Cápsula do Tempo

Ilha no leste do Japão, Sado mantém ares do passado e é um convite para o turismo de experiências

Roberto Maxwell Colaboração para Nossa, de Sado, Japão Associação de Turismo de Sado

Toda vez que eu volto a Sado, tenho a sensação de que o tempo parou. Localizada a cerca de duas horas e meia de distância de Niigata, a capital mais próxima, já no continente, a ilha é um daqueles locais que todo mundo que conhece um pouco sobre o Japão ouviu falar mas, na real, nunca visitou.

Com uma economia baseada em produtos agrícolas e pesqueiros, há alguns anos Sado vem investindo em aparecer como destino turístico para pessoas interessadas em cultura e em slow travel, aquele tipo de viagem sem pressa que tem cada vez mais adeptos mundo afora. Com um clima bucólico, natureza exuberante, cultura peculiar e boa comida, a ilha tem atrativos suficientes para fazer você mexer no seu roteiro de viagem e eu te conto o porquê.

Associação de Turismo de Sado
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Bem-vindo a Sado

O acesso à ilha é relativamente tranquilo. Niigata, que fica a cerca de 2 horas de trem-bala de Tóquio, é o principal porto de entrada. Da cidade, partem dois tipos de embarcação para Sado: uma barca no estilo ferry boat e um aerobarco. O primeiro faz a viagem em duas horas e meia e o segundo, em menos da metade do tempo. A barca oferece serviços em várias classes, com preços entre 26 e 160 dólares. Já o aerobarco custa por volta de 65 dólares.

No entanto, circular pela ilha sem carro costuma ser um desafio para o turista. Sado é, na prática, a 6ª maior ilha do arquipélago japonês. Sua costa tem 260 quilômetros de extensão, distribuídos em uma área de cerca de 860 km², o equivalente à soma dos territórios das cidades de Belo Horizonte e Porto Alegre.

Com apenas 52 mil habitantes, que circulam basicamente de carro, o transporte público em Sado é escasso, embora muito bem organizado. E é aí que a porca torce o rabo já que, em muitos casos, as distâncias a serem percorridas costumam ser longas.

Para conhecer a ilha como um todo, o ideal é alugar um carro ou contratar um serviço de transporte nos hotéis e pousadas. Neste caso, o custo para uma pessoa pode ser salgado e funciona melhor quando se viaja em grupo. Outra opção são as bicicletas. Existem cinco postos de locação "oficiais" e algumas pousadas oferecem também o serviço. A diária cheia nestes postos custa cerca de 20 dólares. No entanto, é preciso planejar bem. Sado tem boas estradas, mas algumas são montanhosas, o que pode ser um problema para quem não costuma pedalar.

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História à beira-mar

Sado é mais que uma viagem. É uma experiência. Parece slogan de secretaria de turismo mas, de fato, a ilha não é para quem pretende bater ponto no máximo de lugares e gravar umas dezenas de stories para postar no Instagram. Dificilmente você vai conseguir visitar mais de dois locais diferentes num dia. A dica, portanto, é relaxar e explorar ao máximo cada local visitado.

A área turística mais visitada de Sado é Ogi, que fica no extremo sul da ilha. Ogi (lê-se "ogui") é um distrito portuário. No passado, uma rota de navegação importante passava pelo porto local, o que transformou Ogi numa das regiões mais desenvolvidas de Sado.

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Vila de Shukunegi, com as antigas casas dos pescadores

O símbolo maior desse momento é Shukunegi (lê-se "shukunegui"), uma vila a cerca de 10 minutos de carro do centro de Ogi, onde se concentravam as residências dos antigos construtores de barco, que fizeram fama e riqueza na ilha.

A vila tem cerca de 100 residências numa área de apenas 3 hectares, uma concentração digna de cidade grande. Muito bem preservadas, as casinhas de madeira são extremamente simples no exterior mas escondem alguns segredos, como é possível ver na Residência Seikuro, com suas paredes laqueadas. Além desta, outras três residências são abertas ao público, com ingressos que variam entre 3 e 4 dólares.

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"Barris" flutuantes

Outra atração de Shukunegi é o taraibune, um tipo de barco com o formato de um barril (foto acima), usado pelas mulheres para pescar em áreas recortadas, onde o acesso aos barcos normais não é possível.

