Opinião

Não podemos atacar pessoas por suas ideias

Nas últimas semanas e com intensificação nos últimos dias, temos sofrido uma avalanche de ataques por sermos judeus, por sermos de esquerda, por defendermos uma solução justa e negociada entre israelenses e palestinos, e Natalia também por ser mulher. Esses ataques parecem se dirigir não apenas ao que dizemos ou fazemos, mas principalmente ao que somos. São ataques que apagam as distinções que tentamos demarcar com as palavras e manifestam-se como violência em estado bruto, com estratégias de humilhação e ameaças vindas de todos os lados, o que nos lança em um desafio de compreensão, além de um esforço para manutenção de nossa integridade física e emocional. Este texto é uma tentativa desse esforço duplo de pensar e resistir dignamente.

Desde que Israel foi sequestrado simbolicamente pela extrema-direita, quase tudo o que se diz acerca do país corre o risco de ser deturpado, recortado e descontextualizado para ser lido sem nuances em causa própria por cada um dos lados. Cada um desses lados, munido de suas certezas, tem se mostrado diversas vezes incapaz de escuta, diálogo e respeito no debate acerca do horror, como se a única solução fosse a aniquilação do outro em suas ideias e até fisicamente, segundo pregam os ataques que sofremos.

Não estamos, com isso, afirmando que há uma simetria na guerra atual, que entendemos como a culminação de uma violência crônica de Israel contra os palestinos no Oriente Médio. Repudiamos os ataques israelenses ao território de Gaza, repudiamos veementemente cada um dos assassinatos brutais cometidos por eles, repudiamos a restrição de direitos que os palestinos sofrem há quase duas décadas na Cisjordânia e acreditamos que a melhor saída para a situação que temos hoje seria a desocupação e desmilitarização desses territórios, começando com um cessar-fogo imediato, por que temos clamado.

Acreditamos que a segurança dos judeus em Israel e ao redor do mundo depende da existência de um Estado Palestino que garanta a eles também segurança e paz. Ao mesmo tempo, repudiamos e nos indignamos com as barbáries perpetradas pelo terrorismo do Hamas. O sequestro e o assassinato de crianças, bebês e idosos ocorrido no dia 7 de outubro nem sequer tem uma palavra exata que o possa descrever.

Mas nossas palavras não têm o poder de interromper a barbárie do terror nem a trajetória dos mísseis. Em um momento de absurdo, não é absurdo lembrar que não somos nós que os estamos disparando. Não somos nós que estamos matando civis e sequestrando inocentes. Palavras não têm o poder de fazer cessar a guerra, mas têm o de estimular tanto o antissemitismo quanto a islamofobia, extremos que se retroalimentam e, cada um a seu modo, perpetuam violências.

O judaísmo é múltiplo e as esquerdas também o são. Se você ataca uma pessoa em nome de uma ideia, se sua ideia precisa fazer com que o outro desapareça, se o silenciamento do outro é seu desejo principal, então seu projeto não é de construção ou de compreensão. É um projeto de morte e de destruição, seja de que lado for.

Depois de toda a dor e destruição, essa guerra vai passar. Todas passam. E quando essa guerra passar, as vozes que têm o desejo de destruição também se calarão. São vozes que só funcionam no caos e na guerra, ainda que a possibilidade de sua eclosão esteja sempre à espreita. Nós aí estaremos, feridos pelas ofensas do discurso de ódio, mas íntegros. Resistiremos às interdições a aos falseamentos para podermos, em um dia que esperamos chegar em muito breve, falar não mais de guerra, mas em paz e esperança.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes