O artesão da natureza

A vida e as incríveis obras de David Trubridge, um dos designers mais renomados do século

Pedro Fonseca do Nossa Divulgação

O que define a arte? É difícil compreender o que encanta nossos sentidos, especialmente em um mundo que informações nos impactam a todo instante e as cidades não param de crescer.

Em meio a esse universo, a natureza surge como inspiração para gênios da arquitetura e do design. Este é o caso de David Trubridge, que encontrou em formas geométricas uma maneira de traduzir a complexidade do planeta.

O designer britânico, radicado na Nova Zelândia, visitou o Brasil pela primeira vez para expor a mostra Lights of Nature, em São Paulo, com um seleto portfólio de suas assinaturas. Ele cedeu algumas horas de seu dia para conversar com a reportagem de Nossa e compartilhar sua história, ambições e visão de mundo.

Divulgação

As primeiras inquietações

David Trubridge se formou na Universidade de Newcastle, na Inglaterra, em 1972, no curso de Arquitetura Naval —seu sonho na época era desenhar barcos. Neste período, o jovem designer trabalhava como guarda florestal na zona rural de Northumberland, onde teve seu primeiro contato com madeira e confecção de móveis.

Em 1981, cansado da vida monótona da fria cidade inglesa, ele resolveu explorar o mundo junto de sua esposa Linda e seus dois filhos pequenos. Eles venderam todos os seus pertences e compraram um barco para se aventurar em alto mar.

Porém, o que era para ser uma experiência curta, acabou durando dez anos e permitiu que conhecessem a cultura oriental, muito distante da realidade a que estavam habituados. "Foi a melhor coisa que fizemos, se tivesse ficado na Inglaterra teria uma boa vida, uma profissão consistente. Mas essa mudança me fez entender a complexidade do universo e das culturas", conta Trubridge a Nossa.

Após alguns anos se aventurando em alto mar, a família chegou à Nova Zelândia em 1985, e David se encantou com a região do Oceano Pacífico. Esse amor à primeira vista o fez ficar e também o inspirou a desenvolver móveis que mantinham conotações estreitas com o mar.

Ele criou, em 1995, a David Trubridge Ltd para expandir seu pequeno negócio de marcenaria. A criação da empresa foi impulsionada por uma forte filosofia ambientalmente consciente, onde ele faz questão de informar todos os aspectos do design e da produção de suas peças. Mas o sucesso não veio de imediato, foi apenas 16 anos depois de fixar-se na ilha do pacífico que sua vida teve outra reviravolta.

Durante exposição na Feira de Móveis de Milão, a casa de móveis italiana Cappellini resolveu comprar os direitos de produção de uma de suas invenções, a Body Raft, uma cadeira com base curvada que permite que o móvel balance suavemente para trás e para frente. Essa mudança possibilitou que Trubridge expandisse seu negócio.

Facebook/Linda Trubridge Facebook/Linda Trubridge

As obras que o definem

Divulgação

Icarus

A instalação foi baseada na lenda grega de Ícaro e é composta por duas luminosas asas de policarbonato que circulam ao redor de Sola, uma esfera no interior para representar o Sol.

Divulgação

Body raft

A peça é equilibrada em uma base curvada que balança suavemente como uma rede, com todas as suas associações de conforto e descanso, e a uma tradicional canoa Maori.

Raychel Deppe

Coral

Baseado em poliedros geométricos que interessam a David desde que ele era menino. A forma complexa é feita de apenas um único componente repetido 60 vezes.

Charlie Smith

Kina

A peça faz referência à concha interna do ouriço-do-mar de água salgada, chamada de kina em Maori, que é freqüentemente encontrada nas praias da Nova Zelândia.

Divulgação

O reconhecimento

Em 2004, com a empresa consolidada, outra invenção ganhou reconhecimento internacional, a luminária Coral, que se tornou modelo para uma série de kits inovadores e sustentáveis. "Eu fazia móveis e queria criar algo divertido com minhas mãos. Não sei porque, mas, quando criança, adorava formas geométricas. Então comecei a testar com diferentes materiais até encontrar as ferramentas perfeitas para inventar o conceito. O que fiz foi criar algo para vender, mas não esperava o sucesso que seria, foi muito instintivo", explica o designer. O sucesso de sua criação lhe rendeu o prêmio de um dos 15 melhores designers do mundo pela revista francesa Express, em 2008, consagrando seu nome no meio artístico.

