O mundo em São Paulo

No aniversário de 467 anos da megalópole, Nossa lembra a história dos bairros de imigrantes

Eduardo Vessoni Colaboração para Nossa Getty Images

É como se um mundo inteiro coubesse dentro de São Paulo. Pelas contas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, a maior cidade brasileira abriga 360 mil estrangeiros de 200 nacionalidades diferentes.

A onda de imigração na capital paulista cresceu, significativamente, a partir de 1870, quando as instabilidades econômica e política na Europa foram o impulso para que aquela gente sem esperanças (e muita vontade para recomeçar) cruzasse o Atlântico em busca de novas oportunidades.

É do final daquele mesmo século a inauguração da Hospedaria de Imigrantes do Brás que, atualmente, abriga o Museu da Imigração. Entre 1887 e 1978, o local recebeu 2,5 milhões de pessoas, de mais de 70 nacionalidades.

Se no princípio, o Brasil era destino de africanos e europeus, mais recentemente o fluxo migratório ganhou nacionalidades como venezuelanos, bolivianos e africanos de diferentes países. Segundo a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), das 6.500 pessoas atendidas pela Caritas Arquidiocesana de São Paulo, em 2018, 60% eram da Angola, Congo, Nigéria, Venezuela e Síria.

Para celebrar os 467 anos da cidade, Nossa faz uma viagem pelos bairros de São Paulo com influências estrangeiras, onde por muitas vezes a sensação é de estar em outro país.

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Bela Vista

Popularmente conhecido como Bexiga, o bairro Bela Vista tem em sua gênese um importante quilombo urbano, o Saracura, estabelecido por ex-escravos às margens do córrego homônimo, que passava por onde hoje é a avenida 9 de Julho. Logo após a abolição da escravatura, esta região consolidou-se como importante núcleo negro no centro da capital paulista.

Como lembra a historiadora Célia Toledo Lucena, no livro "Bairro do Bexiga" (ed. Brasiliense), "é um universo complexo de fragmentos de 'coisas populares' que expressa mescla étnica afro-italiana", dando origens a clássicos como por exemplo a escola de samba Vai Vai.

Desenvolvido no início do século 19, a partir da chácara de Antônio Bexiga, próximo às ruas Santo Amaro e Santo Antônio, o bairro começou a receber italianos durante o crescimento da cultura cafeeira.

Se na segunda metade do século 19, era a região bucólica das feiras e dos carros de boi, as décadas seguintes trariam novidades como boemia e vida noturna agitadas, abertura de cantinas italianas e inaugurações de teatros que dariam ao bairro o título de "Broadway brasileira".

Um dos ícones arquitetônicos do bairro é a Paróquia Nossa Sra. Achiropita, inaugurada em 1918 como capela, a partir de doações de devotos, e endereço da concorrida quermesse de rua que acontece todo mês de agosto.

Um dos endereços mais procurados é a rua 13 de Maio, conhecida pela grande concentração de bares e cantinas.

A cidade abriga também antigos bairros operários de forte influência italiana, como Brás e Mooca.

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Liberdade

Tradicionalmente associado à Ásia, esse bairro central e antiga via de passagem de mercadorias que seguiam para as fazendas de Santo Amaro já foi conhecido pelas execuções no Largo da Forca, atual Praça da Liberdade. Nos séculos 18 e 19, abrigava uma forca e o Pelourinho, tronco onde os negros escravizados eram castigados.

Daquela época, a Liberdade guarda construções como a Capela dos Aflitos, endereço do primeiro cemitério público de São Paulo, em um beco da rua dos Estudantes, destinado a populações marginalizadas; e a Igreja das Almas dos Enforcados, erguida no mesmo local onde o cabo Francisco José das Chagas, conhecido como Chaguinhas, foi morto a pauladas em 1821, após a corda da forca arrebentar duas vezes.

Foi esse acontecimento que deu origem ao nome do bairro, nas vozes de um grupo de pessoas entoando "Liberdade!" após a morte do soldado negro.

Febre turística dos últimos anos, o bairro começou a assumir sua versão oriental a partir de 1912, na Rua Conde de Sarzedas, quatro anos depois da chegada dos primeiros imigrantes japoneses.

A Liberdade é um pedaço do Japão na maior metrópole da América do Sul. Calcula-se que cerca de 400 mil japoneses e descendentes morem hoje na capital, como informa o site Cidade de São Paulo.

A região é famosa por seus restaurantes orientais e pelas lojas de produtos importados da Ásia, em endereços como as ruas Galvão Bueno e da Glória.

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MÁRCIO FERNANDES DE OLIVEIRA/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Sérgio Camasmie, filho de pais sírios, atende um judeu em seu estabelecimento

Bom Retiro

Usado por famílias ricas do século 19 como retiro de finais de semana nas chácaras da região, entre os rios Tamanduateí e Tietê, esse bairro comercial concentra a mais significativa comunidade de coreanos de São Paulo, a partir dos anos 60.

De passado industrial e antiga residência de operários, até a década de 20, a região foi se transformando em área comercial, cujo endereço mais famoso é a rua José Paulino, conhecida pelas lojas de roupas. Foi ali que operários fundaram, em 1910, o Sport Club Corinthians Paulista.

