésbica, seis casais contam suas histórias de amor, encontro e de mundo

Georgia é fotógrafa, artista visual e trabalha com audiovisual. Gabi é poeta, compositora e cantora —organiza também a Batalha da Dominação, uma batalha de rap voltada para mulheres, pessoas trans e não binárias desde 2016. Foi lá que as duas se conheceram. "A primeira vez que eu fui, já tinha ouvido falar da Gabi. Ela é muito simpática, a gente trocou uma ideia, achei ela maravilhosa, linda. Comecei a ir com mais frequência, e fomos nos conhecendo. Teve uma época em que a gente descobriu que morava perto uma da outra e começou a conversar todo dia. E ficava pensando: 'Será que essa menina gosta de mim?'."

"Eu tinha acabado de me separar, após uma relação longa, estava uma loucura, doideira na cabeça. Estava na brisa de não me relacionar com ninguém. Mas a gente teve uma conexão muito legal", conta Gabi. "Durante muito tempo, eu fui colocada em um papel masculino, do que é esperado de mim pela sociedade. De ser a sapatão do cabelo curto, que usa bermuda e que vai direcionar a relação. Queria sair desse lugar. Então, dei uma indireta na Geórgia e disse que, se ela quisesse, podia me pedir em namoro." Georgia lembra que ficou nervosa com a intimada. "Passei a viagem inteira pensando em como fazer". No fim, deu tudo certo. Pedido feito e aceito.

Willman e Angela se conheceram há quase 30 anos, em São Paulo. Inicialmente, ficaram só amigas. Ambas trabalhavam como auxiliar de enfermagem. Ângela pediu demissão algum tempo depois e, por quase dez anos, nunca mais viu Willman. Em 1995, por meio de uma amiga, se reencontraram. "No primeiro encontro, almoçamos e tomamos uma cerveja. No dia seguinte, ela me chamou para ir à casa dela. E eu não saí mais de lá", diz Angela.

Angela e Willman são namoradas há 26 anos —e agora também noivas. O pedido aconteceu durante um programa de televisão, ao vivo e em frente às câmeras. A festa de casamento será em outubro. A lua de mel já está planejada em Aracaju, perto do mar —uma das coisas que mais gostam de fazer juntas é viajar. "Eu sempre falo que o ser humano não deveria morrer sem conhecer Foz do Iguaçu nem fazer um cruzeiro", aconselha Willman.

PUBLICIDADE

Quando começaram a se relacionar, Willman queria aprender a tocar sanfona. Angela, violão. "Eu dei uma sanfona para ela de presente e fui fazer aula de violão", diz Angela. "Naquela época, tinha uma música do Leonardo que fazia sucesso e me lembra o início do nosso namoro. "Por trás desse olhar tem uma fera indomável / que não sabe o que quer / afia suas garras e me espera / se despede num abraço de irmã / a saudade me invade nessa hora / te pergunto que será do amanhã."

Michelle e Nathalia trabalham com publicidade e se conheceram no aplicativo Tinder. "Eu tinha terminado um relacionamento de três anos, muito traumático, nem sabia usar app. Mas não tinha saco de ir para balada. A Nati foi o primeiro match que eu dei. A primeira mensagem que ela me mandou foi: 'Nunca te pedi nada, me dá um beijo?'." O primeiro encontro aconteceu em um show cover dos Beatles, em 2017, e seis meses depois estavam morando juntas. O pedido de casamento aconteceu em Nova York, no bar Stonewall, um dos espaços de resistência LGBTQIA+ mais importantes da cidade. Nathalia foi buscar uma cerveja no balcão e encontrou um bilhete escrito por Michelle: "Nunca te pedi nada, casa comigo?". O casamento foi em 2019, a lua de mel está em espera por conta da pandemia.

"Eu já tive muito medo de me apaixonar, especialmente na época em que não era assumida. Como é que vou viver plenamente sendo que ninguém sabe? Isso fazia eu me fechar e não namorar ninguém. Fui contar para a minha mãe quando conheci a Mi, e foi maravilhoso. Muda a forma como a gente se coloca no mundo", diz Nathalia. Com Michelle foi diferente. "O meu processo de saída de armário foi com 17 anos. A minha família é judia e conservadora. Meus pais ligaram para o meu pediatra, para o rabino, para a minha psicóloga, para a família toda. Existia uma expectativa em dobro: de casar com um homem, e casar com um homem judeu."

