Esta newsletter fala sobre o dia em que uma jovem repórter de apenas 22 anos decidiu que poderia entrevistar Gal Costa. Dedico o texto de hoje, sexta-feira (11), dia do velório da cantora a todas as "vacas profanas" que, como eu, se fortaleceram sob o timbre agudo de uma das maiores cantoras que esse Brasil já conheceu. Eu era uma menina descarada quando me enfiei a entrevistar Gal Gosta para Universa, em 2018. Tinha quase nenhuma experiência, mas me achava "braba" o suficiente para encarar uma das mulheres mais fortes sobre as quais já tinha ouvido falar. Desmoronei quando a vi e demorei um tanto para compreender a potência e o poder daquela figura ante a minha pequenez —e que lindo ser minúscula perto de Gal Costa. Ao me sentar de frente para ela, junto da minha editora, Juliana Linhares, senti meu corpo tremer por inteiro. E ela, então, passou a me chamar de "menina". Quatro anos depois e ainda lamentando a perda de uma das maiores mulheres do Brasil, somo um bocado de evoluções pessoais e no currículo. Olho para aquele episódio com humor e com carinho. Não me envergonho. Ao contrário, tenho imenso orgulho. Meu olhar sobre tudo que envolveu aquele dia —até sobre minha decisão de botar um vestidinho simples que traduzia um certo ar juvenil— é um olhar de coragem. E coragem é o adjetivo que talvez caracterize melhor Gal Costa. Ao velório não poderei comparecer, mas me despeço dela relembrando nosso encontro e agradecendo pela mulher corajosa que foi e que me incitou a ver a coragem em mim. Sua força e sua voz vão, para sempre, ecoar como trovoada. Ela, filha de Iansã, a orixá dos ventos e das tempestades, era a própria trovoada. | A repórter Talyta Vespa no dia de sua entrevista com Gal Costa | Imagem: Arquivo pessoal |
Ainda lembro a cena de Gal na minha frente: se expressava com fala mansa, mas firme. Sossegada, se soltou enquanto se espalhava num sofazinho. A tensão sexual e amorosa era vívida, afinal, Gal era amor. Da cabeça aos pés —nesse encontro, descalços. Foram 41 discos, 30 indicações para prêmios, cerca de 480 parcerias e registros de diversos shows em que foi aplaudida por 10, 20, 30 minutos. Uma carreira exorbitante, estrondosa, tempestuosa como a filha do vento. Na nossa conversa, pouco antes da eleição que daria a Presidência a Jair Bolsonaro (PL), ela criticou pesadamente o então candidato, declarou voto em Ciro Gomes (PDT) e se disse contra a liberação das drogas. "Como dizia Brizola, artista não dá voto, mas tira." Gostosa. Na vibe. Essa vibe deliciosa, libidinosa, gigantesca de Gal Costa virou o título do resultado da entrevista, cujos bastidores conto pela primeira vez neste texto. Traduzir em palavras essa abrangência de pessoa, e tudo que a envolve, é tão difícil quanto olhar nos olhos castanhos com bordinhas azuladas que ela tinha. Obrigada, Gal. E que o resto inunde as almas dos caretas. PUBLICIDADE | | |