Leveza na quarentena

Para tornar o confinamento mais leve e ajudar pequenos produtores, projeto inspira a criar com flores

Carol Scolforo Colaboração para Nossa

Tempo de observar

Enquanto o mundo lá fora se movia sem parar, a consultora de moda Bárbara Chiré, mantinha o hábito de comprar rosas. Uma cena por si só cheia de poesia, mas que trazia uma culpa inconsciente: pela vida apressada, mal tinha tempo para contemplar por completo a beleza das flores antes de murcharem. Na quarentena, seus trabalhos na rua foram suspensos. As flores que adquiria para os ensaios de moda já não eram necessárias. Por outro lado, tinha horas mais livres para se dedicar ao projeto pessoal da @leve.mag, sua revista visual no Instagram, ao lado de Renata Sung. Em pauta, natureza, infância e bem-estar.

Em meio a tudo, ela se perguntava: o que será dos floristas que perderam as floradas inteiras desta época? Era preciso contribuir de alguma forma. "Depois de refletir, surgiu a vontade de mandar flores para meus amigos", conta. Com os buquês, Bárbara enviava um convite para transformarem as espécies em arte. Daí surgiu a Quarentine Series, um movimento instagrammer que resultou em inspirações de leveza para o mundo. Serão ao todo 20 colaborações de olhares diversos. "Cada um de nós pode tornar o mundo mais leve. Essa tem sido minha pequena contribuição".

Antes eu via as pessoas comprarem flores preocupadas com a duração. Agora, elas têm tempo para contemplar e ver que é tão singelo e significativo

Bárbara Chiré

Criaturas em metamorfose

Quando a fotógrafa Thais Vandanezi recebeu as flores da amiga Bárbara, travou. "Para quem trabalha com criatividade, esses tempos têm sido difíceis. A inspiração não vinha", diz. Na garagem da casa onde mora com a prima Nathalia Freitas e o namorado Rodrigo Oliveira começaram a surgir ideias. "Quis usar frutas e legumes para trazer certo estranhamento e porque meu lugar nessa quarentena tem sido a cozinha", ri. O namorado apareceu com raios de bicicleta, que, entortados, davam formas a criaturas esquisitas. "Eram metamorfoses. As cores escuras refletem o momento de escuridão e incertezas que estamos. Uma enorme transformação interna marca nossa vida".

A natureza toma posse do mundo

Em mais um dia de confinamento, Felipe Morozini acolhia o buquê de flores que havia chegado. Nele, o convite a criar um diálogo imaterial e ainda ajudar pequenos produtores rurais. Nas empenas do Centro de São Paulo, as obras do artista visual têm viralizado. Dentro de casa, onde sempre trabalhou, o confinamento trouxe um paradoxo. "Antes, era minha opção criar aqui. Agora não há escolha. Isso deu um bug na minha cabeça", conta. Se para muita gente "a arte salva", ele diz que no momento é da natureza esse poder. "Esse lugar, o Centro da cidade, era outro antes de nós. Por isso minha sala foi tomada pelas flores. A desconstrução delas é uma coisa tão simples e tão sofisticada ao mesmo tempo. No momento, eu me sinto como um canal de conexão entre um amor e outro".

Cores inesperadas e a cura

"Foi inesperado. Eu estava emocionalmente muito abalado quando recebi as flores da Bárbara". Assim o fotógrafo Renam Christofoletti começa a desabafar sobre os dias de desesperança que nos assolam. Mal sabia o efeito curativo que estava por vir. "Quando entrei em contato com a energia delas, precisei entender como retratá-las. Entrei em um caminho criativo que me levou a um processo meditativo", conta. Sozinho, concebendo as imagens, ele se emocionava e chorava. "Fazer isso sem pensar em tempo, cobrança e prazo foi libertador. Um processo de cura que me abriu para outras ideias, como fazer uma exposição. Não vou parar por aqui", diz ele. De seu trabalho sensível com cores e da sensação de terapia veio o nome da série, Chromotherapy.

Poesia na cabeça

"Eu aprendi que a gente consegue criar poesia e enxergar beleza nas coisas mais triviais do dia a dia em casa, basta querer", conta Bruna Castanheira. Nessa quarentena, assim como muitos fotógrafos, ela viu sua agenda lotada abrir espaço para a vida em casa. Nem por isso desanimou. Passou a inventar editoriais em casa — e esse, com flores enviadas por Bárbara, a levou a um caminho de humanizar a natureza, na série Anastasia. "Ela me instigou a pensar sobre as flores de um jeito diferente", conta ela, que trabalhou ao lado de Pablo Quooos. Surgiram assim cabeças floridas de personagens curiosos, que pedem atenção em meio ao caos que o vírus provocou. A arte é mesmo um antídoto contra a falta de esperança, não?

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