Chamados também de hangiri (lê-se "ranguiri"), que quer dizer 'cortado ao meio', os antigos taraibune eram feitos com os barris gigantes de madeira usados para a produção de molho shoyu.

Em Shukunegi, os taraibune são feitos a mão por um artesão, que mantém a madeira como material principal. É um passeio turistão mas que serve para interagir com os locais e descobrir um pouco sobre um tipo de pesca que até hoje é realizado na ilha.

Shukunegi também é o local para experimentar uma iguaria da ilha, o sobá, um macarrão feito de trigo sarraceno. No Anaguchi-tei, a iguaria é servida com um prato de tempurá de legumes, muito bem fritos e saborosos. Ideal para pessoas vegetarianas, o prato também agrada a quem é onívoro e não se importa em passar uma refeição sem carne.

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Na batida do tambor

Na região de Ogi fica, também, a casa de um dos mais importantes grupos de percussão tradicional, o Kodo (imagem acima), que já esteve no Brasil em pelo menos uma ocasião, na celebração do centenário da imigração japonesa, em 2008.

Os membros fundadores do grupo foram atraídos para Sado em 1969, em busca de uma cultura japonesa "mais autêntica" numa época em que o país passava por grandes transformações.

Uma vez na ilha, os então universitários tiveram contato com as tradições locais, dentre elas o onidaiko (imagem abaixo), uma espécie de dança ritual realizada ao som do tambor. Longe dos olhos dos turistas, os festivais em que os onidaiko podem ser vistos acontecem nas comunidades.

Minha experiência com um grupo de onidaiko começou às 5 da manhã em um santuário e só terminou na madrugada do dia seguinte, depois que os participantes dançaram nas portas de todas as cerca de 120 residências do bairro.

Recebidos com comida, bebida e festa, não precisa dizer que os participantes terminam o dia cansados demais para perceber que estão bêbados. Acreditem, falo por experiência própria.

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Mini-Woodstock à japonesa

Anualmente, o Kodo organiza um festival em Ogi, o Earth Celebration, que marca também o início da sua temporada de espetáculos fora da ilha.

O evento é uma espécie de mini-Woodstock, com performances gratuitas ao ar livre e em pequenos espaços, como cafés, seguidos pelos shows da noite — pagos —, no qual o Kodo se apresenta sozinho ou com convidados.

Para registrar, em 2008 o Olodum representou os tambores brasileiros em dois shows que, quem assistiu, diz que foi memorável. O evento rola sempre na terceira semana de agosto e, este ano, foi online por causa da pandemia.

Fora da época do festival, é possível fazer uma aula com alguns dos ritmistas do grupo no Tatakokan, uma espécie de sala de ensaio construída num prédio de madeira com quase 100 anos de história.

O espaço é equipado com diversos tambores, incluindo dois odaiko (grande tambor), feitos com uma árvore zelkova que morreu com mais de 600 anos de idade.

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Teatro ancestral

Outra pedida para quem curte uma programação mais cultural são as apresentações de nô, feitas em alguns santuários da ilha. O nô é um tipo de teatro antigo, praticado sem muitas mudanças desde o século 14. Por isso, ele é composto de um pequeno elenco, quase sempre com dois personagens, um coro e uma pequena orquestra.

Geralmente, se assiste nô em teatros dedicados a esta arte, em grandes cidades como Tóquio e Osaka. Em Sado, o nô é um outro tipo de experiência.

Trazida para a ilha na época de ouro da mineração, essa forma teatral foi se transformando em um ritual oferecido aos deuses nos santuários xintoístas. Sendo assim, os locais começaram a se envolver com o nô e, até os dias de hoje, os participantes são atores amadores, que aprendem as técnicas de atuação com os mais velhos.

As apresentações são no início de noite, a céu aberto, sob a luz de tochas. O clima é de um ritual. Como muitos dos libretos são antiquíssimos, nem mesmo os japoneses conseguem acompanhar a história como um todo. Assim, a dica é mergulhar no universo de sons e imagens e se deixar levar pela performance.

De certo modo, o nô é como tudo em Sado: funciona num ritmo próprio e às vezes parece inacessível, mas quando você se deixa levar acaba se descobrindo num universo completamente novo"

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