O caçador de artistas

O publicitário Renan Quevedo desbrava os rincões do país para descobrir as estrelas da arte popular do Brasil

Carol Scolforo Colaboração para Nossa agustavop/Getty Images/iStockphoto

O artesanato do Brasil é tão diverso quanto nosso povo. Em cada cantinho do país, artesãs e artesãos criam peças de todo tipo: de objetos de decoração a móveis e roupas. Quase sempre, usam como matéria prima recursos naturais próprios da região em que vivem, como madeira, barro, pedras ou couro.

Os brasileiros, porém, pouco conhecem sobre a arte popular de seus conterrâneos. Foi partindo dessa premissa que o publicitário Renan Quevedo se aventurou pelas cinco regiões do país para mapear o artesanato, buscar e divulgar histórias de artistas e ajudá-los a incrementar as vendas.

A curiosidade surgiu em 2012, na visita à exposição "Teimosia da Imaginação", no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Embora fosse capaz de citar, de cabeça, vários nomes de artistas estrangeiros, ali Renan percebeu que nem ele, nem seus amigos conheciam os brasileiros que estavam expondo.

Fiquei impressionado com a criatividade para reaproveitar materiais e recursos ao produzir as obras"

Decidiu ver os artistas de perto. Numa sexta-feira, depois da sempre exaustiva semana de trabalho, dirigiu até o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. "Foram 14 horas dirigindo direto, 1150 quilômetros numa batida só", lembra.

O primeiro impacto

A parada inicial foi na casa da artista Noemisa Batista. "Me deparei com um mundo que contrastava com a aura das exposições. Comecei a entender a vida dessas pessoas, seus sonhos e fraquezas, as razões de existir daquelas peças. Tudo se encaixou", conta.

Depois da primeira viagem, o publicitário voltou outras 20 vezes para o Vale do Jequitinhonha. "Eu usava metade do salário para o aluguel e a outra metade para custear as viagens", conta.

Começava ali uma outra jornada, a de autoconhecimento e transformação da própria vida. Após sessões de terapia, em 2017, ele percebeu que tinha mais do que um passatempo nas mãos. Dar maior visibilidade à arte popular brasileira era um propósito real, o plano só precisava ser estruturado.

Ter um projeto pessoal parece algo positivo, fácil, romântico. Mas eu não tinha carro, nem dinheiro pra me lançar nisso. Então escrevi no papel tudo o que eu teria de resolver e segui em frente"

Depois de um acordo com a empresa, Renan pediu demissão. Investiu o que recebeu e caiu na estrada em busca de mais artistas. "Mesmo os mais conhecidos eram ainda anônimos para o grande público. Passei sete meses percorrendo o Brasil e contando o que via nas redes sociais. Foram mais de 300 postagens naquela temporada".

A arte popular é ousada, irreverente. É rústica, complicada, inteligente. É uma grande celebração de quem nós somos"

Renan Quevedo

Histórias de vida

Sem saber, Renan dava esperança a quem estava acostumado às agruras do interior. Gente sofrida, que trazia lições de superação, que usava o barro do chão para não morrer de fome. O resultado foi sucesso de audiência.

O publicitário colocou no ar um financiamento coletivo para continuar custeando o projeto (as viagens e a divulgação dos trabalhos). Em pouco tempo, atingiu 109% da meta. Ele também foi convidado para fazer palestras. Assim, artistas como Zé Bezerra, Dona Izabel, Zezinha e Dudu da Costa tiveram seus trabalhos resgatados e reverenciados.

Nascia então o Novos para Nós. Além de mapear a arte popular feita nos quatro cantos do país (hoje já são mais de 400 artistas), Renan divulga os trabalhos em um site, um perfil do Instagram e em palestras. Com isso, não só torna o trabalho deles artistas mais conhecido, como ajuda na ponte com os compradores.

O que eu fiz não foi um deslocamento geográfico. Foi um deslocamento de eixo. Essas pessoas mudaram minha vida. A arte popular é nosso maior tesouro, fala de nossa ancestralidade e de nosso futuro"

Em muitos lugares a arte popular não tem nome. As pessoas dizem que é de um 'anônimo'. Como Aldir Blanc eternizou, o Brasil não conhece o Brasil"

Renan Quevedo

Emoções no interior do Sertão

As dificuldades financeiras dos artistas populares são enormes em todos os cantos do Brasil. "Mas eles seguem insistindo", diz Renan. Em uma das viagens, ele ouviu falar de seu Jasson, do Sertão de Alagoas. "Eu me perdi muito até chegar a ele. Conversamos por duas horas na cerca, sob sol de meio-dia, e ele não me convidava pra entrar", ri o publicitário. Quando finalmente isso aconteceu, ele entendeu o motivo.

A família estava passando fome e via o trabalho de seu Jasson com desdém. "Perguntei o preço do trabalho e ele me passou um valor muito baixo. Questionei e ele disse que ainda me faria um desconto", conta. Renan não aceitou e disse que a arte valia quatro vezes mais.

Por que um vaso industrializado em uma loja pode custar caro e o feito à mão não pode, sendo que carrega uma tradição secular? Não faz sentido"

Renan encomendou uma peça e, logo depois, outras. Todas entregues com maestria por seu Jasson. Hoje a dupla ri junto em palestras. "Viramos amigos. Com o dinheiro, ele contratou uma pessoa para ajudar nos afazeres. O interessante desses artistas é que eles são próximos da comunidade e colaboram com ela".

Mapa da arte popular

Artesãos do Brasil

Os artistas que se destacam Brasil afora segundo Renan Quevedo, da Novos para nós, e Júlio Ledo, da Artesol, rede que mantém um mapa virtual do trabalho de brasileiros e brasileiras.

TEMPORADA: BRASILEIRO

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