Passaporte para o perigo

Do Iraque à Coreia do Norte, André Fran vai atrás de destinos pouco explorados e fora dos guias

Priscila Carvalho Colaboração para Nossa

Com passagem por mais de 60 países, o jornalista André Fran, 44, foge do turismo convencional e carimba o passaporte atrás de locais vistos como exóticos e perigosos, longe do que a maioria dos viajantes procura em suas férias.

Seja no Irã, Rússia ou Estados Unidos, a função do apresentador do programa "Que Mundo é Esse?", da GloboNews, é justamente quebrar os estereótipos sobre esses locais, mostrando que é possível explorar um país e conhecê-lo além de um cenário de guerra ou notícias ruins.

Ele conta a Nossa quais foram as viagens mais marcantes, os destinos que surpreenderam e por que alguns países fora dos roteiros comuns deveriam ser mais explorados.

Da publicidade para o tsunami

André era, como ele mesmo define, o moleque da sala que adorava quando o professor mandava ler muitos livros, principalmente os que traziam histórias sobre geopolítica.

Já adulto, decidiu dar vazão à criatividade, cursou publicidade na faculdade, carreira que chegou a seguir por algum tempo.

Trabalhei em agência grande, mas aquele mundo não era para mim. Tinha aquele ego de você criar desejos desnecessários para as pessoas comprarem coisas que elas não precisam"

Foi aí que ele decidiu migrar para o jornalismo, começar na área e focar nas produções com vídeos, primeiro em trabalhos bem comerciais, depois já direcionado ao mundo das viagens através de documentários.

A primeira ideia surgiu quando alguns amigos surfistas estavam indo para a Indonésia em 2004, justamente quando o país foi atingido pelo tsunami que deixou mais de 200 mil mortos.

André então teve uma ideia: por que não mostrar isso? "Eu falei que em vez de cancelar a viagem, eles podiam ir, documentar e fazer disso nosso primeiro vídeo autoral. A ideia era eu fazer a produção aqui do Brasil, eles gravando diretamente do país e mostrando como as pessoas estavam reagindo e como os lugares foram afetados".

Chamado da estrada

Em 2006, de forma autoral, eles lançaram a produção com imagens da tragédia chamada "Indo.doc", que ganhou prêmios e foi amplamente difundida em grandes canais.

"Conseguimos despertar o interesse da imprensa e depois exibimos o documentário no SporTV e ainda recebemos reconhecimento internacional", afirma.

Depois disso, ele e outros amigos ganharam destaque e começaram a apresentar o programa "Não Conta Lá em Casa", no canal Multishow, que durou por quase seis anos. A primeira viagem documentada foi para Mianmar, em 2009.

Já em 2015, o programa ganhou um novo formato e mudou de emissora e de nome para "Que Mundo é esse?", exibido até hoje pela GloboNews.

Antes da pandemia, o ritmo de trabalho era superagitado. A equipe passava cerca de 20 dias a um mês em um país. "Às vezes é interessante emendar viagens". Ele e os amigos chegaram a fazer três países por ano, com duas temporadas e um especial para a emissora.

A escolha dos países nas viagens

Para fugir do turismo tradicional, André e os outros três apresentadores do programa exploram um aspecto marcante do lugar a ser explorado — via de regra, que ofereça histórias longe dos guias de viagem e diferentes pontos de vista.

Na Rússia, por exemplo, eles mostraram a transição do comunismo para o capitalismo, com direto a uma voltinha em tanques da antiga União Soviética. "Eles alugam para ganhar uma grana com os turistas", relembra.

Já na Coreia do Norte, como o país é muito fechado, eles apresentaram músicas de rock and roll para a guia local. "Ela nunca ouvir falar nesse estilo de música", diz.

O roteiro e a imersão em cada país também são feitos sem privilégios. Para ver como funciona cada bairro, comunidade e dia a dia nas regiões, eles, na maioria das vezes, vão sem credenciais de jornalistas e sem acompanhamento de secretarias de turismo locais.