"A gente é um casal clichê, mas existe para fugir dos padrões. A passagem de tempo é diferente, é uma outra conexão, diferente da heteronormatividade. Rolou um preconceito quando fomos morar juntas. Até quando a gente foi casar, as pessoas perguntavam quem iria usar o vestido. Ninguém precisa usar vestido, e entramos juntas na cerimônia para dar uma bugada na cabeça da galera'' diz Michelle.

Carina trabalha com gastronomia e cresceu na zona leste de São Paulo. "Voltei para a casa dos meus pais no começo da pandemia. Tive que me isolar com mais quatro pessoas com quem eu não convivia há quatro anos." Já Jéssica é produtora audiovisual, mas já trabalhou em uma academia e também foi professora de balé para crianças. Mora em Osasco "desde sempre". "Tenho um biotipo diferente de bailarina magra, alta, sem peito. Cresci odiando o meu corpo e acreditando que ser sapatão era errado. A minha família é muito conservadora. Só me assumi no ano passado. Nós, como mulheres que decidimos estar juntas, somos resistência", define.

PUBLICIDADE

Carina e Jessica se conheceram no último dia de Carnaval de 2021. "Eu tinha acabado de sair de um relacionamento e entrei no Tinder por curiosidade. A Jessica foi a primeira pessoa com quem consegui trocar ideia'', recorda Carina. No primeiro encontro, passaram o dia inteiro juntas, e o assunto nunca acabou. "Eu lembro exatamente do dia em que pensei: 'Estou apaixonada por essa menina'", diz Jessica.

A pandemia transforma também a lógica dos relacionamentos. Como se constrói uma relação quando o próprio encontro se torna um risco? "A gente acabou lidando com um lado muito mais real da gente mesmo. Uma ansiedade, uma loucura de tudo acabar, de o mundo acabar. E por mais que todos os dias parecessem iguais, não foram. A pandemia fez a gente conversar muito, não tem nada de que a gente não troque ideia", diz Carina.

Gabi e Liu se conheceram cinco anos atrás, em um campinho de futebol em Barueri. "A irmã da Gabi jogava futebol, e ela estava lá, assistindo. Me cantou dentro do trem", lembra Liu. Pouco tempo depois, o casal estava morando junto. "Fui levando as minhas coisas aos poucos e, quando vi, já estava lá definitivamente."

Liu trabalha com aplicativos de entrega desde que tirou carteira de habilitação de moto. Gabi é revendedora de cosméticos. "A gente gosta de andar de moto juntas. Às vezes, quando a Liu está trabalhando no aplicativo, eu vou com ela. Tem um parque em Barueri também que a gente vai bastante", conta Gabi.

"É uma parceria, a gente se gosta e está junto. Para onde eu vou, eu a levo. Se eu quero fazer uma coisa diferente, convido ela. A gente quer muito viajar e conhecer vários lugares. Eu tenho vontade de ir para a Grécia, nesse lugar que tem umas casinhas brancas, que parecem gelo, e o mar atrás", diz Liu.

PUBLICIDADE

Isabella é artista, trabalha com vídeo e internet. Fabiana tem um espaço cultural e político de compartilhamento de conhecimento, a Brava. Se conheceram há dois anos e vivem um relacionamento não monogâmico e poliamorista. "Eu passei muito tempo da minha vida tentando reproduzir comportamentos que não tinham a ver comigo. Eu me entendi não monogâmica e acredito muito na palavra como posicionamento político. Me colocar nesse lugar de sapatão vem disso. É apropriação de um termo que, apesar de ter sido criado para ferir, passa a ser um posicionamento político quando a gente ressignifica", diz Isabella.

"Acho que a gente ainda cai muito nos estereótipos do amor romântico, de se reconhecer neles pela falta de diversidade nas narrativas compartilhadas. Eu achava que a gente tinha que morar junto, mas descobri que tudo bem ela morar na casa dela e eu na minha. Quando saí do armário, com 16 anos, não falei que era lésbica. Tinha medo dessa palavra. Falei para a minha família que estava namorando uma menina", conta Fabiana. "Eu entendo as pessoas que se casam, mas a gente precisa que haja acolhimento primeiro para outras formas de amar", diz Isabella.

Publicado em 29 de agosto de 2021.

Texto e fotos: Camila Svenson

Edição de Imagem: Lucas Lima

Edição de texto: Bárbara dos Anjos Lima e Débora Miranda