Divulgação Divulgação

Quatro anos depois, em 2012, o Centro Georges Pompidou, em Paris, comprou a Icarus, uma de suas criações, para sua coleção permanente. Segundo Trubridge, a peça incorpora uma questão moral dos nossos tempos, de não nos deixarmos levar pela tecnologia e arrogância, porque, se o fizermos, "o Sol pode ficar muito quente". Foi a primeira vez que um museu de renome internacional adquiriu itens criados por um designer moderno que se concentra no "desenvolvimento sustentável".

Essa característica de abordar a sustentabilidade é o que diferencia David:

O que tento expressar por meio do meu trabalho, é que não estamos nos reconectando com a natureza, isso porque nós somos a natureza. Precisamos entender que se não respeitarmos isso, estamos nos prejudicando, a natureza é nossa essência"

Seus conceitos desenvolvidos o tornaram referência no que especialistas chamam de raw sophistication (sofisticação bruta) — isto é, conseguir transformar elementos de sua forma mais natural em itens sofisticados. "Trabalhar com este tipo de material é trabalhar com o estado natural das coisas. Apesar de parecer contraditório, esta vertente significa entender que o bruto é muito mais complexo do que o resultado de uma obra de arte. A árvore em si é mais complexa do que o processo de fazer uma cadeira", explica o especialista.

Centre Pompidou, mnam/cci Centre Pompidou, mnam/cci

A inspiração no mar

Se você entrevistar qualquer artista, seja um poeta ou pintor, eles dirão que não sabem de onde suas ideias nascem, e com David não é diferente: "É como se elas aparecessem do nada. Não é um processo de sentar e ligar uma chavinha, a criatividade tem que vir até você".

É como um rio, que em um instante ele está turbulento e você não consegue enxergar as profundezes, mas, quando ele para, você enxerga toda a vida submarina existente"

Foi esse o processo que utilizou para criar suas mais famosas invenções. Apaixonado pelo mar, o designer se viu refletindo sobre a vida das pessoas nas grandes cidades, o trânsito, as doenças, a desigualdade e a necessidade de encontrar maneiras de solucionar esses problemas.

A luminária Coral nasce desse propósito. Feita a partir de um único componente de policarbonato repetido 60 vezes, é considerada um clássico do design. David representa nessa peça as relações da natureza: tudo está conectado, pequenas peças idênticas formam uma obra de arte. É o mesmo processo usado para desenvolver a Kina, que na linguagem Maori significa ouriço. David se deparou com um exemplar da espécie na Antártida e teve a inspiração para criar esta a peça.

Divulgação

A madeira sustentável

Uma pergunta que pode surgir é como móveis de madeira podem beneficiar o meio ambiente? A explicação é que todas suas invenções usam madeira sustentável, certificadas por órgãos de proteção ao meio ambiente, e de refugo, que são materiais desprezadas no processo de produção de móveis e casas. "Eu sempre trabalhei com madeira e, bem no começo, quando aprendi a manusear o material, era guarda-florestal, e foi nessa época que aprendi todo o ciclo do material, desde derrubar a árvore até entregar um móvel. Com isso, desenvolvi um pensamento de que não era só um produto, mas todo um processo", conta.

Facebook/Linda Trubridge

Os filhos prodígios

Os dez anos vivendo em um barco influenciaram toda a família, principalmente seus filhos William (direita) e Sam (esquerda). O primeiro se profissionalizou no mergulho livre e, em dezembro de 2010, tornou-se o primeiro homem a mergulhar 100 metros de profundidade sem a ajuda de equipamentos. Não bastasse esse feito, o jovem é sete vezes campeão mundial na categoria e quebrou 18 recordes mundiais.

Já Sam, seu filho mais novo, é fundador e diretor artístico do projeto Performance Arcade, um festival gratuito de arte, música ao vivo, dança e teatro, que todo verão opera a partir de uma série de contêineres artisticamente arranjados na orla de Wellington, capital da Nova Zelândia.

iStockphoto

As impressões do Brasil

Quando perguntado sobre o que pensa do país, David foi irônico ao dizer que não podia opinar devido às poucas horas que estava em solo brasileiro, mas, depois das risadas, abriu seu coração: "Vendo de longe, eu amo o Brasil. É uma diversidade incrível. Porém, ao mesmo tempo, é muito triste ver ações governamentais favoráveis ao desmatamento", diz.

Para o designer, o Brasil precisa ter cuidado com a natureza, e isso não é difícil: "Odeio ver árvores isoladas, gosto de ver a complexidade de uma floresta. Então, se você entende essas ligações, um universo maravilhoso vai se abrir diante dos seus olhos e sua vida vai fazer mais sentido".

Topo