Negras sozinhas e só família branca: bancos de imagens espalham estereótipo
Anelise Gonçalves
Colaboração para o UOL, do Rio
29/08/2020 04h00
Bancos online de imagens reproduzem estereótipos preconceituosos em buscas por fotos de famílias, mostra um estudo desenvolvido por pesquisadoras das universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Rio Grande do Norte (UFRN).
Indício disso é que mulheres negras são mostradas desacompanhadas com mais frequência do que mulheres brancas e famílias brancas são indicadas como padrão de normalidade em detrimento de famílias racializadas.
Para elaborar o estudo, as pesquisadoras analisaram mais de duas mil imagens e ilustrações nos sites Getty Images, Sutterstock e Stockphotos. Buscaram termos "família", "família branca" e "família negra". Para as autoras, os resultados obtidos são fruto de um "quadro remanescente do racismo moderno".
A solidão da mulher negra
Dentre os resultados das pesquisas, 14,01% das mulheres negras exibidas apareciam sozinhas, enquanto o número caía para 9,25% entre as mulheres brancas. Para as pesquisadoras, a falta de uma figura masculina ao lado no contexto de família reforça a ideia da rejeição afetiva enfrentada por pretas e pardas.
Autora da pesquisa, a pesquisadora em Estudos de Mídia da UFRN Denise Carvalho explica que a solidão da mulher negra é um conceito que surgiu a partir da análise estrutural da sociedade brasileira.
Consolidado sob as bases do racismo, patriarcado e classismo, o país possui legados simbólicos como a animalização do corpo negro de forma geral e, neste caso específico, a hiperssexualização da mulher negra, diz.
A pesquisa evidencia o preterimento da mulher negra nas relações afetivas estáveis. A provocação que trazemos com ela é de que quando um ser humano é destituído de sua humanidade, também acaba não sendo digno do afeto
Denise Carvalho, pesquisadora de Estudos de Mídia da UFRN
O estudo mostra que a família branca parece ser sinônima de padrão nos bancos de imagem pesquisados. A maioria dos resultados das buscas por "família" nessas plataformas retorna fotos de arranjos familiares desse tipo.
Das 920 imagens pesquisadas nos três bancos:
- 534 famílias eram totalmente brancas (58,04%);
- 58 eram totalmente negras (6,3%) e;
- 57 de outras raças ou inter-raciais (6,19%).
A hipótese é que, ao não serem usados os termos "branco" ou "negro", os algoritmos entendem que a pesquisa deve fornecer resultados neutros. Mas o algoritmo entende que pessoas brancas são o padrão.
Coautora do estudo, a professora da Escola de Comunicação da UFRJ Fernanda Carrera explica a situação:
Tendemos a atribuir aos mecanismos de buscas e algoritmos uma neutralidade e objetividade. Queremos mostrar com esse estudo que essas tecnologias também reproduzem e reforçam estereótipos interseccionais - de raça, gênero e classe - e desigualdades sociais
Algoritmos reforçam o racismo?
Não é a primeira vez que uma representação discriminatória é percebida em uma plataforma online. Em julho de 2020, a jovem negra Luana Daltro, de 26 anos, descobriu que sua foto estava atrelada à expressão "cabelo feio" no Google Imagens. Junto de sua foto estavam a de outras mulheres com cabelo crespo e volumoso.
Curiosamente, a foto de Luana foi indexada pelo mecanismo de busca justamente porque a imagem dela foi incluída em uma entrevista em que negava a expressão. O caso repercutiu nas redes sociais, que acusaram o mecanismo de busca de racismo.
No fórum de ajuda do Google, um usuário questiona sobre o que fazer para denunciar casos de racismo nas buscas. "Digito 'tranças bonitas' e só aparem pessoas brancas. Já nas 'tranças feias', o resultado são apenas de pessoas negras. O Google argumenta que é a favor da diversidade, mas deixa isso acontecer na própria página", comenta o internauta.
Para o Google, a culpa da situação é a forma como produtores constróem seus conteúdos. "Como os sistemas (de buscas) encontram e organizam informações disponíveis na web, eventualmente, a busca pode esperar estereótipos existentes na internet e no mundo real em função da maneira como alguns autores criam e rotulam seu conteúdo", afirma a empresa, em nota.
Sobre a pesquisa das pesquisadoras da UFRJ e UFRN, Sutterstock e Stockphotos não responderam aos questionamentos do UOL até a publicação desta reportagem.
De acordo com a Getty Images, a interação das pessoas é um dos muitos fatores que influenciam seus algoritmos de busca e classificação. "Um cliente pode impactar a posição futura da imagem nos resultados da pesquisa, o que pode criar um desequilíbrio na diversidade. Passamos um tempo significativo ajustando o algoritmo para combater os preconceitos", afirma a diretora de Comunicação Externa Anne Flanagan.
Para reverter o quadro, a empresa diz que tem construído acervos de imagens mais diversas. Exemplo disso é o Projeto #NosMostre, uma biblioteca com mais de 2000 imagens lançada em 2019 para desconstruir a beleza de mulheres, indíviduos não-binários e que se identifiquem como mulheres. Em 2018, a Getty lançou uma coleção para retratar pessoas com deficiência física para buscar quebrar estereótipos.