Em alguns momentos, a gente até pensa que facilitaria muito ter uma autorização para algum aspecto. Mas logo iríamos perder muito da proposta do programa"

Agressão e tiros

"Já tomamos bronca algumas vezes e eles acham estranho 'turista' filmar tanto. Já mandaram deletar e a gente disfarça apagando as imagens só do cartão e deixando na memória. Estamos bem e vivos graças a Deus", relembra rindo.

Porém, nem sempre a abordagem é tranquila. Uma vez, durante uma manifestação sobre aquecimento global, na Dinamarca, André e os outros apresentadores foram agredidos por black blocs de "primeiro mundo", como ele define.

No Curdistão, André relembra a primeira situação real de perigo de vida. Para combater o Estado Islâmico (ISIS), os soldados do exército regional curdo, conhecidos como peshmergas, ficavam na fronteira com o Iraque e tentavam se defender como podiam.

Segundo André, os militares guerreavam com armas "recauchutadas", botas emprestadas e uniformes comprados com arrecadações do bairro.

"Fomos ali mostrar o que estava acontecendo, mas isso tinha uma série de riscos. Eles sabiam onde nos colocar, mas era bem arriscado. Do nada, o cara pulava a trincheira para tirar selfie com a gente e depois começava a ter o barulho da bala vindo em nossa direção", relembra.

As boas surpresas

A lista vasta de países pelo mundo fez com que André pudesse quebrar estereótipos e se surpreender com alguns locais por onde passou.

Um deles foi o Irã, no Oriente Médio, e que ainda é visto como "perigoso" ou fora da rota do turismo. Mas o país vai além de conflitos e petróleo.

"Na época do episódio, o canal até falou: 'Não tem correria, confusão, medo?' e a gente falou não", recorda.

Para o jornalista, foi uma quebra de paradigmas. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, o país tem um grande potencial para receber turistas, com boa segurança e hotéis.

Eu indicaria o Irã para os meus pais. Lá é possível comer em bons restaurantes, visitar destinos históricos"

E a lista de viagens não para. André também pôde vivenciar outros destinos que fogem do roteiro convencional de algumas pessoas. O Afeganistão foi um desses lugares em que ele encontrou uma grata surpresa. "Muitos lagos, montanhas. É um país com muitas belezas", diz.

Outro lugar indicado pelo roteirista é a Etiópia. Ele conta que o lado cultural é muito presente, já que o país não foi colonizado, apresenta belas paisagens e muita história.

Por último, ele ainda coloca a Tunísia, situada no norte da África, como um belo lugar para visitar. "Fomos para lá por conta da primavera árabe e é tão bonito quanto Mikonos, na Grécia".

As próximas aventuras

Hoje, por causa da pandemia, a produção dos programas precisou ser interrompida e o jornalista se dedica ao seu canal André Fran Oficial no YouTube, no qual ele mostra curiosidades e analisa aspectos geopolíticos dos países em que já esteve.

Como ainda é muito incerto o fim da crise sanitária no Brasil e no mundo, não há viagens programadas para um futuro próximo. Mesmo assim, ele deseja incluir alguns destinos na lista para as novas gravações do "Que Mundo é Esse?". O primeiro deles é Wuhan, na China, cenário dos primeiros casos de coronavírus no mundo.

André deseja mostrar o lado que ninguém imagina e como são os costumes na cidade.

As pessoas têm esse imaginário de lugar sujo, pequeno e com feiras de animais. Mas é gigante, supermoderna e com muita tecnologia"

Já os outros são as ex-capitais do estado islâmico: Mossul, no Iraque, e Racca, na Síria. "Quero saber como a permanência do ISIS impactou as pessoas ali e que tipo de consequências deixou para o local. Tenho muita curiosidade em descobrir", conclui.

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