Opinião

O dia em que fiz topless sozinha em uma praia de Nice

Foram 30 minutos. Sei porque contei no relógio. Um pouco porque o momento em que tomei coragem para tirar o top do biquíni é um dos quais eu jamais esquecerei pelo misto de liberdade, medo, nervosismo e alegria.

Esse é um texto que você talvez não esperasse de mim. Quem conhece meu trabalho sabe que ganho a vida como repórter de investigação. Mas antes disso sou jornalista e, um pouco mais no fundo, sou mulher. Na verdade, era assim que eu me colocava antes. No fundo. Finalmente, eu estou à frente. Sou uma mulher, jornalista e repórter investigativa. E, desde sempre, uma curiosa.

Decidi dividir essa experiência porque não quero reforçar estereótipos. Nem da mulher dita forte, durona, com comportamentos masculinizados ou mesmo da imagem que uma repórter que apura crimes, até mesmo de corrupção em alto escalão, supostamente deveria ter. Quem é de verdade me inspira e eu só quero fazer as minhas escolhas em paz. Não ser uma, mas todas. Desejo ser livre, como boa parte das mulheres. Mas existe muito frio na barriga para bancar essa opção.

No fim de junho, eu sai de férias na Europa. Fui à Suíça para um festival de jornalismo e fiquei mais 15 dias viajando entre a Itália, França e Espanha. Viajei de férias - sozinha - como nunca tinha feito na vida e nem sei o porquê.

Não me entenda mal, já tinha feito várias viagens sozinha. Em especial, de trabalho. Só não tinha saído de férias apenas na minha própria companhia. Ao planejar essa experiência, de aproveitar a mim mesma, comecei a fazer planos. Um deles foi, no meio do caminho, encontrar algumas amigas que moram por lá e, como estaria de férias em pleno verão europeu, quis aproveitar cidades com praia.

Ao escolher Nice, na França, e Barcelona, na Espanha, lembrei…lá é muito comum o topless. A prática conhecida assim, em inglês, significa não usar a parte de cima do biquíni feminino. Bem antes de embarcar, eu já fiquei pensando que seria uma oportunidade única de ver e viver essa experiência já que nas praias do Brasil isso não é permitido. Existem algumas poucas praias de naturismo, mas não é uma prática comum e, socialmente, é um grande tabu.

A ideia de aderir ao topless veio, pra mim, em meio a um período em que eu me propus a refletir sobre a maneira como eu lidei e lido com o meu corpo. Maltratei muito a minha autoestima me deixando levar por padrões com os quais convivi na adolescência e por boa parte da vida adulta. Quase nunca tinha grana sobrando para comprar, mas lia as revistas adolescentes das minhas amigas cheias de capas de modelos excessivamente magras em calças jeans de cintura baixa. Sem refletir direito sobre aquilo, também criei na minha cabeça a imagem de que para ser "bonita" tinha que ter aquela "barriga negativa". Isso moldou uma distorção tão grande da imagem que eu tinha de mim mesma que ao rever fotos de anos atrás até me assusto ao recordar que eu só me sentia imensa quase o tempo inteiro.

Há uns meses, passei a refletir sobre como precisava libertar meu corpo e, especialmente, a minha cabeça de boa parte dessas imagens que me trouxeram até sofrimento. Desistir de procurar um tamanho de manequim, aceitar minhas curvas, o tamanho do meu bumbum e o número do meu sutiã. O vídeo da atriz Paola Oliveira questionando homens sobre como se preparar para o Carnaval moveu montanhas internas em mim.

Na escadinha de me curtir, fazer topless era mais um degrau para subir.

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No primeiro dia em que cheguei em Nice, um sábado, empolgadíssima com a ideia, fiquei rapidamente frustrada. Sol e um mar de uma cor azul que fulminava os olhos, mas nenhuma companheira. Não avistei ninguém de topless. Mais tarde, me explicaram que é uma praia frequentada por muitos turistas estrangeiros, como eu, e, provavelmente, por essa razão com menos pessoas acostumadas à prática.

Sozinha nesse desejo e sem nenhuma alma à vista tratando aquilo com naturalidade, eu me encolhi e segurei o plano do topless. A amiga que me acompanhava não tinha a mesma vontade e tudo bem. Adoraria dizer que tive coragem de bancar essa treta solita. Algo que também não me ajudou foi um homem que me seguiu até o mar quando fui mergulhar e ficou ali, um tanto inconveniente, insistindo em puxar papo quando não recebeu nenhuma atenção além de educação. Acabei encurtando o banho de mar e voltando para a minha canga onde uma amiga aguardava, mas o cidadão, não satisfeito, ainda resolveu puxar a dele pra perto da nossa e insistir em saber "onde estavam os nossos namorados", de nos chamar pro restaurante da família dele…éramos duas mulheres curtindo a praia sem companhias masculinas e, ao ouvir o tititi em português, logo fomos notadas…estrangeiras, brasileiras…fomos embora.

Domingo, outro belo dia de praia. Eu seguia não disposta a desistir. Sozinha, caminhei bastante, visitei um mirante e fiz um passeio de barco. Na volta, quase no fim da tarde, caminhando pela orla, avistei um grupo de mulheres bastante tranquilas, à vontade e de topless. Pensei: é agora ou nunca.

Desci a escadaria até a areia e estendi a minha canga a cerca de um metro de onde o grupo estava. Elas falavam espanhol. Imaginei que podiam ser da Espanha onde a prática é comum. Olhei para o lado e uma outra mulher, sozinha como eu, também aparentando muito sossego, igualmente havia tirado a parte de cima do biquíni. Respirei fundo para controlar a ansiedade, e decidi dar um mergulho no mar antes de me juntar a elas e tirar o top.

Na volta, sentei na canga e mandei mensagens para uma grande amiga pedindo um incentivo e ele chegou na hora: "Vai! Começa de bruços para você se acostumar". Respirei fundo outra vez, fechei os olhos e puxei o top. Em segundos, o medo deu lugar a uma imensa sensação libertadora. Era uma escolha minha: estar ou não com o top. Meu corpo não era proibido, aquilo não era um convite para nada e nem para ninguém.

Fiquei uns 15 minutos de bruços, mas depois deitei de barriga para cima, já sem tanto nervosismo e, finalmente, aproveitei inteiramente aquela sensação contemplando o céu. Infelizmente, porém, o medo do assédio é tão introjetado que cada vez que começava a ouvir, ainda longe, um caminhar que se aproximava da minha canga, logo puxava os braços numa ação instintiva de me proteger. Mas correu tudo bem. Ninguém importunou aquele momento que acabou quando as minhas companheiras de topless resolveram deixar a praia. Não, eu não me senti confortável para, estrangeira, ficar lá sozinha. Um outro dia talvez.

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Tomar sol sem a parte de cima do biquíni não é uma ação sexual. O sensual também se faz presente em corpos inteira ou parcialmente cobertos. A possibilidade de viver e conviver sem um impedimento expresso, em especial para as mulheres, de como temos que nos vestir na praia, nos faria naturalizar nossos corpos. Notei melhor esse comportamento, em outras praias menores, já na Espanha, onde até o nu total era permitido. Percebi crianças convivendo entre pessoas desnudas e outras com trajes de banho sem fazer qualquer diferença entre uma coisa ou outra. Todos também respeitam a proibição de tirar fotos. Estavam à vontade.

Se eu faria de novo? Com certeza.


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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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