A região viu nascer também o Parque e a Estação da Luz, respectivamente, os primeiros jardim público e estação ferroviária da cidade; e o prédio da primeira montadora de automóveis no Brasil, quando a Ford se instalou na rua Solon, em 1921.

Atualmente abriga equipamentos culturais como a Pinacoteca, Estação Júlio Prestes, cuja Sala São Paulo é sede da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), e os museus de Arte Sacra e da Língua Portuguesa, cuja reabertura após o incêndio de 2015 estava prevista para o 1º semestre do ano passado.

Com menor presença atualmente, judeus russos, lituanos e poloneses também se estabeleceram na região do Bom Retiro, fugidos do nazismo. Mais recentemente, bolivianos também passaram a ocupar o bairro, responsáveis pela Feira Kantuta, no distrito vizinho Pari.

Sinagoga Mekor Haim na rua São Vicente de Paula, em Higienópolis

Higienópolis

A "cidade da higiene" nasceu como refúgio seguro para a elite paulistana do final do século 19 que fugia das enchentes e doenças nas áreas mais baixas da região.

Considerado um dos primeiros bairros planejados de São Paulo, Higienópolis foi projetado pelos alemães Martinho Bouchard e Victor Nothmann, priorizando fornecimento de água e encanamento de esgoto.

Esse bairro de 1893 se desenvolveu a partir de casarões de industriais e barões do café, ao longo da Avenida Higienópolis, e suas ruas prestam homenagem às mulheres da elite da época, como Avenida Angélica e Rua Maria Antônia.

Aliás, uma das mais belas construções do bairro é o palacete de estilo francês na esquina da rua Dona Veridiana e avenida Higienópolis, atual sede do Iate Clube de Santos.

Esse bairro arborizado entre o Centro e a Avenida Paulista abriga também o Parque Buenos Aires, de 1913, e a Praça Vilaboim, conhecida pelos bares e pela figueira da época de sua inauguração, em 1937.

Atualmente, Higienópolis concentra cerca de 40% dos judeus que vivem em São Paulo.

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Brooklin

Entre o Itaim Bibi e Santo Amaro, esse bairro tem nome em homenagem ao distrito homônimo de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e suas origens remontam à época da fazenda Casa Grande do casal de alemães Ana Carolina e Carlos Klein.

Assim como lembra o site oficial de promoção do turismo da capital paulistana, os alemães chegaram à região da vizinha Santo Amaro, em 1827, e foram responsáveis pelas produções de papel e cerveja.

A presença de alemães na cidade foi responsável também pela inauguração do Sport Club Germania, em 1899, atual Esporte Clube Pinheiros.

Endereço de multinacionais e importante polo comercial paulistano, o bairro abriga avenidas como a Berrini, Roberto Irineu Marinho e Nações Unidas, todas próximas à Ponte Estaiada Octávio Frias de Oliveira, um dos atrativos arquitetônicos dessa região de altos prédios espelhados ao longo do Rio Pinheiros.

Até o início da pandemia, o bairro abrigava festas como a MaiFest, em maio, e a BrooklinFest, em outubro, ambas com programação dedicada à cultura alemã, nas ruas Joaquim Nabuco, Princesa Isabel, Barão do Triunfo e Bernardino de Campos.

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Vila Mariana e Paraíso

Espécie de fundadores do centro comercial da rua 25 de Março, a partir do final do século 19, árabes da Síria e do Líbano se instalariam, anos mais tarde, nesses dois bairros da zona sul.

De acordo com Juliana Khouri, em pesquisa feita na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, os primeiros imigrantes se estabeleceram na região do Mercado Municipal, a partir de 1880, devido "aos baixos alugueis dos imóveis, [e] à sua posição estratégica entre o centro da cidade e a estação ferroviária".

Sem dinheiro para compra de terras para se dedicarem à agricultura, os árabes viram no comércio a opção mais rápida de ganhos, cujo andar superior de lojas em ruas centrais como Basílio Jafet e Abdo Schaim serviam de residência para os imigrantes.

Ainda segundo a pesquisadora, com a expansão dos negócios, a partir de 1914, a comunidade árabe foi se mudando para bairros como Vila Mariana, Paraíso e, em menor escala, no Ipiranga, onde a família Jafet se estabeleceu para a fabricação de tecidos.

Avener Prado/Folhapress

Guaianases

Antiga terra dos índios Guaianás, o bairro viu, recentemente, suas ruas se encherem de imigrantes africanos, principalmente da Nigéria, e haitianos em busca de oportunidades, após o terremoto que arrasou o país, em 2010.

De acordo com a Agência Mural de Jornalismo das Perifeiras, a procura por esse bairro do extremo leste de São Paulo atrai estrangeiros por conta do baixo custo de vida.

Espécie de bairro dormitório, Guaianases não conta com atrativos turísticos, mas hoje em dia não é raro ver igrejas estrangeiras, restaurantes de comida internacional e cartazes nos comércios, escritos em inglês e francês.

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