Guga está feliz com as crianças. E desgostoso com o legado olímpico
Embora cansado e com fome, Guga está feliz. Ele passou a tarde inteira atendendo a imprensa, distribuindo autógrafos, tirando fotos... E se divertindo com centenas de crianças e dezenas de adultos. É a correria da Semana Guga Kuerten 2017, evento que dura 10 dias e trabalha o esporte na sua essência, com amizade, respeito às regras e ao adversário, esforço físico, educação etc. E sonhos.
Um alento no atual cenário do esporte brasileiro, já que a pauta que tem dominado o noticiário é a corrupção dos cartolas. E o assunto legado olímpico é a única coisa que não deixa Guga feliz.
Ao final de mais um dia de atividades, o astro do tênis nacional se prepara para ir embora. Alguns poucos fãs ainda o seguem. Pode ser a última chance de ter contato com o ídolo.
Ele para diante de um carrinho, cumprimenta o vendedor e pega um saquinho de pipoca. Pai e filha se aproximam para tirar uma foto. Guga abraça os dois e inicia um diálogo com a atleta mirim. Ela está encabulada, parece encantada com a presença do tricampeão de Roland Garros.
- Você jogou hoje?
- Sim.
- Ganhou ou perdeu?
- Perdi.
- Perdeu e está feliz. Está sorrindo... Que bom, assim é o esporte e a vida. A derrota faz parte do aprendizado, não se deixe abalar com isso. Você perdeu na primeira rodada ou na segunda?
A garota não responde. Travou de vez. A conversa com o maior tenista brasileiro de todos os tempos não estava nos planos. Ela só queria uma foto. Guga insiste:
- Perdeu no primeiro ou no segundo jogo?
- No primeiro.
- Tá bom! Para o ano que vem, vamos combinar que sua meta é ir até a segunda rodada. Dar um passo a mais. Quantos anos você tem?
- 11.
- Só 11? Então compete na categoria sub-12. Vai evoluir. Continue treinando, se dedicando ao esporte, ao tênis... Tchau, gurizada!
Guga não diz “não”. Atende todo mundo
Guga não fica sozinho um instante sequer durante a Semana Guga Kuerten. São fotos para patrocinadores, entrevistas, encontros... E o que ele mais gosta de fazer: as atividades com as crianças.
Após o almoço, Guga concede uma entrevista de uma hora. Em volta, crianças e adultos acompanham tudo. É o mundo que eles estão acostumados a ver pela televisão virando realidade. A chance de ver os bastidores e a rotina de um ídolo do esporte.
Guga levanta e todos aplaudem. Ele é cercado, distribui autógrafos e tira mais fotos. Naquela tarde, o evento recebeu a visita das crianças do projeto social Sombra e Água Fresca. Guga vai ao encontro delas e comanda uma atividade lúdica.
Na sequência, mais uma entrevista, ao ESPORTE(ponto final), para falar sobre o que o esporte representa na sua vida e sobre os seus grandes momentos.
Após uns 20 minutos, a gravação é interrompida para Guga participar do quadro #AltasHoras. “Vou lá e já volto”, avisa. Ensaia com umas 30 crianças a breve coreografia para aparecer no programa de Serginho Groisman.
- Vamos lá! Eu conheço vocês do Sombra e Água Fresca. São cheios de energia. Vai dar certo!
Deu errado na primeira tentativa, e todos gargalharam. Na quarta ou quinta, deu certo.
Depois, uma rápida entrevista para falar sobre como a banana faz bem para saúde e foi importante durante a sua carreira. A bateria da câmera acaba, e o jornalista diz que precisa pegar uma nova no carro. Guga aceita na boa: “vai lá, eu espero. Enquanto isso, vou atendendo o pessoal aqui”.
Pra fechar o dia, retorna para finalizar o papo com o ESPORTE(ponto final), como havia prometido. Só interrompe a longa entrevista mais uma vez, para abraçar seu irmão Rafael e sua filha. “Pode ficar brincando que o papai vai ficar sentado aqui”.
Desgosto com o legado olímpico
Guga autografa as últimas camisetas e bolinhas de tênis à sua frente. Uma senhora de idade oferece algo para comer. Ele pega, agradece e sorri: “É pra eu comer tudo agora ou posso guardar para as crianças?”. Ela fica sem jeito: “pode comer tudo”.
Um senhor, também de idade, se aproxima pelo outro lado.
- Tudo bem com o senhor? Quer um pouco? É bom pra saúde! – diz Guga, oferecendo o petisco que acabara de pegar das mãos da senhora.
O homem se surpreende. Balança a cabeça: “não, não”. A voz dele quase não sai, mas era como se dissesse “não precisa ser tão gentil, eu só queria chegar perto de você”.
Com o gravador na mão, aproveito a ocasião para fazer uma pergunta que considero essencial, pelo momento que vive o esporte brasileiro.
- Guga, posso fazer uma última pergunta?
- Sim.
- Você foi um entusiasta durante os Jogos Olímpicos do Rio. Virou um personagem da Olimpíada, comentando várias competições na Globo. Um ano depois, como você tem acompanhado essas notícias sobre o legado olímpico, sobre os desvios de verbas...?
Guga me interrompe. E dá a resposta mais sincera possível:
- Ah, não! Eu teria que pensar muito para responder. Estou cansado, já falei muito durante as entrevistas, minha cabeça está cansada. Comentar esse assunto é um desgosto, me embrulha o estômago, me dá enjoo... Desculpa, mas não quero falar sobre isso agora. Não vai me fazer bem. Preciso comer.
Acho que foi a única vez que Guga recusou um pedido naquela tarde. Mesmo assim, suas poucas palavras mostram bem o que ele pensa sobre a política pública para o esporte no Brasil.
Nem deu tempo de pedir sua opinião sobre a prisão de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (renunciou ao cargo nessa quarta). Mas também não é difícil imaginar a resposta.
Guga senta para comer. Enfim, pode descansar um pouco. Na manhã seguinte, está prevista uma visita a um projeto social em um bairro pobre de Florianópolis. Provavelmente Guga estará sorrindo. E fará outras pessoas sorrirem.
Em tempos de desilusão com a política e a gestão do esporte no Brasil, passar alguns momentos ao lado do “manezinho da ilha” faz bem.